*Rangel Alves da Costa
Se há uma coisa que não pode de jeito nenhum, esta é chupar melancia e depois beber leite. Segundo as crenças antigas e espalhadas sertões adentro, chupar melancia e beber leite é morte certa.
E morte triste demais, pois envenenamento das tripas, desandamento dos intestinos, arroxeamento da pele e entortamento da cara para, em seguida, como se a pessoa tivesse mudado de cor e se revirado inteira, dar um piripaqui sem volta.
Os mais velhos tinham certeza de outras causas e misturas que deveriam ser evitadas a qualquer custa, pois morte certa. Comer jaca mole e beber água é pedir pra morrer. A jaca começa a inchar e o resultado é o estouramento da barriga.
Comer comida quente e sair pro sereno é a mais certeira das mortes. E feia também. O sujeito sente um traspassamento, um reviramundo pelos cantos da boca, os olhos se entortar, para depois a cabeça virar redemoinho e a pessoa desabar já com a pele de terrível cor.
Que primeiro dê adeus à família quem comer de panelada gorda e muita e depois deitar em rede. A morte logo vem balançar. O leite, para muitos, é até chamado de foice da morte, pois não gosta de ser misturado por dentro de jeito nenhum.
Daí que comer manga e tomar leite é congestão na certa, ou seja, estrebuchamento que leva à morte. Mamão com ovo é chamado ao adeus terreno, e quem comer da mistura pode ir preparando o caixão.
Quem tomar cachaça e depois leite é porque não está gostando da vida, eis que tudo vai ficar talhado por dentro. Mas também dizem que nem precisa recorrer a misturas perigosas para encurtar a vida, pois basta chamar pessoa valente de medrosa para tomar nas fuças na mesma hora.
E também emendar as pontas da camisa pra brigar na peixeira. Muito perigoso o marido sair pra feira com saco para colocar as compras e retornar sem o saco e bêbado. A morte pode ser certa por vassourada ou surra de ripa.
Mas a mocinha – aquela mocinha do título acima – já havia tentado de tudo pra sair dessa vida, pois, segunda ela, qualquer morte seria melhor que tanto sofrimento. E tudo por causa de Jureminha, um safado que ficava com toda mulher, menos com a mocinha apaixonada.
Jureminha, feio só a gota serena, e ela uma lindeza em pessoa, ainda assim se via rejeitada pelo desditoso. E foi por causa dele que ela já havia misturado mais de vinte ervas num chá, já havia ficado na frente de um carro-de-bois para ser atropelada, já havia pulado da janela e tomado dez tipos de comprimidos de uma só vez.
Só não sabia que todos os comprimidos já estavam vencidos. Chorava e chorava, até gritava repetindo o nome de Jureminha e dizendo que ia se matar. Mais de dez tentativas, e nada de dar certo.
Até que soube do tiro e queda que seria chupar melancia e beber leite. E conseguiu os dois, melancia bonita, doce, bem avermelhada, e leite de fazenda, gordo, puro. Deixou tudo preparado em cima da penteadeira do quarto, pois depois de ingerir a mistura venenosa deitaria na cama para o adeus final.
Mas antes queria deixar uma cartinha escrita, e assim escreveu: “Jureminha, meu amor, adeus para sempre. Tudo já tentei nessa vida. Tentei viver para amar e tentei morrer por amor. Até agora nada deu certo, nem amar nem morrer. Mas agora vou chupar melancia como se sua boca estivesse beijando e depois vou beber leite, como se estivesse bebendo minha própria lágrima de adeus. E tudo por sua causa. Seu vagabundo, seu raparigueiro, seu desgraçado, seu destruidor de corações e da minha vida. No dia que você morrer e chegar lá no céu, nem olhe pra mim que não lhe quero mais. Vou arranjar um santo bem bonito pra namorar”.
Depois chupou a melancia e bebeu o leite. Mas não morreu. Acordou com sua prima lhe chamando pra dizer que Jureminha havia fugido com a sirigaita da Zuzu Rabão. Com a notícia, a mocinha estrebuchou, revirou os olhos. Só não sei se bateu as botas.
Escritor
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