Antônio
Marrocos de Carvalho – Fonte: Acervo de Antônio Marrocos Anselmo. —
em Brejo
Santo.
Em 1927, Macapá, hoje Jati, era distrito de Jardim, que ainda
englobava Baixio do Couro, hoje Penaforte. Assim, Jardim era um município de
extensa área territorial.
Havia em Macapá um jovem cobrador de impostos da renda estadual,
muito popular, liderança emergente no Município, já incômodo para as velhas
raposas políticas de Jardim: seu nome era Antônio Marrocos de Carvalho.
Antônio
Marrocos e Raimunda Piancó (Mundinha) – Fonte: Acervo de Antônio Marrocos
Anselmo. — em Brejo
Santo.
As circunstancias do assassinato do líder político Antônio
Marrocos de Carvalho caracterizavam, a exemplo de tantas outras ocorrências
funestas, a época sombria do apogeu do coronelismo. A morte comovente desse
cidadão, concomitante à chacina dos homens do Salvaterra e o cerco a Chico
Chicote, mostrava como o regime de dominação dos poderosos sul-cearenses, nos
derradeiros anos da década de 1920, prosseguia desenvolto, alardeando o
prestígio soberbo do bacamarte, que se disparava pelo banditismo político, da
polícia e o banditismo dos homens do cangaço.
Àquele tempo, o mais torvo plano foi concertado entre potentados
do extremo sul cearense e a polícia militar, para a eliminação de vidas
humanas. O desgraçado projeto resultaria, realmente, em várias mortes. E a
polícia militar far-se-ia, marcadamente, responsável por um dos capítulos mais
sombrios da sua crônica e escreveria uma das páginas mais negras da história do
banditismo nos sertões nordestinos.
Os dias eram para o Ceará, principalmente para o Cariri, de perseguições
políticas, insegurança e intranquilidade.
Beato
José Lourenço Gomes da Silva – Fonte:http://cearaemfotos.blogspot.com/2012/09/o-beato-jose-lourenco-e-sociedade-do.html. —
em Brejo
Santo
Antônio Marrocos foi surpreendido, certa noite, pela visita de Lampião, levado
à sua casa por Manuel (Né) Pereira, que exercia cargo de subdelegado daquele
povoado. Como é sabido, Lampião era ligado à família Pereira por forte amizade.
Fiel à tradição sertaneja e por ser parente e amigo de Né
Pereira, Marrocos recebeu a visita com bastante cordialidade.
A partir de então, tendo fracassado em duas emboscadas contra Marrocos, no
caminho entre Macapá e Jardim, os seus adversários políticos denunciaram-no ao
Chefe de Polícia como coiteiro de Lampião, razão pela qual ele passou a ser fortemente
perseguido.
Meses depois, novamente à meia-noite, Né Pereira bateu à porta
de Marrocos. Ao abri-la, verificou a presença de Virgulino. Sem convidá-los a
entrar, Marrocos explicou-lhes o que lhe vinha ocorrendo. A seguir,
dirigindo-se a Lampião, sugeriu-lhe que, embora contasse com sua atenção, não
voltasse a visitá-lo, afim de não confirmar as acusações que lhe estavam sendo
feitas pelos chefes situacionistas de Jardim.
2
Em resposta, Lampião pediu-lhe que telegrafasse ao Chefe de Polícia comunicando
que ele, naquela noite, passava em Macapá com destino ao Cariri. Tal sugestão
foi ratificada na manhã do dia seguinte, quando Marrocos, dirigindo-se a Brejo
dos Santos (atual Brejo Santo), de onde enviaria o despacho, passou pelo grupo
estacionado no local Barra-de-Aço, a 01 km de Macapá.
Apesar de tudo isso, quando o tenente José Bezerra chegou a
Macapá, no rumo de Brejo dos Santos, foi à casa de Antônio Marrocos e
sugeriu-lhe que, para desmentir as acusações de que estava sendo alvo, deveria
unir-se à sua tropa na perseguição ao bando de Virgulino.
Logo de início, alegando de tratar-se de uma calúnia já desmentida, Marrocos
recusou a sugestão. Mas, após prolongada polêmica, para não demonstrar
covardia, ele resolveu incorporar-se à volante. Com isso, no dia 28 de janeiro
de 1927, procedente de Jardim, chegava a Brejo dos Santos uma volante policial
sob o comando do Primeiro-Tenente José Gonçalves Bezerra, com o objetivo –
segundo era comentado e confirmado pelo citado oficial – de perseguir e
combater o grupo de Lampião.
