Virgolino
Ferreira da Silva teve um problema sério nas vistas. Desde muito novo que uma
doença denominada Leucoma afetou, cronicamente, uma das vistas dele, à direita,
terminando em uma total cegueira da mesma com a “ajuda” de um pequeno espinho,
pêlo, de um cacto da flora catingueira, cactácea, pequena ‘palma’, sertaneja
chamada por alguns de ‘Palmatória’, o Quipá, Opuntia Inamoema ou Tacinga
Inamoema.
O Leucoma é uma opacidade corneana quando a córnea toma aspecto branco em toda
sua extensão ou em parte. O mesmo pode ser congênito ou se desenvolver após
doenças infecciosas, principalmente herpes ocular ou traumas, o que achamos que
ocorreu com o futuro “Rei dos Cangaceiros” por ter se tornado tangerino,
almocreve e vaqueiro desde tenra idade, e tenha sofrido alguma pancada
ocorrendo o trauma, já que não encontramos a doença em nenhum dos irmãos e/ou
irmãs dele. Além disso, o leucoma é uma opacidade que pode se localizar
centralmente e também provocar alterações na curvatura corneana, diminuindo a
visão.
Perder uma das vistas, para Lampião, não foi um problema que o impediu de dar
prosseguimento ao ‘reinado’. Pelo contrário. Ajuda-o no manejo e mira das armas
longas como rifles, fuzis e mosquetões. Porém, sem elas, ficando totalmente
cego das duas, não tinha como continuar.
Em determinada ocasião, segundo historiadores, o ‘Rei Vesgo’ ver-se acometido
de uma doença em sua vista esquerda. Não sabemos relatar aos amigos se foi uma
infecção contraída, ou mesmo transmitida da que acometeu sua vista direita, tão
pouco, se devido a algum ‘novo’ trauma sofrido.
Passando, o chefe mor do cangaço, a sentir “queimor intenso e fortes dores no
olho esquerdo, além de lacrimejamento, prurido intenso e diminuição da acuidade
visual”, começa a sentir temor pela ‘escuridão’ total. Resolve pedir ajuda aos
amigos, coiteiros, na tentativa de curar aquele mau.
O ‘coronel’, em sua pessoa de ‘autoridade’ dominante regional, não foi amigo de
cangaceiros simplesmente por ser. Pelo contrário, suas amizades baseavam-se em
troca de ‘favores’ e negociatas.
Em todos os sete Estados nordestinos por onde seu ‘reinado’ se estendeu,
Lampião lançou sua ‘rede’ capturando adeptos de todas as partes sociais que
existiam na época. Na ocasião da doença em sua vista esquerda, ele procura
ajuda com o ‘amigo’ coronel Manoel Maranhão, no Estado das Alagoas. Esse, não
podendo fazer muito, se junta ao amigo cangaceiro, e envia um emissário, que
transpõem a divisa de Estado e vai levar o pedido de ajuda a um dos maiores
coiteiros de Lampião em terras pernambucanas, que se encontrava na ocasião na
fazenda Formosa, o coronel Audálio Tenório de Albuquerque, grande latifundiário
nos Estados de Pernambuco e Alagoas.
No momento em que é sabedor da ocorrência, o coronel Audálio não se faz de
rogado, parte imediatamente para fazenda do amigo fazendeiro, coronel Manoel
Maranhão, a fim de socorrer seu protegido.
Inteirando-se do que acometeu a vista ‘boa’ do Capitão, o coronel Audálio
Tenório parte para Capital pernambucana para falar com um, na ocasião, dos mais
afamados oftalmologistas do Nordeste, o Dr. Isaac Salazar.
“(...) Nesta época o capitão já se encontrava em decadência, não tinha a mesma
força, o clímax do cangaceiro é aos 25 anos, as volantes tinham ordem de matar
para depois conversar, era lei qualquer cidadão ficar com os bens do cangaceiro
caso o matasse, todo mundo queria ficar rico, os jornais noticiavam diariamente
as estripulias e as maldades do cangaço, as estradas que cortavam os sertões
permitiam o envio de caminhões de soldados e munições, as mulheres e os filhos
passaram a ser uma das preocupações dos cangaceiros, os coiteiros sumiram, o
cangaço perdia a força, a lei era matar(...).” (Iderval Reginaldo Tenório)
Iderval Reginaldo Tenório
Sem poder levar o ‘paciente’, o coronel Audálio segue sozinho e, lá chegando,
faz um relato pormenorizado de todos os sintomas da doença, sempre referindo ao
médico que se trata de um dos seus vaqueiros de uma das suas fazendas.
“(...) o médico prescreveu alguns medicamentos, injeções, pomadas, colírios e
bandagens, dias depois chegava na sua fazenda o Coronel com todos os
medicamentos e o capitão inicia o milagroso tratamento, a vista foi melhorando,
aos poucos foi clareando, como trunfo, cheio de alegria e de vida(...).”
(Iderval Reginaldo Tenório).
O Coronel Audálio Tenório de Albuquerque foi muito ligado, também, a altas
autoridades militares nas Alagoas. Eleito deputado Estadual por Pernambuco em
1966, teve seu mandato cassado pelo regime militar implantado no País. Em sete
de dezembro de 2012, o jornal Diário de Pernambuco publica que, passados 50
anos, o Governo ‘devolve’ seu mandato, mesmo o coronel já tendo morrido... Nas
quebradas do Sertão.
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