*Rangel Alves da Costa
Infância é doce aurora, é sol de primeiro brilho, é nuvem de brinquedo desenhado. Um mundo sem limites e fronteiras, uma porta que se abre somente a chamar ao viver. Descalço, desnudo, despreocupado, procurando somente o prazer e alegria. E esta fase da vida está na força da vida primeira.
Há uma fase na vida que é arco-íris e algodão doce, que é ciranda de roda e carrossel enluarado, que é fantasia e alucinação, que é cantiga de pássaro e farfalhar de folhagens: a infância. Tamanho é o encantamento nesta fase da vida que os demais anos buscam no seu espelho a validade de toda a felicidade da vida.
Num poema de Casimiro de Abreu (Meus oito anos), a doce recordação: “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!..”. E digo: Oh que saudades que tenho daquele luar sertanejo, onde a criançada em festejo dizia que a noite era sua e se espalhava pela rua na ciranda a cirandar e no cavalo de pau a reinar... Poço Redondo, meu Poço Redondo, tuas noites tão fagueiras, como num luzir de fogueiras para um povo iluminar.
Um mundo diferente da meninada. Criançada nascida e crescida num mundo de quase paz. Calçadas de proseados, os ventos da noite soprados como beijo em cada face. Uma vida sem disfarce, em cada amizade um enlace, e na humildade da vida a paz por Deus concebida. Noites de lua bela, as mocinhas na janela fazendo do sonho aquarela. Crianças por todo lugar, pois a noite é um “meninar” que ninguém pode domar.
Meninas se dando a mão e na voz a bela canção: “Se essa rua se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, para o meu, para o meu amor passar...”. “Como pode um peixe vivo viver fora de água fria, como poderei viver, como poderei viver, sem a sua, sem a sua companhia...”.
E os meninos, dando na noite pernoite, faziam da lua um açoite e começavam a se danar. Bola de gude jogar, cavalo de pau pra voar, pega-de-boi pra caçar, bola de meia a encantar. Os meninos lambuzados de mundo, molhados de alegria, respingado o suave suor da idade.
Não havia tempo ruim para a criançada. Pelos quintais, pelos monturos, nas malhadas, nas calçadas, nos escondidos dos quartos, sempre um lugar e uma motivação para a festa da idade. Medo somente de crescer, de chegar a uma idade onde o viver já não caiba mais a armação de arapucas nem os banhos debaixo da chuva.
Nas noites de candeeiro, o cinema era a imagem lançada na parede nua. Brincar de esconde-esconde, de pular corda, de pelada em campinho e de pés descalços. Quem já não chutou uma bola em vidraça e depois teve de correr por que a dona da casa aparecia furiosa e tendo na mão uma vassoura com cabo e tudo?
Noites da infância, doces noturnos da criançada. Pular, correr, dançar, rodar, cirandar. Mas não demorava muito e chegava o grito: “Tá na hora de criança dormir!”. E a meninada tudo fazia para descumprir as imperiosas ordens maternas. Corriam, escondiam-se, mas tinham de aparecer quando as promessas de chinelas ecoavam. Então tinha de ir tomar banho e adormecer. Sonhando, sonhando, sonhando com aquele belo mundo, aquele jeito tão sublime e cativante de se viver.
E hoje, o que se faz nas noites de Poço Redondo? Que mundo transmudado em coisa. Onde estão os meninos, onde estão as meninas? Venham, venham brincar na rua, venha cirandar debaixo da lua. Onde está a infância, meu Deus? “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!..”.
Escritor
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