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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

ROSTAND MEDEIROS

Marcos de religiosidade no caminho deLampião no Rio Grande do Norte


Em 2010, em alternadas viagens,  estive percorrendo pela primeira os cenários da passagem do bando de Lampião no oeste potiguar, fato que ocorreu entre os dias 10 e 14 de junho de 1927. 
Segui principalmente por áreas rurais desde a cidade de Luís Gomes, tendo como ponto focal Mossoró e finalizando em Baraúna. Percorri esse caminho originalmente palmilhado por estes cangaceiros como parte de uma consultoria que prestei ao SEBRAE, no âmbito do projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião. Parte desse trajeto, que também focava em questões da espeleologia da região, percorri junto com Sólon Almeida.

Para traçar essa rota, além das obras escritas sobre a história da passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande de Norte, fiz uso de materiais históricos existentes nos arquivos do Rio Grande do Norte, Paraíba e de Pernambuco e a bibliografia existente, com destaque ao livro do amigo Sérgio Augusto de Souza Dantas, autor de Lampião e a grande Jornada – A história da grande jornada.
Foram percorridos muitos quilômetros, onde visitamos vários sítios, fazendas, comunidades e cidades. Foram entrevistadas 123 pessoas e obtidas mais de 2.000 fotos. Em grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais eficiente para se alcançar estes distantes locais.

Um dos fatos mais interessantes foi o surgimento de marcos de religiosidades ligados aqueles dias tumultuosos de 1927.

Cruzeiros marcando locais de acontecimentos intensos, capelas edificadas como promessas pela salvação de pessoas ante a passagem dos cangaceiros, o caso da utilização de uma igreja por parte dos cangaceiros. Além desses fatos temos a controversa situação envolvendo o túmulo do cangaceiro Jararaca na cidade de Mossoró.

Ao longo dos anos eu tive a grata oportunidade de realizar esse caminho em quatro outras ocasiões, sendo o mais importante em 2015, para a realização de um documentário de longa metragem denominado Chapéu Estrelado, dirigido pelo mineiro radicado no Rio de Janeiro Silvio Coutinho e produção executiva de Iapery Araújo.

Esses foram os locais mais interessantes ligados a esse tema e seus respectivos municípios. 

MARCELINO VIEIRA 

A área próxima à sede do atual município de Marcelino Vieira é repleta de lembranças e marcos que mantém vivo na memória da população local os fatos ocorridos naquela longínqua sexta-feira, 10 de junho de 1927. 

Cruz em homenagem ao soldado Matos.
Sítio Caiçara e a “Missa do Soldado” – Nesse local ocorreu um combate onde morreram o soldado José Monteiro de Matos e o cangaceiro Patrício de Souza, o Azulão.

Percebemos nitidamente que para as pessoas que habitam a região, os fatos mais marcantes em termos de memória estão relacionados ao combate conhecido como “Fogo da Caiçara” e a valente postura do soldado José Monteiro de Matos. Não foi surpresa que membros da comunidade local, no dia 10 de junho de 1928, apenas um ano após o combate na região da Caiçara, decidissem realizar, uma missa em honra a memória do valente militar.

Igrejinha onde é rezada a “Missa do Soldado”.
Segundo pessoas da comunidade do Junco, as margens do açude da Caiçara, de forma espontânea e apoiadas pelas lideranças locais, os mais antigos moradores deram início a um ato religioso. No começo ele ocorria no mesmo ponto onde se desenrolou o combate. Segundo pessoas entrevistadas na região, o evento sempre atraiu um número considerável de pessoas, passando a ser conhecida como “A Missa do soldado”. Com o passar do tempo à missa transformando-se em uma das mais importantes tradições religiosas de Marcelino Vieira.

ANTÔNIO MARTINS – ZONA RURAL 

Fazenda Caricé – a fazenda Caricé estava no roteiro de destruição dos cangaceiros. Caminho lógico para quem seguia em direção norte, no caminho a Mossoró, a fazenda pertencia ao pecuarista Marcelino Vieira da Costa. Este era um paraibano que prosperou com a criação de gado e tornou-se tradicional líder político. Faleceu em dezembro de 1938 e seu nome batiza atualmente a cidade onde decidiu viver.

Capela em honra a Jesus, Maria e José, no sítio Caricé, erguida como promessa pela salvação da família do Coronel Marcelino Vieira das garras do bando de cangaceiros de Lampião
Ao saber da aproximação do bando do cangaceiro Lampião, o fazendeiro Marcelino Vieira decidiu dormir em uma área onde existia um canavial, próximo ao açude da fazenda. A chegada do grupo, insuflados por supostas contas a acertar do temível cangaceiro Massilon Leite com a família Vieira, produziu um saque que resultou em um prejuízo no valor de um conto e duzentos mil réis. Os celerados deixaram o lugar antes do meio-dia.

Da velha sede da fazenda Caricé nada mais resta, mas por lá encontramos uma pequena capela. 

Interior da capelinha.
Quando a família Vieira e seus empregados estavam no canavial, em dado momento alguns cangaceiros chegaram a se aproximar do esconderijo. Diante do que poderia acontecer, com muito medo, a filha do fazendeiro, rogou intensamente aos céus que os bandoleiros se afastassem.

Vista noturna da capela do Caricé.
Caso isto se concretizasse, ela e sua família tratariam de erguer uma ermida em honra ao poder de Jesus, Maria e José. Pouco tempo as imagens foram adquiridas ainda em 1927, tendo sido trazidas da Bahia e que a primeira missa rezada no local foi verdadeiramente suntuosa.  O templo já apresenta sinais de abandono, com algumas telhas caindo, mas a estrutura ainda se mantém em grande parte firme.

Serra da Veneza.
Capelinha da Serra da Veneza – Uma interessante situação relativa à memória da passagem do bando nessa região ocorreu na região da Serra da Veneza, na fronteira de Antônio Martins com o vizinho município de Pilões. Nessa elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado pela passagem do bando. 

Quando Lampião e seu bando se aproximavam, em meio às terríveis notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas da base desta elevação. Essas famílias solicitaram junto ao mesmo santo, São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros. E o mais interessante, mesmo sem se combinarem, as três famílias elegeram a mesma penitência; caso nada de negativo ocorresse a eles e as suas famílias, cada um deles teria de galgar a Serra da Veneza, erguer um oratório e ali depositar uma imagem em honra ao santo.

Capelinha da Serra da Veneza.
Lampião passou sem acontecer problemas a essas pessoas. Logo os fazendeiros e seus familiares foram a Vila de Boa Esperança, como muitos moradores da região, para agradecer na capela de Santo Antônio pelo fato de nada de pior haver ocorrido. Nesse local as três famílias se encontraram e ao debaterem sobre os fatos vividos, para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas ideias e os mesmos pensamentos de penitência. Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza para unidos edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas coincidências chamaram a atenção das pessoas na região e logo outros penitentes subiam a serra para pagar promessas. Em pouco tempo teve início uma procissão e não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o passar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros municípios. Em 1948, vinte e um anos após a passagem do bando e do pretenso milagre, treze famílias deram início a construção da atual capela, em meio a uma intensa confraternização. 

A cada dia 20 de janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios vêm participar subindo a serra.

