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quarta-feira, 30 de julho de 2014

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL: UM CLÁSSICO DO CINEMA NOVO LANÇADO HÁ CINQUENTA ANOS


Era 1964 quando o Brasil testemunhou o desabrochar de uma das maiores aventuras cinematográficas de todos os tempos. Em março daquele ano, era lançado, no Rio de Janeiro, o longa-metragem “Deus e o diabo na terra do sol”, do cineasta baiano, Glauber Rocha. O filme, considerado por um jornal da época como “a maior explosão de talento já ocorrida no cinema brasileiro”, foi rodado nas áridas regiões de Monte Santo e Canudos, tendo em seu elenco atores da estirpe de Othon Bastos, Yoná Magalhães, Geraldo D’El Rey e Maurício do Vale.

Naquele momento, o Brasil atravessava uma das fases mais singulares da sua história política. Terminava o governo de Juscelino Kubistchek e começava o governo de João Goulart. A sociedade brasileira, que por cinco anos amargara a política “desenvolvimentista” de JK, agora, com Jango, divisava o surgimento de um novo modelo socioeconômico, cimentado, sobretudo, nas chamadas “Reformas de Base”.

Nesse contexto, “Deus e o diabo na terra do sol” ecoou como uma espécie de “alegoria da esperança”, servindo de combustível a um país que clamava por mudanças urgentes. Um dos motes norteadores do discurso político da época, a reforma agrária, aparece num dos cordéis que compõem a trilha sonora da fita: “A terra é do homem, não é de Deus nem do Diabo”.

O cenário do filme é o nordeste do Brasil, caracterizado, em extremo, pela miséria do seu povo. Nesse ambiente de dor, convivem simultaneamente as figuras do beato e do cangaceiro, ambos no papel de porta-vozes dos pobres e injustiçados. De posse do rosário ou do bacamarte, têm eles as melhores armas contra as velhas estruturas de poder, que, de há muito, submetem a população nordestina ao jugo pesado da fome e da opressão. Não por acaso, tais manifestações de rebeldia acabam sempre reprimidas pelas forças mantenedoras da política do atraso, representadas, na trama, pela figura soturna de Antônio das Mortes, o frio matador de beatos e cangaceiros.

É ao místico ou ao cangaceiro que costumam recorrer os pobres nos momentos de maior dramaticidade, sempre encontrando neles o alento de que necessitam para continuarem subsistindo. O sonho de uma vida melhor, alimentado pelo vaqueiro Manuel, encontra eco no verbo cortante do beato Sebastião, que, rodeado de piedosos devotos, revive o caminho e a profecia de Antônio Conselheiro: “Do outro lado de lá deste Monte Santo existe uma terra onde tudo é verde. Os cavalo comendo as flor e os meninos bebendo leite nas águas do rio. Os homem come o pão feito de pedra, e poeira da terra vira farinha. Tem água e comida. O sertão vai virar mar e o mar virar sertão!”.

Tida como uma das dez obras mais importantes da história da cinematografia, “Deus e o diabo na terra do sol” é, talvez, a maior expressão do chamado Cinema Novo, que teve em Glauber Rocha seu representante mais significativo. Graças a seu rápido e estrondoso sucesso, a película logo transporia as fronteiras nacionais, tornando-se um fenômeno de alcance mundial. Sua participação nos festivais mais relevantes da época denunciou ante o mundo o drama alarmante da fome e chamou a atenção dos detentores do poder para o pouco caso com que, secularmente, foram tratados os segmentos mais pobres do povo, em especial nos países ditos periféricos, com destaque para o continente latino-americano, um dos alvos da política neocolonialista.

O motivo para tamanho sucesso estaria, como pontuou o próprio Glauber, na “trágica originalidade do Cinema Novo”, expressa em “seu alto nível de compromisso com a verdade”. Compromisso este que ele, Glauber, destacará, tempos depois (1965), quando da redação do célebre manifesto “Estética da Fome”, conhecido como a carta magna do Cinema Novo: “Onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes do seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo”.

O monstro do colonialismo, combatido à exaustão pelo cineasta, continua tão vivo quanto antes, aterrorizando povos e nações em todas as partes do planeta. Quando, por exemplo, os Estados Unidos, valendo-se de seu poderosíssimo aparato de inteligência, resolvem invadir a privacidade de cidadãos e instituições de outros países ao redor do mundo, desrespeitando, inclusive, o princípio da soberania inerente às nações, como ocorreu recentemente no Brasil, é a velha e nefanda política colonialista mostrando suas garras maléficas. Fica patente, como observou o próprio Glauber, que “o que diferencia o colonialismo de ontem do atual é apenas a forma mais aprimorada do colonizador”.

Enquanto a fome e a dominação não forem completamente extintas do nosso meio, “Deus e o diabo na terra do sol” e o Cinema Novo haverão de continuar vivos, como um grito de denúncia a ecoar nos quatro cantos do mundo.

José Gonçalves do Nascimento
jotagoncalves_66@yahoo.com.br

Fonte: facebook

Postado por Adryanna Karlla Paiva Pereira Freitas
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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