Capitão
José Gonçalves Bezerra – Fonte: Jornal do Cariri, n° 2524, de 06 a 12 de março
de 2012, pág. 05. — em Brejo
Santo.
Reafirmando sua falsa missão de dar cabo ao Rei do Cangaço, o
tenente José Gonçalves Bezerra saiu de Brejo dos Santos na madrugada de
terça-feira, 1° de fevereiro de 1927, comandando uma volante com 70 praças,
como auxiliar o Sargento-Tenente Veríssimo Alves Gondim e como guia e agregado
à tropa, voluntariamente, João Gomes de Lucena, sobrinho de Chico Chicote,
filho do então prefeito de Milagres e ex-prefeito de Brejo dos Santos, coronel
Manoel Inácio de Lucena e sobrinho do então prefeito de Brejo dos Santos, o
coronel Joaquim Inácio de Lucena, conhecido como Quinco Chicote, além de cabras
do coronel Nozinho Cardoso.
Logo após a chacina dos homens do Salvaterra e a fim de não
provocar reação em Guaribas e concluir o plano elaborado para eliminar Antônio
Marrocos, o tenente José Bezerra, antes de lá chegar, manteve longa conversa
com Marrocos, manifestando a certa altura, o desejo de conhecer o mencionado
sítio e travar relações amistosas com seu proprietário. A seguir, referindo-se
à sua missão e expondo razões de ordem tática, pediu-lhe que fizesse um desenho
da casa-grande, das habitações vizinhas e das elevações e depressões do terreno
em seu redor. E para que Marrocos não pusesse em dúvida suas intenções,
afirmou-lhe que deixaria a tropa distante do sítio e somente ele, o tenente
Veríssimo, o sargento Antônio Gouveia (Antônio Pereira de Lima) e o corneteiro
Louro Galo Velho iriam à residência de Chico Chicote, tendo à frente o próprio
Marrocos, a fim de não haver desconfiança e possível reação à sua presença ali.
Amigo de Chico Chicote, de quem havia recebido, uma semana antes, um rifle de
presente, que conduzia a tiracolo, Marrocos traçou a lápis, num pedaço de papel
de embrulho, um ligeiro croqui de Guaribas.
A casa-grande da fazenda Guaribas, município de Porteiras, era
uma verdadeira fortaleza, aboletada numa dobra da Serra do Araripe, ao lado do
povoado Simão, e meio a uma plantação de café, com muitas fruteiras. As paredes
tinham quase meio metro de largura, feitas de tijolos dobrados, com buracos
abertos por todos os lados (chamados “torneiras”), por onde os atiradores
poderiam mirar e fulminar eventuais invasores.
3
Com efeito, pelas 07 horas da manhã, ao aproximar-se do sítio, a tropa fez alto
e Zé Bezerra pôs em execução o que havia planejado com o seu colega Veríssimo
(Esses detalhes foram dados pelo cabo Pedro Alves à viúva de Marrocos, Mundinha
(Raimunda) Piancó, bem como outros pormenores sobre o seu fuzilamento).
Percebida a aproximação do reduzido grupo, umas das mulheres que
faziam colheita de café, naturalmente para esclarecer Chi
- É o Nêgo Marrocos!
Imediatamente, o tenente Veríssimo disparou um tiro de revolver
nas costas de Antônio Marrocos, que tombou de frente, abaixo de um pé-de-café,
atingido no pulmão direito, vindo a falecer três horas depois. Naquele momento
o segundo “acerto” da empreitada seria efetivado (o primeiro acerto foi a
chacina de Antônio Gomes Grangeiro, seu sobrinho João Grangeiro (Louro
Grangeiro) e dois moradores, Aprígio Temóteo de Barros e Raimundo Madeiro
Barros (Mundeiro). Quando foram preparar o sepultamento de Antônio Marrocos,
Mundinha Piancó, viúva de Marrocos estranhou que, embora ele estivesse de
frente com a casa-grande das Guaribas, o tiro que o vitimou entrou pelas
costas.
Confirmando as suspeitas sobre a causa de fuzilamento, o coronel Francisco de
Sá Roriz, a Mundinha, ao visita-la em Macapá, que os situacionistas de Jardim
haviam subornado Veríssimo com Cinco Contos de Réis para eliminar Marrocos.
