Por Wilson Martins
"Lampião é também um mito mental, a julgar por haver dominado a imaginação
brasileira mesmo fora do seu território nativo, mas também por haver inspirado
obras de literatura e de grande literatura como muitas das que se encontram
neste volume e que dão ao personagem as dimensões míticas dos heróis.”"
"Assim como Roland é o herói paradigmático das canções de gesta medievais,
Lampião é a sua figura simétrica e correspondente na gesta nordestina do
cangaço. Se o paralelo parecer incongruente ou arbitrário, lembremos o que diz
Santa Rita Durão nos versos do Caramuru, isto é, que o "valente Romano"
e o "sábio Argivo" em nada foram melhores que o "rude
Americano" das florestas: "Nós que zombamos desse Povo insano / Se
bem cavarmos no solar nativo / Dos antigos Heróis dentro ás imagens, / não
acharemos mais, que outros Selvagens".
No caso, a passagem do tempo idealizou as figuras, acrescentando-lhes as lendas e fantasias indispensáveis para torná-las super-humanas: entre Lampião e Napoleão há apenas uma diferença de escala. Acrescente-se a intromissão das ideologias: como cangaceiro, Lampião era um revolucionário de esquerda, militando contra uma sociedade de direita, até que as coisas se tornaram tão claras que até a esquerda institucionalizada percebesse o partido que podia tirar da situação, ajudada pelas circunstâncias: "A palavra ‘cangaço’ só aparece uma única vez ao longo de todo o romance O Cabeleira, de Franklin Távora [...] significando, ‘como o próprio autor afirma na nota ao fim do livro, "complexo de armas que costumam trazer os malfeitores", conceito que, ao tempo de Lampião, já designava o bando e as atividades dos bandidos.
Vieram em seguida as interpretações que Carlos Newton Júnior qualifica de "mais à esquerda": "A visão de Carlos Dias Fernandez e, principalmente, a de Rubem Braga [...] antecipam, portanto, uma interpretação do cangaço mais à esquerda, que começam a proliferar na segunda metade da década de 1940 para se tornar voz corrente a partir da década de 1960, com os estudos ligados ao novo marxismo; estes, por sua vez, funcionaram como contrapeso necessário para o surgimento, nos anos de 1980, de estudos mais abrangentes e mais imparciais, não dogmáticos, mais ricos e cheios de sugestões, mais abertos às múltiplas interpretações da realidade social – estudos dentre os quais se destaca, de modo inegável, a obra do historiador e ensaísta pernambucano Frederico Pernambucano de Mello.
Lampião é também um mito mental, a julgar por haver dominado a imaginação brasileira mesmo fora do seu território nativo, mas também por haver inspirado obras de literatura e de grande literatura como muitas das que se encontram neste volume e que dão ao personagem as dimensões míticas dos heróis. O leitor encontra aqui, diz o autor, "desde poemas escritos por contemporâneos de Virgulino Ferreira da Silva até poemas de uma geração para quem Lampião é um personagem tão histórico quanto Napoleão ou Alexandre, o Grande.
No caso de poetas rigorosamente contemporâneos de Lampião, homens da mesma geração do cangaceiro, podemos imaginar que não era tão simples fechar os olhos para aquilo que se mostrava com tanta evidência, ou seja, a imensa crueldade do facínora, os atos de barbárie perpretados por ele próprio ou seus comandados, tudo aquilo que fez com que Lampião, mesmo na poesia popular, quase sempre figurasse como um cangaceiro mais temido do que propriamente admirado, de modo distinto do que vai ocorrer com outros cangaceiros famosos, a exemplo de um Jesuíno Brilhante ou um Antônio Silvino.
Justificam-se assim poemas como "O rei do cangaço", do pernambucano Jayme Griz, e principalmente "Nordeste de Lampião", do cearense Jáder de Carvalho, poema que narra um ataque de cangaceiros a uma casa de pessoas simples, durante uma festa de casamento, sob o comando de um dos tenentes de Lampião".