ANTÔNIO MARTINS- ZONA URBANA

Cangaceiros na Capela de Santo Antônio – O período da chegada dos cangaceiros, no dia 11 de junho de 1927, na então pequena comunidade de Boa Esperança, atual Antônio Martins, coincidiu com as celebrações da festa de Santo Antônio, o padroeiro local. De certa maneira essa situação de comemoração e alegria do povo, serviram para a rápida ocupação do lugarejo e a sua total capitulação diante da cavalaria de cangaceiros.
A capela de Santo Antônio era o principal local em Boa Esperança para realização dos festejos relativos ao padroeiro local. Nessa festa é tradicional a realização das chamadas “trezenas”, onde durante treze dias anteriores ao dia 13 de junho, a data consagrada a Santo Antônio, ininterruptamente são realizadas missas, orações de grupos de pessoas com terços nas mãos, cantos de benditos, encontros e outras participações da comunidade neste templo cristão. Quando o bando chegou, haviam algumas pessoas reunidas no local e um grupo de cangaceiros, visivelmente embriagados, proibiu a saída dos fiéis do local. Essas pessoas assistiram horrorizadas de dentro da capela o suplício de um habitante local, o jovem Vicente Lira, que apunhalado e sangrando abundantemente, era obrigado a engolir talagadas de cachaça. Mesmo em meio a essa cena de terror, diante da igreja aberta e engalanada, soubemos que alguns cangaceiros adentraram o local, se ajoelharam, se benzeram e saíram sem perturbar os atônitos presentes. Na saída soltaram Vicente Lira.

Durante todo nosso percurso, esta foi a única informação de que alguns cangaceiros do bando de Lampião, teriam adentrado um templo religioso católico em todo Rio Grande do Norte.

LUCRÉCIA 

Fazenda Castelo.
Capela da Fazenda Castelo – Após a saída de Frutuosos Gomes, na zona urbana do município de Lucrécia, as margens da RN-072, soubemos que o bando realizou a invasão da fazenda Castelo, propriedade tida como a mais importante da antiga localidade. No terreno ao lado da sede da fazenda Castelo se encontra uma bem preservada capelinha dedicada a Nossa Senhora da Guia. Entretanto, ao buscarmos contato com as pessoas mais idosas em busca da história da capela, não foi possível um esclarecimento mais exato sobre quem a construiu e se essa construção tem alguma relação com a passagem do bando de Lampião, como no caso da ermida da fazenda Caricé. Houve pessoas que indicaram que a construção foi consequência de uma promessa pela salvação dos proprietários locais junto a passagem dos cangaceiros, outros indicaram que ela seria anterior a 1927 e outros apontaram que ela seria posterior a essa data.  

Capela da fazenda Castelo, Lucrécia, Rio Grande do Norte.
Foi perceptível a necessidade de ampliar as pesquisas sobre o local.

A Cruz dos Canelas – Depois de passarem por Lucrécia, os cangaceiros atacaram uma propriedade rural e sequestraram um fazendeiro bastante conhecido e querido na região. A notícia se espalhou entre vários parentes e amigos e logo um grupo decide com extrema coragem sair em busca do povoado de Gavião, atual cidade de Umarizal, onde pudessem levantar a quantia estipulada por Lampião para soltar o popular fazendeiro.

Sítio Serrota dos Leites, de onde foi sequestrado o fazendeiro Egídio Dias.
O grupo era pequeno, com um número que aparentemente chega a quatorze e só quatro deles, membros de uma família conhecido como “Canelas”, eram os únicos que os pesquisadores do assunto apontam como possuidores de armas de fogo com alguma potência. Esse grupo conhecia os caminhos e provavelmente confiaram no fato de ser período de lua cheia. Onde essa condição facilitaria o trajeto. 

Enquanto se desenrolava esta situação, na região do sítio Caboré, cansados pelo deslocamento, esgotado pelas ações e pelo consumo de bebidas, o bando de cangaceiros decidiu descansar nas terras do Caboré. Por volta das três da manhã o grupo de amigos chegou ao Caboré em busca de informações. Não sabiam que um cangaceiro, facilitado pelo luar, vigiava os movimentos do grupo. No local conhecido como “Serrote da Jurema” foi armada uma emboscada pelo bando de experientes combatentes. Logo abriram fogo contra a incipiente tropa e três deles tombaram e o resto fugiu em franca debandada. Segundo os laudos cadavéricos a vingança do bando de Lampião nos corpos dos amigos do fazendeiro sequestrado foi terrível. 

Cruz dos Três Heróis, ou Cruz dos Canelas.
Apesar de todo empenho em buscar ajudar o amigo detido, o que o grupo de resgate não sabia era que a sua ação era totalmente inútil. Algum tempo antes, no bivaque armado pelos bandidos, em meio ao cansaço generalizado da tropa de Lampião, o sequestrado conseguiu fugir para o meio do mato.

Atualmente, as margens da rodovia estadual RN-072, na comunidade Caboré, se encontra uma cruz conhecido como “A cruz dos três heróis”, aonde o povo de Lucrécia e da região vêm homenagear àqueles que agora são conhecidos apenas como “Os Canelas”, ou os “Heróis de Caboré”. No local muitos rezam e pagam promessas e acendem velas em honra desses homens.

MOSSORÓ 

Caso da Igreja de São Vicente de Paula e a questão do túmulo do Cangaceiro Jararaca.
A notícia de que Lampião avançava na direção de Mossoró chegou aos ouvidos dos moradores de Mossoró em abril de 1927. À época, a Capital do Oeste Potiguar, como seus habitantes ainda gostam de intitulá-la, já era um dos municípios mais importantes do interior nordestino. Com 20 mil habitantes, localizada no meio do caminho entre duas capitais – Natal e Fortaleza –, em nada se assemelhava às pequenas cidades onde Lampião e seu bando atacava e saqueava o comércio.


Igreja de São Vicente de Paula, em Mossoró.
No dia 13 de junho de  1927, após dizer não a Lampião, que cobrou 400 contos de reis (em moeda da época 400  milhões de reis – atualmente uns 20 milhões de reais) para não invadir a cidade, começava um tiroteio entre moradores da cidade e os cangaceiros. A igreja de São Vicente de Paula foi o local principal da resistência. Lampião costumava dizer que “cidade com mais de uma torre de igreja não é lugar para cangaceiro”. Não se tratava de superstição, mas de raciocínio lógico – municípios com tal característica eram maiores e, portanto, mais difíceis de dominar. Os ocupantes das trincheiras no alto da Igreja de São Vicente e da casa do intendente tinham visão privilegiada do avanço das tropas. Tão logo o grupo surgiu no horizonte, iniciaram-se os disparos. Os cangaceiros, acostumados a desfilar nos povoados sem serem incomodados, foram surpreendidos.

Findando com a expulsão dos cangaceiros, a morte de alguns deles e a prisão do temível José Leite de Santana, vulgo Jararaca, enterrado vivo no cemitério da cidade, após cavar sua própria cova. 

Túmulo do cangaceiro Jararaca.
A Jararaca é atribuída todas as crueldades. A mais famosa consistia em arremessar crianças para o alto e apará-las com a ponta do punhal. Trespassados pela lâmina, garotinhos leves o bastante para serem lançados na direção do sol morriam lenta e dolorosamente, em meio aos gritos dos pais – e às gargalhadas do cangaceiro.

O interessante é que hoje é visto como santo pelo povo, devido a crueldade com que foi morto. Recebendo o seu túmulo visita de milhares de pessoas em dias de finado e ao longo de todo ano. Na verdade mais prestigiado que o túmulo de muitos políticos famosos da cidade, enterrados no mesmo cemitério e esquecidos de todos. Mostrando que nem sempre o séquito que em vida rodeia os poderosos permanece uma vez morto. Ironicamente ao contrário do cangaceiro.

Túmulo de Rodolfo Fernandes.
O famoso chefe cangaceiro deveria ter pensado duas vezes antes de tentar invadir e ser expulso de forma humilhante, assim historicamente a cidade ligou seu nome ao famoso personagem Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Anualmente, em frente  à igreja que funcionou como trincheira é encenada um musical chamado: Chuva de bala no país de Mossoró, que remonta todo o fato histórico e mantém viva a memória.

