Coronel Delmiro Gouveia
Delmiro Augusto da Cruz Gouveia não foi somente o pioneiro do aproveitamento de Paulo Afonso, foi também o grande precursor na criação da grande indústria na zona das caatingas. Ainda lhe coube a primazia na introdução do automóvel no sertão nordestino. Adquirindo carros europeus, abriu às próprias custas 520 km de estradas de rodagem, ligando a Pedra à cachoeira, aos centros urbanos vizinhos, Água Branca e Mata Grande e as portas de trilhos da "Great Western", na cidade alagoana de Quebrangulo, passando a rodovia por Santana do Ipanema e Palmeira dos Índios, e na cidade pernambucana de Garanhuns, via Santana e Bom Conselho.
Cortando
o planalto sertanejo o rebordo meridional da Borborema, Delmiro Gouveia
construiu 520 km de estradas de rodagem, ligando o núcleo industrial da
Pedra às pontas de trilhos "Great Western", nas cidades de Quebrangulo e
Garanhuns.
A construção
das estradas foi iniciada em 1911, a partir da Pedra. Ainda no primeiro
semestre de 1912, os automóveis do Coronel Delmiro já alcançavam Santana de
Ipanema. As novas estradas continuaram sendo abertas nos sertões alagoano e
pernambucano e tiveram de galgar o rebôrdo meridional da Borborema, através das
serras do Muro e de São Pedro, para atingir a região do agreste, onde
localizavam os terminais ferroviários.
Duas turmas de
trabalhadores mantinham estas primeiras rodovias sertanejas em bom estado de
conservação, de modo que foi deslizando sobre elas que os caminhões
"Ford" e os automóveis "Chevrolet", alguns anos mais tarde,
ganharam o caminho do sertão alagoano, enquanto muitas outras regiões do país
continuavam dependendo do carro de bois e do lombo de animais.
Delmiro
Gouveia, aos vinte e poucos anos de idade, já casado com Anunciada Cândida de Melo Falcão, apelidada familiarmente de Iaiá.
Um elegante
"Fiat", um "Austin" grande e outro pequeno e um imenso
"N.A.G." obedeciam docilmente a uns mágicos chamados "Seu"
Cruz, João de Deus, Euclides ou Luís Maranhão, Zé Pó e Campina. "Seu"
Cruz era um gênio, sabia até afinar piano. E da Pedra até Garanhuns, o povo
conhecia cada um dos automóveis, pelo som da buzina. Lá em Santana do Ipanema,
Antônio Bocão nunca se enganou: o carro fonfonava na grande curva do rio, a
meia légua da cidade. Daí a pouco o automóvel parava na frente do sobrado do
Coronel Manoel Rodrigues: era Delmiro, Iona, Adolfo Santos, Borella, Ferrário
ou o médico da Pedra, de passagem para Quebrangulo ou Garanhuns.
Enquanto o
hospede jantava lá em cima, o chauffeur se desdobrava em complicados serviços:
colocava óleo e gasolina, bulia numa pequena bomba misteriosa e preparava os
faróis de acetileno para viajar durante a noite. Era preciso chegar na estação,
antes do trem partir. E o carro puxava 60 km por hora.
Com as
rodovias de acesso à cachoeira de Paulo Afonso, começaram as excursões. Em fins
de julho de 1915, o então Ministro da Agricultura, Dr. José Bezerra, em
companhia do Governador de Alagoas, Dr. João Batista Acióli, do Deputado
Federal Pernambucano, Dr. Manoel Borba, do Escritor Bastos Tigre, Secretário do
Ministro e dos engenheiros Eugênio Gudin, Jungsted e Butler, foi visitar a
cachoeira. Os excursionistas fizeram a viagem de Quebrangulo a Pedra, em três
automóveis, durante sete horas, percorrendo 300 km, a tardinha e na noite de 28
de julho. Na manhã seguinte, visitaram a fábrica de linhas e a usina
hidrelétrica.
A
jovem e bela Iaiá (Anunciada Falcão Gouveia), esposa de Delmiro, numa pose para o fotógrafo Barza, na penúltima década do século passado.
O Ministro da
Agricultura e sua comitiva retornaram a Maceió no dia 30. E o "Diário de
Pernambuco" de 2 de agosto já publicava uma entrevista do Escritor Bastos
Tigre, que descreveu a excursão e se mostrou encantado com a bela iniciativa do
Coronel Delmiro Gouveia, o primeiro industrial brasileiro a conquistar para a
indústria uma parcela desse formidável tesouro que a natureza guardava ali.
Nos meados de
1916, Manoel Borba, na qualidade de Governador de Pernambuco, foi inaugurar,
oficialmente os trechos da rodovia de Delmiro Gouveia, no território de
Pernambuco. A comitiva foi de trem até Garanhuns, no dia 22 de agosto, e dela
faziam parte o próprio Coronel Delmiro Gouveia e seu amigo de Santana de
Ipanema, o Coronel Manoel Rodrigues da Rocha. Às 13 horas, os excursionistas
deixaram Garanhuns ocupando quatro automóveis. Às 9 da noite, chegaram a
Santana do Ipanema, jantando no sobrado do Coronel Manoel Rodrigues.
Em
uma das suas viagens aos Estados Unidos da América do Norte, Delmiro Gouveia visitou as cataratas do Niágara e ali posou para um fotógrafo. (Da coleção do Sr. José Augusto de Farias).
