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quarta-feira, 6 de setembro de 2017

SOBRE BARATAS E BORBOLETAS

Por Rangel Alves da Costa


O mundo não, a vida não, a existência não, mas as pessoas são assim: concebem sempre ao seu modo as visões que possuem sobre as baratas e as borboletas. Apenas uma analogia às demais situações de vida. Mas, indaga-se: Baratas são sempre feias e borboletas são sempre lindas?
E assim também com relação às manhãs e às noites, aos flamboyants e às cerejeiras, às goiabas e às jabuticabas, às maças e às uvas. Tudo uma questão de percepção, de gosto, de aceitação. Alguns não gostam de chuva, outros não gostam de sol. As preferências vão sendo assimiladas pelo prazer que possam fruir.
A verdade é que de muitas formas as pessoas assumem os conceitos sobre as coisas. Conceitos ou definições em palavras não significam quase nada perante as percepções da mente. É a mente que faz as escolhas, que molda a percepção do belo e do feio. Ora, baratas e borboletas são igualmente insetos. Mas por que são mentalmente concebidas de forma tão diferentes?
A barata sequer precisa ser definida, conceituada ou nomeada. Para a maioria das pessoas, falar em barata logo lhe vem a ideia de algo nojento, rastejante, asqueroso, talvez o mais repugnante dos insetos. Neste sentido, se afirma que ter sangue de barata também é ser imprestável, complicado, de difícil trato.  Diante dela ou apenas na percepção de sua existência, a pessoa grita, sobe em cadeira, sequer entra na casa se souber que por ali ela faz moradia.
O monstro de Kafka, ou seja, aquela barata repulsiva que vai exsurgindo no ser, toma a forma de tal inseto exatamente para simbolizar a aversão humana ante o que acredita como nojento, desprezível e abominável. A pessoa não é rejeitada pela transformação que lhe acomete, mas pela imagem monstruosa que passou a ter. A percepção humana perante a metamorfose seria muito diferente acaso o ser se transformasse, por exemplo, numa lagartixa.
Tem gente que também tem nojo da lagartixa, de seu rastejo, de seus hábitos, mas nada igual a repulsa sentida pela barata. Não pela barata em si enquanto inseto, mas pela noção que se passou a ter sobre ela. E assim por que a pessoa não tem medo da barata, mas a evita pelo nojo que sente, pelo asco que logo vem perante sua presença. Ao ter incutido sobre si tal desprezo, a barata seria igualmente evitada acaso passasse a ter a aparência de um colibri.
A bem dizer, nunca vi ninguém afirmar que gosta de barata, que ama barata, que cria barata, que possui afeto e carinho por baratas. Muita gente cria cobra, gambá, animais silvestres, pombos e até predadores, mas nunca vi um criatório de baratas. Mas são apenas animais. Contudo, tornados repulsivos exatamente pela capacidade de escolha humana, ainda que não sejam plausíveis as justificativas por tanto ódio aos pequenos insetos.
Compreensível, e ao mesmo tempo incompreensível, que assim seja. Ninguém é forçado a gostar de baratas. Mas por que a grande maioria das pessoas prefere estar nas proximidades de uma abelha a estar diante de uma baratinha de canto de casa? Ou mesmo ante uma cobra ou um tigre? Por que elegeram a barata como seu inseto de aversão. Simplesmente isso.
Neste sentido, toda a percepção de como o ser humano se ilude perante suas escolhas. Todo mundo ama borboletas, gosta de borboletas, poetisa suas vidas diante de borboletas, sente alegria e contentamento perante sua presença. Será por que as borboletas não são nojentas, asquerosas e repelentes? Não. Simplesmente por que o ser humano assim quer, assim deseja.
Pensando bem, a borboleta vem de um inseto que, sozinho, é tido como demasiadamente asqueroso. Quem gosta de larva, de lagarta? Sim, a borboleta vem de uma larva, de lagarta feia, molenga, repelente. E mais: antes de se transformar em borboleta, a lagarta vai soltando a pele, vai soltando escama, até surgirem as primeiras asas. E depois disso todo o encantamento do mundo.
Mas perante uma borboleta ninguém vai buscar as origens ou a forma de surgimento de tanta e multicolorida beleza. O passado repulsivo da borboleta é esquecido de vez, pois ante o inseto tão adorado e poético não há mais lugar para outras visões. Daí em diante somente a poesia em voo, a beleza da presença, a simbologia da perfeição. Tanto assim que García Márquez embeleza sua fantástica narrativa em Cem Anos de Solidão com borboletas povoando o mundo inocente da bela Remedios.
E apenas um inseto. Como inseto é também a barata. Em um o olhar de encantamento. Em outro o nojo, apenas. Mas tudo nascido apenas na mente humana. E o mesmo se diga com relação a outras realidades da vida, onde as verdades cedem lugar às aparências segundo o gosto de cada um. Dependendo da situação, até mesmo a esperteza pode dizer que ama uma barata. Dependendo de seu dinheiro, de seu status, de seu poder.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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