Por Junior
Almeida
“Causo”,
segundo o dicionário “é uma história representando fatos verídicos ou não,
contada de forma engraçada, com objetivo lúdico”. Ainda segundo o conceito do
termo, “muitas vezes tais narrativas apresentam-se com rimas, trabalhando assim
a sonoridade das palavras”. Afinal, quem não gosta de um bom causo, de uma
narrativa cheia de exageros, floreados e enfeites, no que a norma culta chama
de “licença poética?” Particularmente gosto muito de ouvir, ler, escrever e
contar causos, tanto, que não tem muito tempo, selecionei alguns textos meus
desse estilo e publiquei um livro contando as histórias e causos da minha terra
Capoeiras. Assim como no lugar que moro, em todo canto tem suas histórias que
valem à pena serem contadas e, quando essas passagens têm como protagonistas
pessoas um pouco mais conhecidas, ou mesmo celebridades, me parece que desperta
um interesse maior nas pessoas.
Assim como eu,
tem muita gente que gosta de saber e repassar essas histórias. Dias atrás, por
exemplo, o amigo Luiz Ferraz, sertanejo de boa cepa, conterrâneo do cangaceiro
Virgulino Ferreira, o Lampião, do polivalente artista Arnoud Rodrigues e do
governador Agamenon Magalhães, contou-nos uma história bem curtinha, mas digna
de registro. A narrativa do nosso “Barão de Carqueja” (chamado assim por alguns
amigos, numa referência à lendária e centenária vila de Nazaré do Pico, que
antigamente chamava-se Carqueja) lhe foi contada pelo conterrâneo Lero do São
Miguel, irmão de Buda, casado com Miralda de Semiano e, tem como protagonista outro
célebre cidadão, também filho da antiga Vila Bela, José Alves de Barros, o Zé
Saturnino (1894-1981), que a História diz ser o primeiro inimigo do Rei do
Cangaço. Segundo Luiz Ferraz, o fato se deu assim:
Em Serra
Talhada existe um imóvel na rua em que está localizada a agência dos Correios,
que era uma espécie de casa do estudante de quem residia em São Miguel,
Pedreiras, Maniçoba, Cipó, Várzea Grande e toda aquela região. Todo jovem dessa
área que queria estudar na cidade ficava nessa casa, que pertencia ao velho
Pinheiro, pai de Francisco Pinheiro de Barros, o vereador Pinheiro (legislatura
2021-2024). Como não poderia deixar de ser, além dos jovens estudantes, seus
familiares de mais idade também usufruíam do famoso ponto de apoio, ficando lá
para as consultas médicas, viagens, e outras necessidades. Um deles era Zé
Saturnino, que no final da década de 1970, já com mais de 80 anos e com alguns
problemas de saúde, foi levado pela família para Serra Talhada para consultas
médicas e exames, ficando hospedado justamente no imóvel citado. Ele, teimoso
como a maioria dos idosos, era “pastorado” pelos familiares, para que não
fizesse extravagâncias, como comer o que não podia, que fumasse, o que estava
terminantemente proibido pelos doutores, ou mesmo que, devido à sua
impaciência, fosse embora para a sua Maniçoba sem que terminasse seu
tratamento.
Ninguém
descuidava dele, pois quando isso acontecia, algumas vezes Zé Saturnino saía da
casa e ia bater perna pelas ruas de Serra Talhada, deixando todos preocupados.
Luisão, Pinheiro e Lero achavam que tinham todo cuidado do mundo no célebre
filho de Saturnino das Pedreiras e Dona Xanda, só que certo dia eles se
descuidaram e o velho saiu rua afora, indo parar no ponto dos carros que faziam
linha para sua região. Prestes a sair, com o motor de sua D-10 já ligado e a
carroceria carregada de mercadorias e passageiros, estava Reinaldo Siqueira, o
Reizinho, casado com Margarida, filha do lendário Coronel Mané Neto, que além
de ser comerciante em Nazaré, fazia fretes para Serra e Floresta. Não deu
outra. Zé Saturnino, que nas lendas de alguns escritores teria sido um
potentado fazendeiro, com centenas de cabeças de gado e um grande
latifundiário, falou com o dono da picape, passou a perna na grade de madeira,
subiu na carroceria do carro e seguiu viagem.
No trajeto de
terra batida da PE 390, com muita poeira, buracos e solavancos, estrada essa,
que no futuro viria ter o nome de Virgulino Ferreira, mesmo com tanta gente na
região que combateu o cangaço, estando, portanto, do lado da legalidade, Zé
Saturnino seguia a desconfortável viagem com uma vontade enorme de fumar o seu
velho cigarro de palha. Tateou o bolso da camisa e da calça, na tentativa
inútil de achar um cigarrinho perdido ou uma pitada de fumo, mas nada. Perguntou
aos que iam com ele na carroceria do carro se alguém tinha cigarro, mas ninguém
tinha, nem fumo de rolo, o que fazia aumentar sua agonia. Para tentar enganar
seu vício, ele apanhou um talinho de capim, que achou no assoalho do carro, o
colocou na boca, movimentando-o de um lado para o outro, como se fosse um boró.
Sua última esperança era que alguém na boléia da D-10 tivesse, mas isso, só
poderia saber quando o veículo parasse. Uma coisa era certa: Reizinho, o
motorista, também era fumante.
Perto da entrada
da Fazenda São Miguel, propriedade imortalizada pela música de Antônio Barros,
Reizinho parou sua D-10, para que o passageiro seguisse para sua casa. O velho
Saturnino parece que se esqueceu da idade e dos problemas de saúde que tinha,
pois deu um pinote tão grande de cima do carro, que parecia mais um gato
fugindo de cachorro. Pense numa agilidade!
-Eita vontade
de fumar da peste! Dizia ele.
Zé Saturnino,
ao descer do carro, foi logo onde o motorista estava, perguntando se ele tinha
cigarro. Reizinho, ainda dentro da boléia da caminhonete, foi se preparando
para descer. Bateu a mão no bolso da camisa, puxando uma carteira de Hollywood
e, numa resposta negativa, mostrou o março quase vazio, com apenas uma unidade
de cigarro.
-Hen hen, Seu
Zé, só tem um. Disse Reizinho, mostrando a carteira, para provar que falava a
verdade.
-Oxe,
Reizinho, e eu nunca fumei de dois?! Disse Zé Saturnino, no mesmo momento em
que deu um bote na mão do motorista, lhe “confiscando” o cigarro.
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