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sábado, 10 de fevereiro de 2018

RIFLES E CASCAVÉIS: TOCAIAS SERTÕES ADENTRO

*Rangel Alves da Costa

A mata fervilha. Em meio aos carrascais sertanejos, os bichos parecem conhecer aquelas botinas que lentamente cortam seu chão. Os bichos, talvez amedrontados, abrem passagem à outra fera: o matador.
Jagunço, assassino de paga, pistoleiro de mando, voraz matador, desalmado capanga, pistoleiro feroz, bandoleiro a sangue frio, a bestialidade em pessoa. Ou, para muitos, o pior dos cascavéis sertanejos: aquele que faz tocaia ou emboscada e faz do rifle sua arma de fim de tudo.
Os bichos tinham razão em temer a passagem do desalmado. Boa coisa ele não ia fazer. Caminhando assim por dentro do mato, como que rastejando sua presa, já de rifle à mão, certamente logo daria o bote certeiro. Mas contra quem daquela vez?
Qualquer um poderia ser vítima daquela sanha assassina. No mundo sertanejo, qualquer inimigo ou desafeto do patrão, do coronel ou do mandante, poderia ser derrubado pela cuspida certeira daquele desalmado cascavel.
Cascavel por que uma das peçonhentas mais temidas das caatingas, dos tufos de matos e das distâncias de mataria. Ao invés de balançar o chocalho do rabo antes do ataque feroz, aquele cascavel mirava sua vítima, ajeitava o cano da arma, firmava sua mão no gatilho, e lançava seu bote.
A cada bote dado um ser desvalido. A cada bote cuspido do rifle, da arma de língua de fogo, era como se não houvesse mais salvação para nada. Muitas vezes, bastava um tiro, um disparo apenas, e o baleado já caia estrebuchando. E em meio a uma poça de sangue, a espera somente das aves carnicentas.
Um mundo de cascavéis perigosos era aqueles sertões. Cascavéis empunhando armas tão poderosas quanto as iras lançadas pelos senhores do poder. Cascavéis a serviço do mal, da maldade, do cruel comprazimento em ceifar vidas pelas estradas, pelos escondidos, nas curvas dos caminhos, nas passagens costumeiras.


Cascáveis cuspindo fogo e abrasados até os dentes. Uma gente tão desumana que sequer queria saber a motivação daquele que iria morrer por meio de seu bote certeiro. Apenas tocaiar, apenas emboscar, apenas matar e pronto. O trabalho estava feito. A paga? Um vintém de nada.
Vintém de nada por que muitos dos jagunços, capangas e matadores, já viviam escravizados nas mãos de seus poderosos patrões ou coronéis sertanejos. Cometiam crimes, buscavam proteção nas varandas dos latifúndios, e então se tornavam como que objetos de mando. Bastava haver uma disputa ou desavença entre poderosos, ou mesmo entre um poderoso e um zé-ninguém, para que os cascavéis fossem chamados ao bote.
Na maioria das vezes, bater à porta do coronel e pedir abrigo e proteção era sentenciar seu destino. Dali não sairia mais de jeito nenhum. Passava a guardar segredos que jamais poderia revelar, e bastava pensar em sair para ser cuspido de fogo por outros cascavéis.
Uma escravização da morte, pois daí em diante serviriam apenas para apertar gatilhos, para cuspir fogo e cortar orelhas ou dedos como provas do serviço feito. Não havia outra sina: matar, matar e matar. Na tocaia, no escondido do mato, poderiam esperar horas ou dias, mas só retornavam depois da cuspida de fogo.
Jagunços, assassinos e cascavéis. Tudo numa só maldade. O homem bicho, o homem peçonhento, o homem sanguinário, o homem carregando consigo o veneno letal. Todo o veneno no rifle. Na ponta da arma aquele olhar traiçoeiro de cascavel, no cano da arma os dentes afiados da peçonhenta. E bastava o bote.
Assim a vida nos carrascais sertanejos, num chão manchado de sangue e envenenado por homens desalmados. Quando as peçonhentas furtivas se ajeitam entre os tufos à espera de vítima, ali a certeza de mais uma morte de tocaia que logo acontecerá. Ali o matador ajeitando a mira, o cascavel preparando o seu bote.

Escritor
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