Os heróis da resistência de Mossoró, de toda forma foram bravos sim!

Mas por que o santificado é um cangaceiro e não um dos resistentes? 
Por  que não santificaram o prefeito de Mossoró que liderou a resistência?  Por que as fotos dos heróis da resistência são tão pequenas e a dos cangaceiros estão expostos em painéis enormes? Parece até que o povo de Mossoró não se identificou muito com os heróis da resistência!

Memorial da Resistência.
A história por trás do túmulo de Jararaca se confunde muito com o misticismo, com a conduta cultural de um povo. Jararaca apenas foi consagrado, por conta de sua bravura. O povo sempre busca o menor para enaltecê-lo. É perceptível essa situação no próprio cemitério, quando o túmulo de Rodolfo Fernandes não recebe o mesmo número de visitas correspondentes ao túmulo onde está Jararaca.

Fonte sobre o túmulo de Jararaca – Valdecy Alves, “MOSSORÓ EXPULSOU O BANDO DE LAMPIÃO A BALA – DISSE NÃO À EXTORSÃO DO CANGACEIRO – UM GRANDE FATO NA HISTÓRIA DO NORDESTE – FATOS E FOTOS!” – http://valdecyalves.blogspot.com/2011/12/mossoro-expulsou-o-bando-de-lampiao.html


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LIVRO “O SERTÃO ANÁRQUICO DE LAMPIÃO”, DE LUIZ SERRA


Sobre o escritor

Licenciado em Letras e Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduado em Linguagem Psicopedagógica na Educação pela Cândido Mendes do Rio de Janeiro, professor do Instituto de Português Aplicado do Distrito Federal e assessor de revisão de textos em órgão da Força Aérea Brasileira (Cenipa), do Ministério da Defesa, Luiz Serra é militar da reserva. Como colaborador, escreveu artigos para o jornal Correio Braziliense.

Serviço – “O Sertão Anárquico de Lampião” de Luiz Serra, Outubro Edições, 385 páginas, Brasil, 2016.

O livro está sendo comercializado em diversos pontos de Brasília, e na Paraíba, com professor Francisco Pereira Lima.

franpelima@bol.com.br

Já os envios para outros Estados, está sendo coordenado por Manoela e Janaína,pelo e-mail: 


Coordenação literária: Assessoria de imprensa: Leidiane Silveira – (61) 98212-9563 


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CHICO PEREIRA" - O CANGACEIRO

Por Ivanildo Alves Silveira

Vingança no Sertão – Código de honra

O sertão nordestino sempre teve seus códigos de honra. Quando alguém ousava quebrar tais códigos, estaria assinando uma sentença de morte.

Sabemos que o sertanejo é homem forte e destemido, enfrentando as intempéries da seca, além de outras adversidades, mas capaz de superá-las, com coragem e altivez. O sertão é misterioso, implacável e não perdoa os erros ou quebra da palavra empenhada, que significa dizer: código principal da honra sertaneja.



O que aconteceu com Chico Pereira não poderia jamais ter sido diferente, mesmo tendo prometido ao pai moribundo, não participar ou promover qualquer tipo de vingança. Vingança aconteceu. E a história já fez o seu julgamento.

Vejamos, através da narração dos fatos, como tudo aconteceu.

O coronel João Pereira, morava na cidade de Nazarezinho, outrora distrito de Souza/PB, era casado com Dona Maria Egilda, proprietário da fazenda Jacu, possuía um barracão em Nazarezinho e tinha sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres.

Uma noite, João Pereira, já prestes a fechar seu estabelecimento, viu entrarem três homens
armados. Ao atendê-los, o coronel chamou a atenção deles sobre o uso de armas, quando na época havia uma proibição municipal que não permitia pessoas andarem armadas. Isso foi o suficiente para início de uma discussão seguida de tiroteio e facadas, pancadarias e gritaria, resultando em alguns mortos e outros feridos, inclusive o coronel João Pereira, o qual foi levado para sua casa na fazenda Jacu, distante cerca de cinco quilômetros.

Em consequência dos ferimentos graves, o coronel veio a falecer diante de sua família, suplicando aos filhos para que não se vingassem. "Vingança, NÃO." foram suas últimas palavras.

Há revolta do povo que não se conformava com a morte do coronel e pedia justiça, uma vez que a polícia apresentava nenhum interesse em prender o foragido Zé Dias, envolvido na chacina e protegido pelas autoridades locais.

Chico Pereira, o filho mais velho do coronel, com apenas vinte e dois anos de idade, se viu impelido pela comunidade a fazer justiça. Pressionado, sai à procura de Zé Dias que se refugiara nas serras da região. Chico Pereira encontra-o, prende-o e o leva à delegacia, sendo ovacionado pelo povo que queria ver Zé Dias preso.

Após alguns dias, o criminoso já se encontrava solto. A população revolta-se e passa a exigir vingança por parte do filho mais velho do coronel. Este, sem outra opção, se vê obrigado a não cumprir o pedido do pai moribundo e parte para a Vingança, como era costume na época, exigência da lei de honra, familiar do sertão. Depois de alguns dias, o criminoso é encontrado morto. Maria Egilda, finalmente ouve do filho a declaração que mais temia: "Mamãe, fizeram-me criminoso':

E foge, passando a viver clandestinamente nas matas da região. Para enfrentar a polícia e não ser preso cria um bando de cangaceiros.

Chico Pereira começa então sua saga que dura mais de seis anos, ora fugindo da polícia, ora comandando o bando. Mesmo diante de tantos problemas e da vida tumultuada, sua noiva, Jardelina, jovem adolescente de doze anos de idade, quando noivara, não hesitou em se casar com ele, aos quatorze, em cerimônia realizada por procuração. Foi esta a única saída possível e que lhe possibilitou ser pai de três filhos, os quais não chegaram a conhecê-lo, pois Jarda, como era conhecida, já estava viúva com apenas dezessete anos de idade.

Absolvido em júri popular, na Paraíba, Chico Pereira foi acusado de um crime que não cometeu no Rio Grande do Norte, onde nunca estivera. Apesar de contar com a proteção do Presidente do Estado da Paraíba, através de um irmão deste, foi levado para aquele estado e entregue à justiça potiguar.

Tempos depois, foi Chico Pereira transferido do presídio de Natal/RN para o interior do estado. Os policiais potiguares, devidamente instruídos, forjaram um capotamento do carro, massacraram-no e o matam sem a menor chance de defesa. Estava Chico Pereira com vinte e oito anos de idade. Sua mãe, dona Maria Egilda, nem sequer teve a sorte de enterrar o seu filho, pois preferiu seguir a orientação do advogado da família, Doutor João Café Filho ( futuro presidente do Brasil), que recomendou para ninguém da família pisar em terras do Estado vizinho sob pena de ser morta.

A tragédia continua com o assassinato inesperado e brutal de Aproniano, e a prematura morte de Abdon, que estuda medicina no Rio de Janeiro. Este, acometido de tuberculose, veio a falecer nos braços de sua mãe, na fazenda Jacu.

Vida longa teve o único sobrevivente, Abdias, que veio a falecer recentemente, no dia 28 de julho de 2004, com cento e três anos de idade. Dos três filhos de Chico Pereira, Raimundo formou-se engenheiro, no Recife; Francisco ordenou-se padre em Roma e o terceiro, Dagmar, é frade franciscano com nome de Frei Albano.

Chico Pereira foi um dos homens mais destemido do sertão paraibano, que levado pelas circunstâncias da época, fez "justiça" com as próprias mãos e tornou-se cangaceiro.

