* Rostand Medeiros, pesquisador
Os fatos
relacionados ao fenômeno do cangaceirismo possuem em suas variadas narrativas,
locais que são referências pelos acontecimentos ali ocorridos. Pontos que se
tornaram conhecidos por batalhas, ataques a cidades, assaltos e outros
episódios, quase sempre associados ao sangue derramado, a valentia apresentada
ou a derrota sofrida. Na área onde as fronteiras entre os Estados de
Pernambuco, da Paraíba e do Ceará se encontram, existem no lado pernambucano um
destes locais. Trata-se de uma elevação natural, com altitudes que chegam a
mais de 1.000 metros e conhecida como Serra do Catolé. Este ponto geográfico,
localizado na divisa dos municípios pernambucanos de Serra Talhada e São José
de Belmonte, se tornou conhecido dentro do chamado “Ciclo do Cangaço”, por ser
apontado por consagrados autores, como o local onde existiam grutas que serviam
de esconderijos a cangaceiros famosos, como os de Sinhô Pereira e Luís Padre,
além do “aluno” do primeiro, Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião. Sabendo
disto, o pesquisador potiguar Rostand Mederios, junto com os amigos Sólon
Rodrigues Almeida Netto e Alex Gomes visitaram essa região em busca de
informações sobre a Serra do Catolé. Vejamos abaixo o texto publicado em 14 de
março de 2011, há exatos 3 anos, no site do pesquisador.
Partimos da
cidade paraibana de Manaíra, na fronteira com Pernambuco, seguimos acompanhados
do amigo Antônio Antas, que estava nos ajudando na função de guia na região.
Conhecedor das histórias dos cangaceiros e dos inúmeros confrontos na região do
Pajeú pernambucano, além de privilegiada fonte de informações, Seu Antonio é um
homem da conversa franca, aberta e prazerosa. Seguimos pela bela cidade serrana
de Triunfo, em direção a Serra Talhada, depois pela BR-232, até o entroncamento
em direção a São José de Belmonte, percorrendo mais de 50 quilômetros de boas
estradas de asfalto. A partir de São José de Belmonte o caminho para a Serra do
Catolé segue por 25 quilômetros de estradas de barro, até o distrito do Carmo.
Neste aglomerado urbano, soubemos da existência do sr. Francisco Maciel da
Silva que poderia nos dar boas informações.
A famosa Serra
do Catolé, divisa dos municipios de Serra Talhada e Belmonte. Em suas grutas se
escondiam cangaceiros do bando de Sinhô Pereira, Luis Padre e Lampião.
Vivendo em uma
casa simples do lugarejo, idoso, mas lúcido, o Senhor Maciel é um homem de
pequena estatura, lento nos gestos e que utiliza um par de óculos com grossas
lentes para poder enxergar. Apesar disto, a firmeza da sua voz, a lucidez e o
forte aperto de mão, não deixam transparecer que ele possui 97 anos de idade. E
comentou que durante anos viveu no alto da Serra do Catolé e que na sua
propriedade existe uma gruta que foi utilizada como esconderijos de
cangaceiros. Já sua filha Maria do Carmo Rodrigues da Silva, de 66 anos,
informou que quando ainda moravam no alto da serra, muitas vezes seus filhos
traziam desta cavidade, cascas de balas de fuzis detonadas ou ainda intactas e
em uma ocasião, um deles achou uma espécie de chave de fendas, aparentemente
utilizada para manutenção rifles. Dona Maria nos informa que estes fatos não se
restringiram apenas a pequenos objetos. Em anos passados, ela não recorda
quando, em outro sítio existente na região da serra, em uma ocasião em que
trabalhadores capinavam próximos a uma pequena gruta, foram encontrados dentro
desta, segundo suas palavras; “um mundo de rifles socados nas furnas”. Devido à
idade, o Senhor Maciel não pode nos acompanhar, mas informou que um amigo por
nome de Luiz Severino dos Santos, morador do Sítio Catolé, saberia muita coisa
sobre estes esconderijos.
Fotografia de
Sinhô Pereira e Luis Padre. Com a morte em 1907 do ex-prefeito Padre Pereira
(pai de Luis Padre) e do sobrinho Né Pereira (irmão de Sinhô Pereira) em 1914,
esses dois entraram no cangaço por vingança e se tornando cangaceiros famosos
na região.
