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segunda-feira, 11 de março de 2019

SOLIDÃO DE BEIRAL DE ESTRADA

*Rangel Alves da Costa

Solidão e ali e acolá. Solidão nos casebres de solidões. Nos casebres as solidões. As solidões avistadas do lado de fora e imaginadas do lado de dentro. E há um mundo que é assim. Conheço esse mundo, pois caminho pelos seus caminhos, visito os seus semblantes e me entristeço perante suas portas e janelas sempre fechadas.
Verdade que os sertanejos costumam manter suas portas fechadas em todos os instantes do dia. Somente ao entardecer, quando uma cadeira é colocada diante da porta ou quando o dono da casa se assenta num tamborete para ouvir seu radinho de pilha é que surgem sinais de vida, de presença daqueles moradores. Ao invés da porta da frente, é a porta dos fundos, que dá para o quintal ou cercados, que é utilizada como entrada e saída. Quanto muito, apenas um bicho de cria arreliando de canta a outro.
Pelos sertões o que se encontra, assim, são casas tristes, de feições abandonadas, de portas fechadas, de malhadas solitárias, num quase sem vida. Mesmo que lá dentro estejam muitas pessoas, mesmo que lá dentro a vida esteja correndo apressada, é como se nada assim existisse perante aquele que passa adiante e lança o seu olhar naquela direção. E não há quem não se aflija com aquela moldura tão aflitiva e melancólica. Imagina-se sempre estar apenas diante de um abandono, de vidas partidas, de vidas dali já distanciadas pelas intempéries da existência em mundo tão difícil de ser suportado perante as estiagens.
Sempre entristeço ante o silêncio melancólico das casas tristes nos beirais das estradas. Portas e janelas fechadas, sem cheiro de café torrado ou de tripa de porco torrando no fogão de lenha. Procuro pelo menino Zezim, procuro pela menina Joaninha. Mas nada. Nem um cachorro magro nem a voz de um papagaio falador. Murchou a bela flor que outrora era avistada no umbral da janela. Esturricou a planta que antes descia pelo caqueiro pendendo no pé de pau.


Tenho vontade de ir até lá e bater à porta. Oi de casa, oi de casa! Tenho vontade de ir até lá e bater na madeira como alguém que chaga para trazer uma notícia boa sobre um mundo novo. Ou apenas dizer: Oi de casa, oi de casa! Chamar assim. Mas desisto, enfim. E sigo pelos meus sertões em busca de portas abertas e daquilo que me dê alegria. Zezim, onde tá você? Joaninha, onde tá você? É o que pergunto em meu pensamento. E entristeço e choro. E silencioso pranteio a dor de todas as ausências do mundo!
Sigo adiante e aquele mundo solitário e triste para se eternizar logo atrás. Mas não posso esquecer aquela moldura ainda fixa no meu olhar. Zezim deveria estar ali na malhada, debaixo do umbuzeiro, reinando com ponta de vaca, correndo atrás de calango, atirando com peteca baleadeira. Zezim, Zezim, seu mundo está ali e por que você não estava? Joaninha também deveria estar pelos arredores da casa, levando consigo a boneca de pano descabelada e desenho círculos no chão aberto para brincar de pular. Joaninha, Joaninha, seu mundo está ali e por que você não estava?
Faltou-me sentir aquele aroma forte, encorpado, cheiroso, oloroso, do café fervendo em riba do fogão de lenha. Que festa ao olfato este perfume tão sertanejo, nascido desde o pilão para bater o café, à arupemba para separar o pó do restante dos grãos, e depois todo o negrume misturado à água fervente para a festa maior do sabor e da vida. Não senti tal cheiro ali e senti muita falta. Também não ouvi os barulhos do ofício na cozinha, com panela batendo, talher caindo, criança chorosa querendo comida. A mulher não abriu a porta para aguar a planta. Não havia planta, não havia nada. O homem não abriu a janela para avistar possíveis nuvens de chuva ao horizonte. Não há chuva num sertão assim.
Entristeci e chorei pela moldura de angústia e desilusão. Não pelo sertão em si, com seu sorriso triste e seu corpo esquelético, mas pelo seu povo que sequer parece existir naqueles casebres tristes de beirais de estrada. Talvez algum dia eu retorne e encontre tudo diferente. Talvez eu encontre a porta e a janela abertas, Zezim e Joaninha nos seus afazeres de criança e a sertaneja jogando água por riba da planta sedenta. O sertanejo certamente estará por ali, mexendo numa coisa e noutra, afiando uma enxada, dando lustre ao facão, remendando seu aió de caçador.
Talvez eu retorne e encontre a vida na sua vida, o homem sertanejo no seu lugar. Mas por enquanto, ainda choroso, ainda triste. Sou sertanejo também.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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