FONTES DE PESQUISA:
01- Vingança, Não - Autor: F. Pereira Nobrega (Filho de Chico Pereira);
02- A Vingança de Chico Pereira - Autor: João Dantas

Um abraço, obrigado pela leitura, e poste seus comentários, logo abaixo.
Ivanildo Silveira
Natal RN 


http://lampiaoaceso.blogspot.com/2009/10/vinganca-de-chico-pereira-o-cangaceiro.html

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BEBEDOURO/MANIÇOBA

Clerisvaldo B. Chagas, 31 de Julho de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.154

ENTREVISTA Á TV GAZETA NO RIO IPANEMA. (FOTO/ARQUIVO B. CHAGAS).
     Citado o lugar com transferência de propriedade, Maniçoba já era habitada antes da chegada dos fundadores de Santana do Ipanema. Mas ainda hoje luta tentando melhorar alguma coisa para sair do marasmo secular em que vive. Antes situada em estrada Santana/Palmeira, hoje contramão de tudo. As duas metades estão representadas ao longo do rio Ipanema a cerca de 2 km do Centro da cidade. Fora a estrada normal em que se liga ao Bairro São Pedro, um antigo caminho que vai sair na UNEAL, BR-316, foi alargado, permitindo um novo cenário por ali. Mas aquela área precisa de pavimentação asfáltica do Bairro São Pedro a UNEAL, passando nas imediações de Maniçoba/Bebedouro. Há quanto tempo este subúrbio aguarda melhorias!
     Uma via asfáltica São Pedro – UNEAL desafogaria o trânsito caótico do Centro e permitiria o surgimento de conjuntos habitacionais na área, beneficiando o antigo subúrbio. Poderiam surgir mercadinhos, farmácias, açougues, padarias e outros serviços que por certo dariam força para o progresso amarrado.  Algumas pessoas em melhores condições econômicas fizeram casas boas e xácaras na tranquilidade do lugar, mas a pobreza continua segurando o andamento. Semelhante ao Bebedouro de Maceió, já foi palco de grandes festas religiosas e centro de artesanato como abanos, chapéu de palha, bonecas de pano, peças de madeira para promessas e chapéu de couro de bode. Bons tempos os de João Lourenço e Zé Rosa.
     Maniçoba/Bebedouro funcionava com suas fabriquetas de sola, através dos seus antigos curtumes. Dava emprego a uma porção de gente e abastecia o mercado calçadista de Santana e região. Os curtumes foram extintos ou migraram para Senador Rui Palmeira e as fabriquetas de calçados não mais existem. O caminho alargado pela parte norte, vai desaguar na escola modelo municipal o que marca um ponto positivo para a criançada. Fica por trás da UNEAL, em cuja frente formou-se um arrojado comércio e prestação de serviços. Isto quer dizer que enquanto o progresso não chega o subúrbio vai aos poucos se beneficiando da vizinhança.
Tudo pertinho do rio Ipanema.


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MARCILEIDE, CONFESSO AO MUNDO...

*Rangel Alves da Costa

Marcileide Sarmento, a amiga Marcileide, a Tia Marcileide, a educadora Marcileide, a festiva Marcileide, a sorridente, bondosa e encantadora Marcileide, a incansável lutadora e vitoriosa guerreira Marcileide, partiu na última terça-feira 30 de agosto, em inesperado e triste adeus.
Repeti muito o nome Marcileide? Jamais, pois este nome se repetirá a todo instante na vida de Poço Redondo. Pessoalmente, eu me sentia orgulhoso demais por poder sempre contar com a sua singeleza amizade. E ainda mais pelo fato de que ela cultivava muitos de meus planos e aspirações: através de seu centro educacional, tornou0se uma permanente batalhadora pela preservação de nossas raízes e tradições culturais.
Juro que muitas vezes eu chegava a dizer a mim mesmo: “Marcileide só pode estar gastando do próprio bolso pra fazer acontecer coisas tão belas e grandiosas em Poço Redondo. Não é fácil nem barato fazer o que ela faz. E qual a intenção desta mulher em formar grupo de xaxado com seus alunos, o que vem à mente desta mulher ao organizar passeios e práticas esportivas pelas ruas e avenidas, qual força que move esta mulher que sempre procura oferecer o melhor no seu centro educacional, através de comemorações histórico-festivas, de feiras de ciências e outras atividades educacionais?”
.

E ainda eu me dizia, indagando: “O que realmente quer esta guerreira Marcileide ao tornar um desfile cívico numa verdadeira aula sobre a história de Poço Redondo? Quem imaginou que, através de uma iniciativa privada, pelas vias públicas da cidade pudesse passar a galeria de ex-prefeitos, as atrações turísticas, o histórico da formação, seu percurso de vida, até os dias atuais destas bandas sertanejas?”. E eu me perguntava encantado, orgulhoso, admirado demais com tamanho engajamento e determinação desta agora saudosa mulher.
Mas minha amizade com Marcileide já remonta outros tempos e diversas outras situações. Todas as vezes que necessitei de qualquer tipo de colaboração, e para o objetivo que fosse, a primeira a chegar era sempre Marcileide. Via Messenger, logo ela enviava uma mensagem: “Não se preocupe, Rangel. Pode contar comigo!”. Ela sempre fazia assim, ela fez muito assim. Quando precisei de Hidrobrilho para colocar sobre os murais do Memorial, quem se prontificou? Quando precisei fazer reparos em alguns móveis antigos, quem primeiro veio em ajuda? Quando precisei de muito mais, foi também Marcileide que estendeu sua mão.
Não faz muito tempo, e logo após um desfile cívico que se tornou histórico nos anais de Poço Redondo, um belo dia eu estava no Memorial Alcino Alves Costa quando Marcileide, acompanhada da Professora Dineide, adentrou os portões acompanhada de uma turma de crianças, alunos de seu centro educacional. Mais uma visita, foi o que logo pensei. Ao dar alguns passos para recebê-los, percebi que as crianças carregavam nas mãos os mesmos banners com atrativos histórico-turísticos utilizados no desfile. E ali estavam para doar ao Memorial. E desde então os banners doados por Marcileide estão expostos numa das salas principais do Memorial.
Não havia um só evento organizado pelo seu centro educacional que Marcileide não me fizesse um convite pessoal. Bem recentemente, eis que ela mais uma vez me surpreende via mensagem. Desta feita para dizer que havia adquirido uma casa vizinha a de Raí, em Curralinho, e que quando eu quisesse ela colocaria as chaves em minhas mãos. Como não se encantar com uma pessoa assim, de atitudes tão dignas e tão bondosas? Como não chorar agora pela sua partida assim tão desacertada com o tempo. Marcileide ainda era jovem, muito jovem...


E cerca de quinze dias atrás eu fui até sua residência na Praça Frei Damião. Pediu-me para passar por lá para fazer sua doação ao Projeto Rua Colorida. Levei alguns livros para a biblioteca de sua escola, e ficamos conversando. Acertamos que brevemente eu iria dar algumas palestras para os seus alunos. Despedi-me e voltei.
Despedi-me e agora ela partiu! E tudo parece ontem, tudo parece agora. E assim se eternizará na minha memória. Abraço-te ainda, amiga Marcileide. Fostes chamada. Vá. Leve a flor da bela fotografia. Deus dirá que é tua!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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PARA QUEM AINDA NÃO LEU - ZÉ PEREIRA CONCEDE ENTREVISTA

Por Antonio Corrêa Sobrinho

AMIGOS, leiam esta interessante e rica matéria.

Em 1930, em pleno "Estado Livre de Princesa, na Paraíba, o famoso coronel José Pereira falou longamente ao repórter dos "Diários Associados", Victor do Espírito Santo.

Reportagem para mim duplamente interessante, por conta de um ocorrido: a inesperada e momentânea presença deste notável jornalista na minha pequena e querida Aracaju de 1930, quando o hidroavião que o transportava do Rio a Recife, de onde ele iniciou a peregrinação em busca de Princesa e do famoso Zé Pereira, precisou, vocês saberão o motivo, demorar um pouco mais em Aracaju, momento este que Victor fez questão de deixar registrado no âmbito desta histórica matéria.