Seguimos então
para a serra por uma estrada de péssima qualidade. No trajeto percebemos a
pequena quantidade de habitações existentes ao longo do caminho, onde a maioria
delas se encontra com as portas fechadas, sendo difícil acharmos pessoas quem
possa nos dar alguma informação. Vimos pequenas estradas vicinais, seguindo
para pontos ignorados, onde mesmo com a ajuda do GPS, acabamos nos perdendo em
algumas ocasiões. Ao buscarmos informações com as poucas pessoas que
encontramos, estes se mostraram arredios, desconfiados com quatro homens em um
jipe EcoSport. Este comportamento estranho, bastante diferente do que estamos
acostumados a encontrar nas nossas andanças pelo sertão nordestino, se explica
pelo isolamento do local e a proximidade de três fronteiras estaduais, por onde
“passa todo tipo de gente e bicho” como nos disse um lavrador local. Se hoje é
assim, imaginemos então no tempo do cangaço. Apesar dos percalços, cada vez
mais a serra surgia imponente.
O pesquisador
Rostand Medeiros entrevistando o sr. Luiz Severino do Santos (neto de Luis
Padre), na Serra do Catolé, em março de 2011.
A Serra do
Catolé possui características interessantes; além de elevada, extensa, é
coberta com uma imensa quantidade de palmeiras conhecidas como coqueiro catolé
(Syagus cromosa). Esta árvore, característica dos cerrados, é igualmente vista
em praticamente toda a região Nordeste do Brasil, principalmente em locais com
maior altitude, chega a ter em media 7 metros de altura e fornece uma amêndoa
que se produz um fino óleo que é utilizado na culinária nordestina. Da sua
polpa, principalmente no Ceará, se produz uma bebida chamada aluá e antigamente
o sertanejo encontrava nesta caridosa árvore um palmito de gosto amargo,
utilizado para temperar carne. Entre esta verdadeira floresta de coqueiros
catolé, vemos uma grande concentração de enormes blocos de granito, sendo esta
outra característica desta interessante serra. Foi devido à ação da erosão, ao
longo de milênios, que estes blocos rolaram ao longo dos declives da serra, e,
ao se juntarem a outros blocos, formaram as cavidades naturais que os valentes
cangaceiros do bando de Sinhô Pereira utilizaram em meio as suas lutas.
Gruta de Dé
Araújo, na Serra do Catolé. Foi neste local que o cangaceiro Manoel Cavalcanti
de Araújo se recuperou do combate da Fazenda Piranhas, em 1917. Anos depois, Dé
Araújo deixou o cangaço e se tornou oficial da Policia Militar em São Paulo.
Em meio a
tantas pessoas com o semblante desconfiado, foi uma benção encontrar o riso
aberto do Senhor Luiz Severino dos Santos. Homem tranqüilo, forte para seus 66
anos, comenta que nasceu na serra e de lá, no máximo só saiu até Serra Talhada.
Para nossa surpresa, no começo do nosso diálogo, ao ser perguntado sobre estes
esconderijos, ele confirma a existência das grutas e comenta que elas foram
esconderijos usados pelo bando do seu avô, o próprio Luis Padre. Surpresos
diante desta declaração, passamos a conversar e buscar novas informações.
Segundo o Senhor Severino, a família de Luís Padre era proprietária do Sítio
Catolé antes mesmo do inicio das “brigadas” contra os Carvalhos. Entre uma
pausa e outra da luta, Luis Padre, Sinhô Pereira e o bando seguiam para a Serra
do Catolé, onde se refaziam para novos combates. Aparentemente, entre estas
pausas, Luís Padre iniciou um relacionamento com a sertaneja Ana Maria de
Jesus. Logo deste encontro nasceram duas filhas do célebre cangaceiro, Emilia e
Agostinha Pereira da Silva, a última foi a genitora do nosso informante, sendo
ela quem narrou as peripécias e as andanças do seu pai no cangaço. As
características de isolamento e as dificuldades naturais de acesso a serra,
proporcionaram aos cangaceiros um verdadeiro local de descanso e apoio, mas por
medo da polícia descobrir estes locais, o Senhor Severino informou que a
permanência do grupo era sempre rápida e controlada. Todos os acessos eram
vigiados, ninguém entrava ou saia da serra sem que Luis Padre e Sinhô Pereira
soubessem. Percebemos a importância estratégica da serra e do Sítio Catolé,
pois estamos a somente 18 quilômetros da fronteira cearense e a 3 da Paraíba,
mostrando que a partir deste local estas fronteiras poderiam ser ultrapassadas
e outros locais de apoios e de combate poderiam ser alcançados.