Ao que consta
da minuciosa reportagem do historiador Mário Melo do "Diário de
Pernambuco" de 28 de agosto, o Governador Manoel Borba e sua comitiva,
depois de ligeiro descanso na confortável vivenda, de ouvido o funcionamento de
um colossal miraphone, recomeçaram a viagem, saindo lá de Santana às 10 horas
da noite e chegando ao centro "agro-fabril-mercantil" da Pedra às 2
da madrugada do dia 23. A fadiga era geral e a ordem foi dormir, apenas 4
horas, porque às 6 a voz possante do adiantado industrial acordava os
excursionistas.
Já
funcionavam, então, na primeira vila operária sertaneja, quatro escolas,
serviço médico, cinema e banda de música. A fábrica trabalhava de segunda-feira
ao sábado, em três turnos de 8 horas.
O Governador
Manoel Borba e sua comitiva percorreram a fábrica, visitaram a usina
hidrelétrica, assistiram a uma sessão de cinema e ainda foram homenageados com
uma retreta. No dia 24 de agosto, às 5 horas da tarde, deixaram a Pedra,
pernoitando em Santana, onde foram hospedados pelo Coronel Manoel Rodrigues. Na
sexta-feira, 25, viajaram para Garanhuns de onde saíram de trem para o Recife,
às 10 horas da noite.
Na referida
reportagem de 28 de agosto, o "Diário de Pernambuco" informou,
textualmente: "A estrada que S. Excia. inaugurou tem 246 km, dos quais 115
em território pernambucano, ligando Garanhuns a Bom Conselho e estas
localidades a Quebrângulo, Santana do Ipanema e Pedra, em Alagoas.
O Historiador
Oliveira Lima e os Jornalistas Plínio Cavalcanti e Assis Chateaubriand também
visitaram a Pedra, no tempo de Delmiro Gouveia. Ficaram impressionados com o
surto civilizador que ali encontraram.
Aquele famoso
intelectual, que conhecia o mundo inteiro: ficou admirado com a obra de Delmiro
Gouveia: "Nunca supus, e com dificuldade o acreditaria se o não tivesse
visto, que no alto sertão se encontrasse o que debalde de procuraria na zona
açucareira ou mesmo nas capitais destes estados, num resultado devido
simplesmente, um simplesmente que é tudo ao empenho de um homem pôs em
construir um edifício moral da solidez e do brilho do que me foi dado
admirar".
O Jornalista
Plínio Cavalcanti descobriu na Pedra uma verdadeira Canaã sertaneja, "tão
branca e limpa, que a primeira vista julguei-a um grande algodoal de capulhos
alvejantes". E Assis Chateaubriand percebeu na obra admirável de Delmiro
Gouveia uma resposta magistral a "Canudos", com a substituição do
fanatismo e do banditismo pela moderna civilização industrial, baseada na
ciência e na técnica.
Menos de dois
anos após o desaparecimento do criador desta imensa obra, foram conhece-la Dom
Sebastião Leme, Arcebispo de Olinda e Recife e Dom Duarte Leopoldo, Arcebispo
da Capital paulista. Dom Duarte e Dom Leme, acompanhados pelo Dr. Tarcilo
Leopoldo e pelo Cônego Benígno Lira, partiram do Recife em 25 de setembro de
1919, pernoitando em Garanhuns. No dia seguinte, viajando de automóvel,
chegaram a Pedra, às 8 horas da noite. No sábado, 27 de setembro, visitaram a
cachoeira de Paulo Afonso e a fábrica de linhas. A noite em majestosa
solenidade litúrgica, o Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo, sagrou a igreja
de Nossa Senhora do Rosário, primeiro templo construído no centro industrial
das caatingas.
Regressando ao
Recife, Dom Duarte concedeu longa entrevista ao "Diário de
Pernambuco" de 1º de outubro, em que se podem ler palavras de grande
entusiasmo: "Venho positivamente maravilhado. Se em minha vinda ao Norte
só me fosse ver Paulo Afonso, digo-lhe com franqueza que Paulo Afonso pagava a
viagem. Tive ocasião de ver como é possível desenvolver a civilização e vi a
própria civilização em pleno coração sertanejo".
Outra
importante visita feita à Pedra foi do inglês Arno S. Pearse, Secretário Geral
da International Federation of Master Cotton Spinners and Manufacturers
Associations, durante os meados de 1921.
Com a sua
reconhecida autoridade no assunto, Mister Pearse, no documentado relatório das
observações que fez no Brasil, diz que a Fábrica da Pedra merece especial
referência, devido ao extraordinário trabalho e empreendimentos pioneiros, que
foram exigidos na sua instalação, trabalho inteiramente iniciado e concluído
por um brasileiro, o cearense Delmiro Gouveia.
Depois de
elogiar a vila operária e a disciplina reinante no centro industrial, Mr.
Pearse escreve: "Os operários são bem comportados, bem vestidos e limpos.
Quando vão para o trabalho, estão mais bem trajados do que o operário de
fábrica europeu médio em dia de domingo".
O Coronel
Delmiro Gouveia foi assassinado em 10 de outubro de 1917, em seu chalé na
Pedra.
Fonte: Livro
"Delmiro Gouveia o pioneiro de Paulo Afonso", de Tadeu Rocha - junho
de 1963 - 2ª edição.
http://www.anchietagueiros.com/2016/08/ha-cem-anos-dava-entrada-em-garanhuns-o.html
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