EM BUSCA DE PRINCESA, O MUNICÍPIO REVOLUCIONADO DA PARAÍBA.

Victor do ESPÍRITO SANTO

(Enviado especial d’O JORNAL e do “Diário da Noite” do Rio e do “Diário da Noite” de S.
Paulo)

DO RIO A RECIFE EM AVIÃO DA CONDOR – PARADA INESPERADA EM ARACAJU E UMA OPORTUNIDADE PARA UMA ENTREVISTA PITORESCA – MANÉ CAROÇO VISTO POR UM BACHAREL DE 84 – RECIFE.

RECIFE, 13 – (Por avião) – Não fui inteiramente feliz nesta minha primeira viagem aérea.

Para que uma viagem assim longa decorra a contento, necessário é que se tenha por companheiros pessoas com as quais possamos trocar impressões, tornando menos insípidas as longas travessias quando a vista se cansa de admirar o oceano, “que castiga pela majestade e o litoral que se repete milhas e milhas sem um fato novo que prenda a atenção, que desperte a curiosidade. E eu não tive desses companheiros quando saí do Rio, no “Olinda”, o possante e seguríssimo avião da Condor. Foram meus companheiros até à Bahia, dois alemães quase mudos e cujo sono acabou por contagiar-me.

Em Canavieiras, porém, assaltou-me a esperança de que ia ser melhorada a viagem, pois nessa pequena cidade deveriam embarcar cinco passageiros para a capital baiana. Não fui, ainda desta feita, feliz. Os meus novos companheiros eram o prefeito de Canavieiras, um engenheiro, um mecânico da Condor, um médico e a sua esposa. A não ser o mecânico, todos os demais eram políticos que empregavam todo o tempo em discutir o coeficiente de votos que o coronel fulano deveria dar e não dera e outras coisas que tais enquanto isso, a senhora do médico cansava-se de enjoar...

Na Bahia, a situação mudou-se, afinal. Quando, na Ribeira, esperava o pequeno bote que deveria conduzir-me para bordo do novo avião em que iria prosseguir a viagem até Recife, uma figura muito nossa conhecida desembarcou de um automóvel para seguir também em demanda do aparelho: tratava-se de monsenhor Rosalvo Costa Rego, o vigário geral aí do Rio. Ia, enfim, ter uma ótima companhia! E o foi efetivamente. Com a sua palavra atraente, a sua verve encantadora, o seu espírito fino, a sua inteligência brilhante e os seus grandes conhecimentos da zona que íamos percorrer, monsenhor Costa Rego era a companhia desejada.

Era a primeira vez que o ilustre vigário geral do Rio embarca em um avião e o fazia, disse-nos ele, sem satisfação devido às condições que o obrigavam a utilizar-se daquele meio de viação: desejara chegar a Maceió quanto antes por precisar visitar uma pessoa cara que se encontrava gravemente enferma. Infelizmente, a bordo do Itaité, recebera comunicação de que essa pessoa falecera. E agora prosseguia viagem por já estar de passagem comprada e ter de providenciar sobre o espólio da pessoa que morrera, sua mãe de criação.

Deixamos a Bahia às 6 horas, e pouco antes das 9, o “Blumenau”, numa descida elegante e suave pousava os seus flutuantes no porto de Aracaju a fim de aí entregar a correspondência e receber gasolina. A demora deveria ser rápida, de 15 minutos, se tanto.

Assim, pouco depois das 9 horas, o “Blumenau” erguia-se das águas, elevava-se sobre Aracaju e contornava a pequena mas linda capital sergipana. O motor, porém, não estava funcionando a contento, conforme foi notado pelos tripulantes do avião. E após atingir uma altura de cerca de 1000 metros, o “Blumenau” descia novamente e com rapidez, um tanto precipitadamente para alcançar outra vez o ponto de onde partimos.

Era, disse-nos o piloto do avião, o tubo de óleo que não estava funcionando com regularidade e, por isso, necessitava de reparos, que demandariam cerca de duas horas.

Apresentava-se-nos uma oportunidade para percorrer a cidade de Aracaju e íamos aproveitá-la.

GREVE DE CHOFERES

Aracaju, a pacata capital do pequenino Sergipe, recebeu-nos a mim e aos meus companheiros de excursão com curiosidade. Ainda é herói em nossa terra quem viaja de avião. E nós éramos considerados como heróis...

Tornava-se incômoda aquela situação de alvos da curiosidade pública e, por isso, procurávamos um meio de evitá-la aproveitando também a oportunidade para conhecer a cidade.

Saímos em busca de automóveis, mas em vão, pois não encontramos um só desses veículos de aluguel na cidade. Um sergipano baixo e cheio incumbiu-se de dar-nos a explicação de ausência de autos e fê-lo na sua linguagem de homem do povo, dizendo a monsenhor Costa Rego:

- Hoje, “seu” padre, não há automóvel, não sinhô. Os “chofé” estão em greve porque obrigaram eles a mudar de ponto.

E um outro habitante de Aracaju atalhou logo, desolado:

- Que triste impressão vão os senhores levar de Sergipe!...

Mas, “há males que vêm para bem” diz o rufião. A greve dos choferes privou-nos de percorrer a cidade, que víramos do alto. Em compensação proporcionou-nos ensejo de manter com um homem simples, uma palestra pitoresca em que a língua por vezes solta de um velho bacharel, de um bacharel de 84, teve palavras de brasa contra muitos dos nossos homens públicos.

UM SENHOR DE ENGENHO, O GOVERNADOR DE SERGIPE:

Na falta de um meio de condução que nos levasse aos diversos pontos da cidade, não nos aventuramos a andar a pé pela cidade de Aracaju, para evitar que se formasse uma procissão atrás de nós. Era, no entanto, necessário esperar que terminassem os consertos no avião. Por isso, encaminhamo-nos para o cais, onde se aglomeravam populares para ver o aparelho. Monsenhor Costa Rego, era quem mais chamava a atenção dos sergipanos, que para ele se voltavam curiosos. Assim, quando o ilustre sacerdote chegou no coreto existente no cais, foi logo abordado por um cavalheiro de idade avançada, cabeça inteiramente calva, bigodes brancos e barba por fazer, olhos empapuçados e orelhas um tanto grandes, que, de chofre, lhe perguntou:

- Seu padre, o senhor veio de avião?!

- Sim, vim no “Blumenau”.

- Que coragem, seu padre! Eu não viajaria naquele bichinho, nem para ganhar mais de dez anos de vida... Deus deu asas aos pássaros e só os pássaros podem voar. Se Deus quisesse que os homens voassem, ter-lhes-ia dado asas também. Se não o fez...

- Qual! – atalhou o vigário geral – não há o menor perigo em viajar-se em aeroplano. Creio que o automóvel oferece menos segurança.

Embora, porém, todos os argumentos de monsenhor Costa Rego, corroborados por mim e pelo terceiro companheiro de viagem, o velho mostrou-se irredutível, assegurando:

- Salviano Corrêa de Oliveira Andrade, advogado formado em 1884, morador em São Cristóvão, nunca viajará naquilo. Quero morrer naturalmente e não precipitar os acontecimentos.

Em pouco a conversa descambou para a política e o velhinho, entusiasmando se, provocado sempre por monsenhor, ia falando de uma situação, atacando outra oposição, elogiando Pernambuco e dizendo sempre:

- Isto é um país perdido. Então Manoel Dantas é lá homem para governar Sergipe?! Ele é um senhor de engenho, um coronel de poucas letras, um homem rude. Honesto, isto lá ele é. Mas nunca estudou direito administrativo, não sabe o que é uma administração adiantada.

