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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

UM JEITO SIMPLES DE SER SERTANEJO

*Rangel Alves da Costa

Nem tudo está perdido no mundo-sertão. Os modismos, a negação de parte da juventude e as transfusões culturais, muito descaracterizam essa parte nordestina mais autêntica. O sertão ainda é um mundo e, como tal, ainda guarda dentro de si muitas de suas raízes.
Na verdade, ainda há sertão no sertão, conforme outro dia eu escrevi. Significa dizer que ainda é possível encontrar sertanejos autênticos com hábitos, costumes e tradições, que remontam aos tempos mais distantes.
Ainda há a tapera, a casinha de cipó e barro, a moradia distante ou nos afastados da cidade. Ainda há o fogão de lenha, a trempe para o pote, a caneca de alumínio brilhoso pendurada na parede, os varais estendidos de canto a outro nos pés de pau.
Ainda há a malhada, o velho tronco, o sombreado da grande árvore. Galinhas ciscam pelos descampados, bichos de cria andejam pelos arredores. Um pote de água boa, uma moringa na janela, um café batido em pilão e depois torrado antes de ir para a chaleira.
Ainda há a imagem santa pendurada na parede, o velho oratório no canto do quarto, as fitas de Padim Ciço e de Frei Damião, a fé incontida por todo lugar. Um velho livro de missas, um rosário, uma lembrança de Juazeiro.
Verdade que já está acabando muito daquilo que é tão próprio do sertão. As motocicletas tomaram o lugar do animal de carga e de montaria. Os jegues, burros e outros animais de estrada, simplesmente restam envelhecendo debaixo dos sombreados.
Muitas casas ainda não possuem energia elétrica. Nas regiões mais distantes, os candeeiros ainda são acesos ao anoitecer. Em situações assim, os pedaços de carne e os toucinhos são salgados e estendidos nos quintais para serem preservados ao sol.


O radinho de pilha ainda é uma companhia cativa a muitos. Os mais envelhecidos não largam seus radinhos de jeito nenhum. Quando avança o entardecer e vai chegando a boca da noite, quando os trabalhos do dia já estão praticamente terminados, então o radinho é logo ouvido pelas varandas ou alpendres.
Ainda que muito sertanejo já esteja utilizando a motocicleta até mesmo para chiqueirar ou levar o gado pela estrada, muitas situações exigem que o animal seja selado e o homem se paramente para os seus ofícios. Ofícios da vaqueirama, da pega-de-boi, da vaqueirama.
Os sertanejos mais velhos não apenas preferem seus costumes como continuam nas suas artes repassadas de gerações. Ainda existem os adivinhos das chuvas, das trovoadas, das secas grandes, dos mistérios da natureza. Basta que olhem para os horizontes, para as folhagens, para o comportamento dos animais, para as primeiras alvas do dia, e já traduzem o futuro.
Também uma gente simples no viver, no sobreviver, no existir, no sonhar. Gosta de farinha seca com qualquer naco de carne assada. Gosta de cuscuz com ovos de galinha de capoeira ou mesmo tripa de porco e bucho. Gosta de café forte, soltando fumaça, oloroso e aromático.
Um povo que busca na terra sua sobrevivência. Se há tempo chuvoso, se há plantação e colheita, sempre será encontrada uma melancia, uma abóbora, uma espiga de milho, um catado de feijão de corda. E o sertanejo aprecia demais o feijão de corda com carne de bode. E tendo ao lado um molho de pimenta.
No demais, é um viver no aió, no embornal, no roló. Um viver de chapéu de couro, de gibão e de perneira. Ainda a enxada, o facão, o enxadeco, o arado puxado por bois, a plantação rudimentar e a colheita com a mão.
Uma prece na saída e na chegada. Um cantil pra levar aguardente ou água fria. Um tanto de cigarro preparado com fumo de rolo. Mesmo que não fume, o bom sertanejo sabe que não deve entrar na mata sem o presente para os encantos das matas. Do contrário, corre o risco de tomar uma surra tão grande de não saber nem voltar.
E o que dizer do convívio e do amor pela lua grande e até pelo sol de cada dia? Ora para chover, se encanta quando o pingo começa a cair, até chega a chorar quando a molhação vai encharcando tudo e a fonte se enche e a esperança renasce.
Assim um viver ainda existente no mundo-sertão. Por mais que os centros urbanos estejam transformados em vida comum, perigosa e violenta, ainda é possível encontrar o mundo da cancela, do curral antigo, do quintal, do bicho pastando, da mulher debulhando seu feijão de corda e o homem limpando por dentro com um tiquinho de casca de pau, aguardente da boa.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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