Numa introdução por todos os títulos admirável, Carlos Newton Júnior acrescenta o capítulo que faltava na história de literatura brasileira e da nossa crítica. Lampião não morreu, mas vive agora como testemunho de um ciclo civilizatório.
(O Cangaço na Poesia Brasileira. Uma antologia. Sel. e pref. de Carlos Newton Júnior. São Paulo: Escrituras, 2009)."
Pescado em Gazeta do Povo
No caso, a passagem do tempo idealizou as figuras, acrescentando-lhes as lendas e fantasias indispensáveis para torná-las super-humanas: entre Lampião e Napoleão há apenas uma diferença de escala. Acrescente-se a intromissão das ideologias: como cangaceiro, Lampião era um revolucionário de esquerda, militando contra uma sociedade de direita, até que as coisas se tornaram tão claras que até a esquerda institucionalizada percebesse o partido que podia tirar da situação, ajudada pelas circunstâncias: "A palavra ‘cangaço’ só aparece uma única vez ao longo de todo o romance O Cabeleira, de Franklin Távora [...] significando, ‘como o próprio autor afirma na nota ao fim do livro, "complexo de armas que costumam trazer os malfeitores", conceito que, ao tempo de Lampião, já designava o bando e as atividades dos bandidos.
Vieram em seguida as interpretações que Carlos Newton Júnior qualifica de "mais à esquerda": "A visão de Carlos Dias Fernandez e, principalmente, a de Rubem Braga [...] antecipam, portanto, uma interpretação do cangaço mais à esquerda, que começam a proliferar na segunda metade da década de 1940 para se tornar voz corrente a partir da década de 1960, com os estudos ligados ao novo marxismo; estes, por sua vez, funcionaram como contrapeso necessário para o surgimento, nos anos de 1980, de estudos mais abrangentes e mais imparciais, não dogmáticos, mais ricos e cheios de sugestões, mais abertos às múltiplas interpretações da realidade social – estudos dentre os quais se destaca, de modo inegável, a obra do historiador e ensaísta pernambucano Frederico Pernambucano de Mello.
Lampião é também um mito mental, a julgar por haver dominado a imaginação brasileira mesmo fora do seu território nativo, mas também por haver inspirado obras de literatura e de grande literatura como muitas das que se encontram neste volume e que dão ao personagem as dimensões míticas dos heróis. O leitor encontra aqui, diz o autor, "desde poemas escritos por contemporâneos de Virgulino Ferreira da Silva até poemas de uma geração para quem Lampião é um personagem tão histórico quanto Napoleão ou Alexandre, o Grande.
No caso de poetas rigorosamente contemporâneos de Lampião, homens da mesma geração do cangaceiro, podemos imaginar que não era tão simples fechar os olhos para aquilo que se mostrava com tanta evidência, ou seja, a imensa crueldade do facínora, os atos de barbárie perpretados por ele próprio ou seus comandados, tudo aquilo que fez com que Lampião, mesmo na poesia popular, quase sempre figurasse como um cangaceiro mais temido do que propriamente admirado, de modo distinto do que vai ocorrer com outros cangaceiros famosos, a exemplo de um Jesuíno Brilhante ou um Antônio Silvino.
Justificam-se assim poemas como "O rei do cangaço", do pernambucano Jayme Griz, e principalmente "Nordeste de Lampião", do cearense Jáder de Carvalho, poema que narra um ataque de cangaceiros a uma casa de pessoas simples, durante uma festa de casamento, sob o comando de um dos tenentes de Lampião".
Numa introdução por todos os títulos admirável, Carlos Newton Júnior acrescenta o capítulo que faltava na história de literatura brasileira e da nossa crítica. Lampião não morreu, mas vive agora como testemunho de um ciclo civilizatório.
(O Cangaço na Poesia Brasileira. Uma antologia. Sel. e pref. de Carlos Newton Júnior. São Paulo: Escrituras, 2009)."
Pescado em Gazeta do Povo
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