- Então o senhor é oposicionista?

- Não! Sou conservador. Não posso formar com esses malucos dos liberais. Eles querem implantar aqui doutrinas do Soviet e eu, um homem de leis, não posso estar de acordo com eles. Sou conservador e, embora tenha admirado o governo que fez o doutor Graccho Cardoso, não posso aplaudir-lhe o gesto que vem de ter rompendo com o governo. É um homem inteligente mas dessa vez falhou. Eu acho é que nós precisamos de uma monarquia como a de D. Pedro II, a de Victor Manoel, a de Jorge V. só assim é que consertaríamos a situação má que atravessamos.

- Mas Mussolini é um ditador e o senhor, um homem de lei, não pode aprovar uma ditadura! – disse provocadoramente monsenhor Costa Rego.

- De modus in rebus – fez o doutor Corrêa – Ele salvou a Itália do abismo. Eu ando bem informado, esteja certo, pois sou assinantes do Diário de Pernambuco, o decano da imprensa brasileira.

E o bom velho, atacando os liberais, fazendo caretas horríveis quando pronunciava a palavra liberal, entrou a dissertar sobre a política federal, a pernambucana até que, provocado por monsenhor Costa Rego, abordou a situação de Alagoas, assegurando:

- Lá está um tal Sr. Paes, um homem de poucas letras, tal como o Sr. Manoel Dantas.

- Mas ele é seu colega, bacharel – disse um dos presentes.

- Ser bacharel, hoje, não é nada. Vai-se agora analfabeto para a Bahia e volta-se sobraçando uma bolsa de couro e com o título de bacharel. Pergunta-se a um desses bacharéis o que é Corpus Juris e ele dirá que é sanduíche... no meu tempo, sim, é que se estudava para se obter um pergaminho assinado em nome de Sua Majestade o Imperador.

Hoje, parece que os bacharéis sabem tanto como o coronel Manoel Dantas. Monsenhor Costa Rego procurou ainda encaminhar a palestra para o seu irmão, o ex- governador de Alagoas. O avião, porém, já estava pronto e tivemos necessidade de deixar o bom velhinho, que, ao despedir-se do sacerdote, depois de abraça-lo demoradamente, fez questão de novo abraço, dizendo:

- Esse abraço foi-me ao coração! Dê-me outro, seu padre!

Daí a instantes, depois de uma tentativa frustrada, o “Blumenau” levantava voo e demandava a Alagoas, para daí tomar a direção de Recife, onde desembarquei, afinal, às 15 ½ horas de ontem.

Preparo-me agora para atravessar o sertão pernambucano, andar várias léguas de trem e automóvel para conseguir penetrar em Princesa. Conseguirei? Lograrei defrontar-me com o coronel José Pereira e entrevista-lo? É o que vou tentar.

O Jornal - 18.04.1930

NO REDUTO DO SR. JOSÉ PEREIRA, O CHEFE SERTANEJO DISSIDENTE DA PARAÍBA – A VIAGEM DO ENVIADO ESPECIAL D’ O JORNAL, DO ;DIÁRIO DA NOITE;, DO RIO E DO;DIÁRIO DA NOITE; DE S. PAULO ATÉ A CIDADE DE PRINCESA, NO INTERIOR PARAIBANO – OS RECURSOS BÉLICOS DOS CANGACEIROS – O AMBIENTE NO SERTÃO DA PARAÍBA

Levado pelo intuito de oferecer aos seus leitores um depoimento tão amplo quanto possível, em torno dos acontecimentos que se estão desenrolando no interior paraibano, com a ocupação da importante cidade de Princesa por um grupo de homens armadas, sob a chefia do Sr. José Pereira, O JORNAL, em combinação com o Diário da Noite desta
capital e o Diário da Noite de S. Paulo destacou um dos seus redatores para colher, de visu, no próprio teatro da luta armada, que ora se trava no interior daquela unidade federativa do norte, impressões que logrem dar uma justa ideia e definir as verdadeiras proporções do levante cangaceiro que se opõe ao poder constituído da Paraíba.

O nosso enviado especial teve ensejo, no desempenho da missão de que foi portador, de visitar o reduto do chefe dissidente paraibano, onde demorou-se o suficiente para observar o vulto e os objetivos das atividades rebeldes do Sr. José Pereira, cuja palavra, ainda por seu intermédio, os nossos leitores terão oportunidade de conhecer, através das correspondências que hoje começamos a publicar.

RECIFE, 15 – É das coisas mais penosas ter-se de atravessar o sertão pernambucano, percorrendo léguas e léguas das mais horríveis estradas. Logo que se sai de Recife começa o suplício com a viagem em incômodo trem da Great Western, por caminhos poeirentos, com paradas intermináveis e marcha de caranguejo. E percorrem-se, assim, durante mais de novo intermináveis horas, 270 quilômetros, para atingir-se Rio Branco, o ponto terminal da linha! Viagem bem mais incômoda que em qualquer trem da Linha Auxiliar...

De Rio Branco a Princesa são 30 léguas que se percorrem em automóvel, numa verdadeira corrida de obstáculos em que a perícia e o arrojo dos choferes são a cada instante reclamados. Chegando a Rio Branco às 16 horas do dia 12, quatro horas após embarcava eu em um auto que me deveria conduzir à cidade dominada por José Pereira e seus homens.

Não me foi fácil encontrar quem me conduzisse até princesa, dado o receio dos choferes de penetrar na cidade que se encontra fora da lei e onde se afirma José Pereira vem desde longos anos fazendo valer a sua vontade, encobrindo crimes e mandando executar outros.

Afinal, com a interferência do prefeito de Rio Branco, coronel Antonio Japiassu, que tinha interesse em mandar para o seu colega de Flores, coronel Antonio Medeiros, a fim de que este as enviasse a José Pereira, duzentas e cinquenta alpercatas de couro cru, que recebera de Recife, conseguiu-se um auto com chofer disposto a fazer a longa caminhada.

No auto, porém, deveriam seguir as alpercatas...

No dia imediato, domingo, entrava eu em Princesa, onde a melhor das recepções me foi feita e da qual me ocuparei em outra reportagem. Quero agora dizer como encontrei a cidade de onde José Pereira se corresponde, como ele próprio me afirmou, diretamente com os presidentes da República e de S. Paulo.

DESOLAÇÃO

José Pereira havia sido avisado de minha visita, e, por isso, tratara de preparar ambiente para que a minha impressão fosse a melhor possível. Mandara vir para a cidade algumas famílias, determinara que se preparasse uma mesa farta para o almoço, fizera com que os melhores dos seus homens, os mais abastados, ficassem na parte central do lugar, de forma que eu trouxesse de Princesa uma impressão que desmentisse tudo o que de mal se dizia a seu respeito.

E, efetivamente, a julgar pelo que me foi mostrado em Princesa, teria eu de voltar daquele longínquo lugar aplaudindo a atitude de José Pereira, se não estivesse bem ao par da situação dos verdadeiros motivos que determinavam o seu gesto de rebeldia.

Princesa bem merece o nome que tem, pois é uma cidade de bom aspecto, a melhor dos que percorri em toda a zona sertaneja, exceção feita de Triunfo. Possui boas estradas, bens prédios, recursos próprios, embelezamentos naturais e feitos pela mão do homem, sendo, no sertão, uma cidade em que se pode viver.

Logo à entrada, porém, da cidade, tem-se a impressão de desolação e tristeza: casas abandonadas e inteiramente fechadas, com mato a atingir já à altura das janelas. Nem uma só pessoa em longa extensão, para afinal só se encontrar homens em armas, quando se entra na porta central do povoado.

