Por: Rangel Alves da Costa*
SOBRE
DEUSES E SEMIDEUSES
Os tempos são
outros. Presume-se que hoje o homem viva num mundo de liberdade, garantia de
direitos e respeito ao próximo. Contudo, muitos insistem em idealizar – e até
considerar – a vida como um Monte Olimpo, moradia mítica dos poderosos e de
onde os deuses e semideuses comandavam a vida dos reles mortais.
Os deuses
mitológicos, tendo Zeus (e não Deus) como seu representante maior, formavam
como que uma elite do poder. Imortais, donos da vida e da morte. Os seus
subalternos, ou semideuses, lhes deviam obediência e, ao mesmo tempo,
sobrepunham-se em poder aos humanos.
Essa
hierarquia mitológica, onde Zeus, o deus supremo, imperava sobre todos, e
outros deuses possuíam poderes específicos de atuação, bem como os semideuses
que estavam na esfera intermediária, não se diferencia muito da hierarquia da
sociedade atual. O Olimpo está em qualquer lugar onde haja poder.
Hoje, ainda
que de forma imposta ou eletiva, mas com caráter transitório, continuam
existindo deuses e semideuses. Muitos outros se arvoram da condição de
verdadeiros intocáveis. Assim se impõem, não abrem mão de sua glória olímpica,
e reinam sobre os simples humanos como se mitologicamente vivessem.
Ora, quantos
Zeus vivem nos pedestais, de cetros e escudos reluzentes, fazendo valer suas
condições de soberanos de outros deuses, semideuses, intocáveis e homens
comuns? Como sempre indagam os teóricos dos antigos alienígenas,
será que são frutos de raízes desconhecidas ou são pessoas de outro mundo entre
os humanos?
Respondo que
são pessoas iguais às outras que, diante do poder conquistado, do cargo ou
função obtida, da investidura alcançada, se negam a ser iguais. Quer dizer, são
as investiduras, os cargos, as funções e os ofícios que acabam transformando e
corrompendo o ego. E de repente a pessoa já se acha no Olimpo, um deus, um
senhor absoluto dos hierarquicamente inferiores e da sociedade em geral.
Pelas suas
pretensões, e logicamente pelas formas como agem, se comportam, comandam e
decidem, os senhores do Olimpo estão egocentricamente instalados em muitos
lugares. Quanta mitologia renascida nos três poderes, quanto fausto espalhado
nos altos escalões, quando soberba imperando pelos gabinetes da vida.
Parece uma
fúria titânica, um choque de deuses, pois são supremacias demais disputando
espaço de poder, forçando para ver quem manda mais, querendo a todo custo o
mundo a seus pés. Até quem deixou seu posto de comando no pedestal, na grande
cadeira, continua endeusado ou se achando o próprio Zeus.
Diante da
guerra egocêntrica entre tantos deuses, torna-se até difícil reconhecê-los
pelas qualidades, mas apenas pela imposição de poder, pelos autoritarismos
exacerbados, pelos gestos ditatoriais, pelo desfazimento com que tratam os
subalternos. E coitados daqueles que estão no patamar inferior, que são os
cidadãos comuns.
As divindades
reluzem, são facilmente reconhecíveis. Há os deuses de vestes talares, becas e
togas de retinto cetim, de caneta à mão e sentenças baseadas “no livre
convencimento”. Ministros, desembargadores, juízes, promotores e até auxiliares
destes agem, vivem e se comportam como verdadeiros onipotentes.
Há os que são
votados pelo povo para apenas governar ou legislar, mas que aproveitam a
ocasião para se endeusarem também. Como os deuses são praticamente
inacessíveis, vivendo em redomas e cercados por lustrosos labirintos, coitado
daquele simples mortal que deseje avistá-los. Corre o risco de paralisar diante
do olhar da Medusa.
São deuses
contraditórios, contudo. Governante que abomina o governado, e precisamente
aquele que lhe depositou confiança, não merece subir novamente o Olimpo. Mas
talvez seja o estigma egoístico tão próprio dos ingratos que os torna criaturas
voltadas contra o criador. Não sabem, porém, que o seu trono está levantado
pelas mãos dos reles mortais. E basta uma ação e tudo desaba.
Os semideuses
espalham-se pelas chefias, diretorias, presidências de órgãos, cargos os mais
diversos possíveis. Ao serem investidos nas suas funções, a primeira coisa que
fazem é procurar distanciar-se do povo. E agem assim porque se torna mais fácil
não ter de dar explicações das atitudes que tomam em prejuízo da população. Por
isso mesmo que dão a vida para continuar no poder.
Como se vê, é
um mundo de egoísmos, vaidades, autoritarismos, arrogâncias, abusos,
desrespeitos. Pessoas que enxergam os outros com indiferença, que tratam as
pessoas com submissão e prepotência não merecem qualquer respeito pelo ofício
exercido. Será preciso reaprender a ser humano, e humanamente agir, para
cumprir a dádiva de ser o que é.
Ademais, é
inadmissível que pessoas que de tanto saber se arvoram tenham desaprendido
coisas simples demais, assim como humildade, respeito, simplicidade e,
principalmente, dignidade nas relações.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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