*Rangel Alves da Costa
As luzes acendem e apagam. De repente o brilho e num instante as sombras. As aparências não traduzem as realidades. Há sorrisos e alegrias, há semblantes de regozijo e de contentamento, mas também os ocultos com outras feições. Um dezembro que chega e se vai disfarçando a vida, vez que promessas se escondem em impossibilidades. Mas é Natal. Então, Feliz Natal.
Já não se ouve a harpa melodiosa de Luis Bordón. Os cartões natalinos já não são entregues pelos carteiros festivos. As lembrancinhas singelas deram lugar aos brilhos modistas. Os presépios e enfeites natalinos escassearam nas residências. Apenas o comércio pisca o seu apelo às compras. O Papai Noel já não encanta tanto. A ceia permanece como teimosia. Em tempos de crise e de dias tão difíceis, muitos só desejam que apenas tudo passe e um novo ano talvez chegue melhor.
Nada de Carrossel do Tobias nem de passeio no parque. Pipocas coloridas, algodões adocicados e maçãs do amor, tudo se esconde na memória. Folhinhas e calendários só para clientes bons. Pessoas caminhando e escolhendo presentes, pessoas voltando sem nada comprar. Qual a alegria de conviver num período assim, sem que quase nada possa fruir daquilo que chama e oferece? Ora, esta a idealização materialista daquilo que na cristandade possui outra feição.
Ainda assim sempre será Natal. Mas um Natal vivenciado de modo estranho e incompreensível. Aqueles que podem, que possuem recursos para a compra e a fartura, e aqueles que pouco ou nada podem, e que se contentam em se revestir da significação maior do Natal. Não mais como antigamente, mas na sensibilidade da compreensão do Natal como um período sagrado. Muito diferente daqueles cuja comemoração significa apenas mais um festim entre o luxo e o esbanjamento.
Nestas contradições é que o Natal de agora chega e vai embora. Mesmo em férias ou em tempo maior de repouso, poucos aproveitam o período para a reflexão, a meditação, o reencontro consigo mesmo. As viagens não deixam, os preparativos festivos impedem que se encontre um tempo para si próprio. Amigos enfermos são esquecidos em seus leitos, pessoas carentes são relegadas ao esquecimento.
Mas nada que impeça em dizer: Feliz Natal. Feliz por que se espera que cada um alcance sua felicidade e espalhe tal contentamento entre os seus e perante o mundo. Natal por que significando nascimento, natividade, um novo ser que nasce ou renasce para uma nova vida, que é sempre a mesma aprimorada nas melhores virtudes e atributos do ser humano. E Feliz Natal por que o nascimento do menino em Belém deve ser visto também como um novo tempo de felicidade surgido em cada um.
Mas não é fácil vivenciar o tempo natalino. Muito fácil dizer que tenha feliz natal, muito fácil enviar uma mensagem natalina via computador ou celular e dar por resolvida a recordação. E quando depois tudo passa? O Natal, muito mais de ser apenas uma data comemorativa de natividade, deveria servir como um período de reflexões profundas sobre as contradições desse mundo e dessa vida.
Perante as contradições, os prantos estão escondidos, os soluços estão estancados, os lenços restam jogados, os olhos apenas brilhosos. Ou talvez não. O período natalino faz aflorar sentimentos mais que vorazes. São dias em que as nostalgias e as tristezas assomam como enxurrada no ser. Mas ainda assim, Feliz Natal.
Famílias se reúnem ao redor de mesas, bebidas e taças reluzem, presentes são abertos, abraços trocados, palavras bonitas ditas. Tudo é tanta e tamanha felicidade. Ou talvez não. Barracos tristonhos e mesas vazias, crianças famintas e silêncios forçados, um Papai Noel que não chegou - por que nunca chega - e uma noite tão empobrecida como ao redor de uma manjedoura. Mas ainda assim, Feliz Natal.
Amigos secretos, nada discretos, esfuziantes. Uma joia cara, um perfume importado, uma gravata Hermès, uma caneta Mont Blanc, um vinho da melhor safra. Ora, as pessoas têm direito a compartilhar suas amizades, suas alegrias e felicidades. Ou talvez não, ainda que tanto deseje dividir ao menos um pão. Cadê o panetone, cadê o chester ou mesmo um frango qualquer? Cadê o vinho de mesa barato, cadê o refrigerante, cadê um pano de chita pra Zefinha fazer uma roupa bonita? Não tem. Nada disso tem. Apenas as luzes apagadas numa árvore de natal que nunca existiu. Mas ainda assim, Feliz Natal.
Pelas ruas da cidade ainda os brilhos festivos. Os coros nas catedrais anunciam as missas e as cantatas da caristandade. Em muitos jardins residenciais, as hienas iluminadas são apenas parte de uma decoração de céu estrelado, piscando, piscando. Os presépios são adornados de uma riqueza tal que talvez um menino burguês ali estivesse deitado em berço de seda. Contudo, as estrebarias, as manjedouras, as camas de capim e o silêncio entristecido dos desvalidos, não estão muito distantes dali, pois num mesmo mundo se dividem os que têm estrelas e os que apenas avistam a ideia de luz.
Mas ainda assim, Feliz Natal!
Escritor
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