Às margens das estradas, trincheiras construídas de pedra e barro, tendo a guarda-las sertanejos de caras assustadas e olhos inquiridores.

E Princesa que, em dias normais, deve ser uma cidade de movimento, atraente e interessante, apresentava naquele domingo em que lá estive um aspecto de desolação.

AS ARMAS DE PRINCESA

Na longa palestra que comigo entreteve, José Pereira teve ocasião de referir-se às armas com que conta, armas que, escassas a princípio, ele afirma serem agora abundantes, o mesmo sucedendo com relação à munição, que me foi assegurado bastar para seis meses de luta. E disse-me:

- “Afirmar-se que o governo pernambucano me vem auxiliando, fornecendo-me armas, munição e gente, é uma inverdade. As armas que aqui tenho são de particulares e foram adquiridas para combater os cangaceiros, quando Lampião andou por aqui. O Sr. João Pessoa quis toma-las, como fez com outros municípios, mas eu não me submeti à sua ordem e por isso, tenho hoje armas. Possuo também duas metralhadoras além de um pequeno canhão que só serve para arrombar portas. O governo de Pernambuco só tem feito prejudicar-me, com revistas rigorosas e vexatórias à entrada da cidade, fazendo ainda com que amigos que tenho em localidades pernambucanas deixem de vir dar-me a sua adesão, pelo temor das consequências que as providências do Sr. Estácio fazem prever.”

Nessa revista o carro em que eu viajei sofreu e foi efetivamente rigorosa. Verificou-se o mesmo em Flores, à saída da cidade. Entretanto, pouco antes dela ser feita, o comandante do destacamento do lugar, tenente Severino Felix, respondendo a uma pergunta por mim feita sobre a passagem para Princesa e os empecilhos que poderia encontrar, disse-me:

- “A não ser armas, que só passam com ordem do governo”, tudo mais pode seguir, sem qualquer dificuldade”.

OS HOMENS DE JOSÉ PEREIRA

Em Recife, assegurava-se que José Pereira tinha sob suas ordens cerca de 1500 homens.

O chefe do movimento armado afirmou-me, porém, que conta com 700 homens aproximadamente, o que leva a acreditar ser ainda inferior o número de sertanejos em 
armas.

Os que foram apresentados o farão como fazendeiros, lavradores, operários, gente do lugar, exclusivamente, havendo até entre eles um bacharel em direito, que exercia em tempo normal as funções de promotor da cidade. Mostravam-se todos animados e confiantes na vitória.

José Pereira teve a habilidade de fazer-lhes crer que se o governo paraibano conseguir vencê-los, terão todos eles as suas vidas sacrificadas e as suas propriedades incendiadas.

Por isso, o encarniçamento com que lutam.

Um desses homens, a quem transportei de Princesa a São José, no automóvel que me servia, declarou-me: - “Eu não estou nessa luta por gosto, pois não tenho e nunca tive prazer em matar ninguém. Mas devo tantos favores a José Pereira que não posso deixar de estar a seu lado. Além disso não quero ser “sangrado” nem tão pouco que eles incendeiem a minha propriedade.”

Assegurou-me José Pereira que Princesa unânime está a seu lado e que aqueles que não lutam por não terem sangue de homem de guerra, favorecem a sua causa, fornecendo-lhe recados, roupa e mesmo gado.

A RESISTÊNCIA DE PRINCESA

Não obstante toda a fanfarronada de José Pereira, dizendo que Princesa não cairá e que poderá manter-se em luta durante meses e meses, a impressão que trouxe daquela zona e do que observei é que o reduto de José Pereira não poderá resistir a um ataque forte das forças paraibanas, ataque que talvez, à hora em que estas notas estiverem circulando, esteja sendo feito.

As forças rebeldes não têm chefes capazes de um bom plano estratégico, pois cada qual dá a sua opinião, que José Pereira acata, para depois aceitar outra inteiramente contrária.

Em guerrilhas, em emboscadas, são capazes de manter-se em luta longo tempo. Mas a um ataque seguro não terão com que resistir. É preciso saber se a polícia paraibana conta com técnicos capazes de levar a efeito esses ataques.

A VOLTA A RIO BRANCO

Não quis voltar a Rio Branco sem passar por Patos, onde se dera, havia pouco, um encarniçado combate entre 50 soldados paraibanos e 300 rebeldes, e por Triunfo, onde estão as forças pernambucanas incumbidas de garantir a... neutralidade.

Encontrei Patos abandonada, com suas casas cheias de perfurações de balas, umas derrubadas a dinamite e outras bastante estragadas. Nem soldados paraibanos, nem sertanejos de José Pereira. Tudo em abandono!

Triunfo é uma vila privilegiada. Situada em lugar de clima aprazível, produzindo tudo o que se queira, a Petrópolis pernambucana deveria merecer as atenções dos governantes do Estado. Celeiro de todo o sertão daqueles lados, Triunfo deveria ter boas estradas que lhe dessem acesso, a fim de que o seu movimento correspondesse ao seu adiantamento.

Entretanto, o Sr. Estácio Coimbra que cobra dos municípios um pesado imposto destinado à conservação e melhoria das estradas, deixa a que vai de Patos a Triunfo e desta cidade a Flores em estado tal que só mesmo muita necessidade pode fazer com que alguém se aventure a percorre-la em automóvel. Foi um trajeto penoso, cheio de perigos, e que, feito à noite, mais difícil ainda se tornou.

De Flores a Rio Branco, embora melhores, as estradas muito atrasaram a viagem, pois por duas vezes vi o carro atolado, só conseguindo pô-lo novamente em movimento depois dos mais ingentes esforços, só postos em prática para que não visse a retardada de 48 horas a minha partida para Recife, visto que, se perdesse o trem de segunda-feira, só teria outros dois dias depois.

Estava-me ainda reservada uma outra surpresa desagradável. Às 5 horas, depois de viajar toda uma noite por péssimas estradas, quando ainda faltavam seis quilômetros para atingir Rio Branco, a gasolina acabou. E eu, que viajara de avião milhas e milhas, que fora passageiro de trem e automóvel por caminhos intermináveis, acabei por ter de fazer 6 quilômetros a pé para alcançar Rio Branco, onde cheguei, enfim, a tempo de tomar o trem e chegar ontem, à noite, a Recife, para escrever a próxima crônica, em que inicio, realmente, o relato da minha palestra com o famoso Zé Pereira.

O Jornal - 24.04.1930

O MOVIMENTO SUBVERSIVO DA PARAÍBA –
COMO O SR. JOSÉ PEREIRA FALOU EM PRINCESA, AO REPRESENTANTE D’ O JORNAL E DO DIÁRIO DA NOITE – OBJETIVOS DA LUTA, SEGUNDO OS PROGNÓSTICOS DO CHEFE REBELDE – À ESPERA DA INTERVENÇÃO FEDERAL –UM COMENTÁRIO À MARGEM DA ATITUDE DA JUNTA APURADORA DO ESTADO 

RECIFE, 13 de abril de 1930 – Prosseguindo no meu relato, tive, logo depois, de aceder a um convite do Sr. José Pereira para tomar parte no seu almoço. Durante a refeição, a palestra versou sobre os mais variados assuntos, até que, à certa altura, disse-me o chefe reacionário de Princesa, empunhando uma taça de champanhe:

- É ainda champanhe que sobrou do banquete que oferecemos ao Sr. João Pessoa.

- E por que – perguntei, sendo oferecido esse banquete num dia logo no outro o Sr.
rompeu as hostilidades?

- Simples – contestou-me o Sr. José Pereira. É que recebido aqui com todas as festas e honrarias, o Sr. João Pessoa sempre que eu lhe fazia perguntas sobre a reunião da Comissão Executiva do Partido, fugia do assunto, atacando outra palestra. Quando, afinal, deixou Princesa entregou ao major Soubreira um papel para me ser dado. Tratava-se da
chapa do Partido. Foi o que mais me exasperou.