Gruta da Casa
de Pedra, localizada na Fazenda Boa Esperança, na Serra do Catolé. Foi nessa
gruta que o cangaceiro Lampião se recuperou de um ferimento de um combate
próximo contra a volante do major Theophanes Ferraz Torres, em 1924.
Em relação às
cavidades, Seu Severino comenta que existem várias na região, que o grupo se
escondia nelas quando havia notícias das proximidades da polícia, ou quando
algum dos cangaceiros estava ferido. Devido ao nosso tempo curto, pedimos para
conhecer a mais representativa em sua opinião. Ele escolhe para uma que sua mãe
lhe contou ter ido a este local, ainda criança, levada pelo pai cangaceiro,
para ver um dos seus companheiros de luta que se recuperava de um balaço
recebido. Ela lhe contou que o cangaceiro se chamava “Dé Araújo”, que havia
sido ferido no combate da Fazenda Piranhas, em Serra Talhada, sendo trazido nas
costas dos companheiros, onde foi tratado com raízes e produtos naturais. Na
medicina destes cangaceiros, eles utilizavam um cipó facilmente encontrado na
serra, que chamavam “cipó de baleado”, onde o mesmo era pilado, colocado sobre
a ferida da bala, que cicatrizava o ferimento. A cavidade passou a ser
conhecida na região como “Gruta da Pedra de Dé Araújo”, sendo formada por um
matacão granítico rolado e internamente, no centro da cavidade existe uma área
arenosa, plana, onde sua mãe lhe dizia ser o “leito” do cangaceiro “Dé Araújo”,
que se recuperou plenamente e voltou a luta.
A Pedra do
Reino Encantado, nas proximidades da Serra do Catolé. Essa região foi
inicialmente habitada pelos vaqueiros do tenente-coronel Simplício Pereira da
Silva, da Fazenda Cachoeira, ficando esta pedra famosa pela hecatombe ocorrida
em 1838.
Em 1919, com o
endurecimento da luta, onde a vitória total era impossível, mas a honra da
família estava mantida, o conflito entra em um impasse. Neste momento surge a
figura do famoso Padre Cícero, da cidade de Juazeiro, Ceará. O sacerdote pede
aos Pereiras que deixem a região, que sigam para “o Goiás em busca de paz”.
Eles acatam o pedido do religioso e decidem partir separadamente, levando cada
um deles, um número reduzido de homens, os de maior confiança. Luís Padre
consegue chegar a Goiás, mas Sinhô Pereira entra em combate no Piauí e, sem
conseguir ir adiante, retorna para o violento Pajeú. Tempos depois, em 1920, um
pequeno grupo de seis cangaceiros, comandado pelo caçula dos três irmãos
Ferreira, de nome Virgulino, entra no bando de Sinhô Pereira. Eles buscam
vingança contra um vizinho de propriedade e de um tenente da polícia alagoana
que havia matado seu pai. Durante dois anos Virgulino Ferreira da Silva, seria
tornaria braço direito de Sinhô Pereira e aprenderia muito com o chefe,
inclusive os esconderijos da Serra do Catolé. Em agosto de 1922, atendendo a
outro pedido do Padre Cícero e acometido de problemas reumáticos, Sinhô Pereira
deixa o Nordeste em direção a Goiás, onde reencontra o primo e juntos vão
participar de outras lutas.
Fonte:
www.tokdehistoria.wordpress.com
http://www.blogdeserratalhada.com.br/a-famosa-serra-do-catole-escoderijo-de-cangaceiros-2/
Blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cançao Rostand Medeiros
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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