Para termos uma noção hipotética, 01 Conto de Réis (Mil Mirréis), equivale hoje
a R$ 123.000,00 (cento e vinte e três mil reais).
Mundinha Piancó ficou viúva aos 26 anos e com 06 filhos para
criar. Faleceu aos 92 anos no estado de São Paulo.
A perversidade insana dos velhacos tenentes José Gonçalves Bezerra e Veríssimo
Alves Gondim estremunharam, mais ainda, a aversão popular à polícia. O tempo,
contudo, se encarregaria de revidar, nas pessoas deles, as mortes bárbaras de
Antônio Marrocos, Antônio Grangeiro, Chico Chicote e dos demais que foram
trucidados covardemente na hecatombe do começo de fevereiro de 1927.
Decorrido um decênio, na verdade, aos 10 de maio de 1937, José
Bezerra, já com a patente de Capitão, seria trucidado, no Cariri ou, mais
precisamente no sítio Conceição, próximo às comunidades Mata dos Cavalos e
Curral do Meio, no município de Crato, por ocasião de luta com fanáticos
remanescentes do beato José Lourenço Gomes da Silva, dentre os quais morreram
alguns. A golpes de facões, roçadeiras, foices, cacetes e a tiros de
espingardas e pistolas, tombaram o sanguinário oficial, um filho (1º Sargento
Anacleto Gonçalves Bezerra), um genro e mais dois policiais subalternos. Dentre
os comandados, outros saíram feridos. Mesmo assim, à morte do Capitão seguiu-se
o bombardeio na Serra do Araripe, autorizado pelo Ministro da Guerra, General
Eurico Gaspar Dutra. Entre 700 a 1.000 pessoas foram mortas. E, assim, se
findava um
Um lustro antes do capitão José Bezerra, já havia embarcado seu
comparsa, tenente Veríssimo Alves Gondim.
4
Em Lavras da Mangabeira, metera-se o tenente Veríssimo a afrontar e humilhar o
coronel Raimundo Augusto Lima, filho do coronel Gustavo Augusto Lima e neto de
Fideralina Augusto Lima, destronado pela Revolução de 30. Lá chegara,
inclusive, com ordem de, a todo custo, conduzi-lo, algemado, a Fortaleza. A
vingança, porém, não tardaria muito.
Coronel
Raimundo Augusto Lima – Fonte: http://dimasmacedo.blogspot.com/2013/06/sobre-o-coronel-raimundo-augusto.html. —
em Brejo
Santo.
Com efeito, aos 26 de junho de 1932, o oficial era alvejado, nas costas, pela
arma do coronel, tal como fizera ele próprio a Antônio Marrocos, minutos antes
do Fogo das Guaribas, havia cinco anos. Pôde, ainda, o militar moribundo
balbuciar: “Que homem falso!” Estas palavras doridas, que tão bem se ajustavam
a seu autor, o malogrado tenente Veríssimo, muito antes, poderiam ter sido
articuladas pelo desventurado Marrocos, também, no lance derradeiro.
E quem sabe se as não teriam pronunciado?
Quem sabe?
Bastante comentado, na época, o assassinato do tenente Veríssimo
Alves Gondim. Sob os céus de Lavras da Mangabeira, todavia, nada de novo
acontecera, senão a repetição da história.
Bruno Yacub Sampaio Cabral
A Munganga Promoção Cultural
O Brejo é Isso!
Fontes Bibliográficas:
• Separata da Revista Itaytera, A Tragédia das Guaribas, Otacílio Anselmo e
Silva, Instituto Cultural do Cariri, 1972, págs. 14 e 15;
• Império do Bacamarte, Joaryvar Macedo, 1990, págs. 239 e 247;
• Cariri: Cangaço, Coiteiros e Adjacências, Napoleão Tavares Neves, 2009, pág.
63;
• Lampião: A Raposa das Caatingas, José Bezerra Lima Irmão, 2014, pág. 234;
• Jornal do Cariri, n° 2524, de 06 a 12 de março de 2012, pág. 05;
Fontes Iconográficas:
• Acervo de Antônio Marrocos Anselmo;
• Jornal do Cariri, n° 2524, de 06 a 12 de março de 2012, pág. 05.
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