O senhor José Pereira, ainda apreciou outros aspectos da questão, falando sempre com extrema volubilidade.

RELAÇÃO DE CRIMINOSOS QUE SERVEM AO SR. JOSÉ PEREIRA

Depois de terminado o almoço, passamos à sala, onde a palestra prosseguiu sempre animada. Conversador incorrigível, dado a espirituoso, o Sr. José Pereira nem sempre guarda a discrição que seria (...) em um homem que tem as suas responsabilidades.

Assim foi que, ao lhe fazer eu perguntas sobre os criminosos que tem entre os seus homens, obtive a seguinte resposta:

- Eu não tenho bandidos entre os meus homens, pois procuro selecioná-los sempre. Aliás, não faço isso por escrúpulo próprio. Por mim, eu aceitaria tudo o que caísse na rede. A questão, porém, é que não quero desmerecer a confiança que em mim depositam os senhores Washington Luís e Júlio Prestes, confiança essa manifestada em telegramas que tenho em meu poder. Por eles é que não aceito bandidos para servir entre os meus homens.

Aludimos, então, à lista de criminosos publicada pela União, órgão oficial do governo paraibano.

Sem perceber o alcance de suas declarações, retrucou o Sr. José Pereira:

- Pois então vejamos: “Sinhô Salviano” – esse homem matou efetivamente dois oficiais, mas fê-lo em defesa de seu irmão, que foi morto. Desse crime já foi absolvido. “Tocha” e “Moreno”. – Esses mataram em Triunfo, mas foram absolvidos, tendo o promotor apelado.

“Possidônio Cosello Branco” – matou um oficial de polícia em Flores, mas já foi absolvido.

“Manoel Virgulino” – tirou a vida a um homem, foi condenado, porém o crime prescreveu.

“José Soares” – esse nunca praticou crime nem foi condenado. Esteve preso, mas por engano, por um crime praticado por outro José Soares, que não é ele. “Marcolino Diniz” – esse é meu cunhado e teve necessidade de matar um homem em Triunfo; entretanto, já foi absolvido. E, assim, todos os demais.

E como para frisar:

- Eu queria agora é que o Sr. João Pessoa, por sua vez, contasse a crônica do famoso “Quelé”, tenente José Guedes e outros.

COMO O SR. JOSÉ PEREIRA SE REFERE AO SENADOR EPITÁCIO PESSOA

A palestra, já agora provocada pelo Sr. Epitácio Pessoa de Queiroz, que se achava presente, voltou a girar em torno do Sr. João Pessoa, alvo da indignação do Sr. José Pereira.

O chefe rebelde de Princesa lamenta, nessa altura, que o Sr. Epitácio Pessoa tenha ficado ao lado do atual presidente da Paraíba, acentuando entretanto:

- Eu tenho pelo Sr. Epitácio a mais viva gratidão, a maior admiração, reconhecendo nele o maior dos brasileiros vivos. Nada lhe devo a não ser elogios que ele teve ocasião de fazer- me no Rio Negro, na presença do Sr. Arrojado Lisboa, ao passo que S. Excelência me deve até o governo da Paraíba, pois foi por minha causa que o seu nome saiu vitorioso em 1915. Princesa foi o fiel da balança.

AGUARDANDO A INTERVENÇÃO FEDERAL

Mais adiante perguntei ao Sr. José Pereira, como esperava viesse a terminar o movimento subversivo e ainda o que esperava afinal de tudo isso. O chefe rebelde respondeu logo:

- Espero pôr fora do governo ao Sr. João Pessoa.

Peguei em armas e não me entrego, visto não querer que amanhã a Câmara de que faço parte dê permissão para que eu seja processado como qualquer criminoso comum. Ainda se o governo reconhecesse que se trata de um crime político vá lã. Mas o Sr. João Pessoa não entende assim e hostiliza rudemente todos os meus correligionários, criando um
ambiente de irritação surda contra o seu governo, de forma que hoje todos os habitantes de Princesa estão em armas em legítima defesa, não só para serem processados como bandidos como também para defender as suas propriedades. Se eu tivesse bandidos e quisesse saquear, como se afirma, não teria os escrúpulos que venho tendo.

Fez ainda considerações para justificar-se dizendo que tanto a mesa de Rendas como os Correios estão intactos.

- Se eu fosse assassino – prosseguiu – não teria poupado os soldados paraibanos que aqui estão presos, e não trataria dos feridos que estão em meu poder. São fatos que saltam aos olhos.

PLANOS DE GUERRILHAS

Perguntei-lhe, então, se pretendia depor o governo.

- Não. Eu não o atacarei. Continuarei a defender-me com toda a energia, certo de que eles aqui não entrarão. Se, por fim, não conseguir defender este reduto, dividirei meus homens em grupos de 50, 100, 200 e entrarei a assolar o Estado, fazendo guerrilhas e emboscadas. Mas creio que nada disse se verificará, por ter o governo de intervir aqui.

Ponderei que a intervenção se podia dar para garantir o governo legal! da Paraíba.

- Não creia – respondeu o Sr. José Pereira. O governo federal fará a intervenção para apaziguar o Estado, retirando do poder o Sr. João Pessoa. Não pode vir contra mim, que tenho sofrido pelo apoio que lhe dei, em favor de um adventício da Paraíba, de um governo que se colocou fora da lei, de um governo realmente ilegal e revolucionário. 

Nós aqui temos como certa a intervenção do governo federal, que nos dará ganho de causa.

VISITANDO A CIDADE

Fui, logo depois, convidado pelo Sr. José Pereira para uma excursão à linha de frente, em Tavares, o que, infelizmente, não foi possível realizar-se, pela intervenção de outras pessoas. Diante disse, fizemos uma visita à cidade. Fomos à praça Epitácio Pessoa, que o Sr. José Pereira afirmou estar sendo construída a suas expensas. Estivemos nos açudes Macapá e Barão de Ibiapina; andamos pelos arredores, percorrendo edifícios públicos, para, afinal, voltarmos ao ponto de partida.

A certo ponto, querendo provocar uma manifestação do chefe dos rebeldes sobre a atitude da Junta Apuradora da Paraíba, disse-lhe:

- Ninguém, no Rio nem em Recife, mesmo entre os mais exaltados governistas, quis ainda defender o ato da Junta Apuradora da Paraíba, diplomando os oposicionistas.

- Efetivamente – respondeu logo o Sr. Pereira – aquilo foi uma decisão escandalosa, e ninguém esperava tal decisão. Mas não tenha dúvida de que o presidente da República mandará reconhecer os diplomados...

Depois dessa confissão, pouco honrosa, aliás, para o Sr. Washington Luís, o chefe rebelde desconfiou, talvez, que teria avançado em demasia, não mais tocando no assunto, passando a dizer, já respondendo a uma pergunta minha, que, de fato, recorrera ao padre Cícero, pedindo homens e munições, no que não foi atendido. 

Assegurou, ainda, que não tinha agentes entre os cangaceiros do Ceará, e, nesse diapasão, sempre atacando o Sr. João Pessoa, o coronel José Pereira abordou ainda assuntos de menor importância, até à hora em que, afinal, deixei Princesa, com destino a Triunfo, para passar pela povoação de Patos, onde se travara vivo combate, há pouco.

O Jornal (RJ) - 26.04.1930

IMAGENS que integram a reportagem: José Pereira - Rua coronel José Pereira, em Princesa - Grupo de homens armados na proximidade da casa de José Pereira - Rua coronel Marcolino Pereira, em Princesa.

Enviado por: Antonio Corrêa Sobrinho

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