Por Benedito
Vasconcelos Mendes[*]
Benedito Vasconcelos e esposa Susana Goretti
O Sítio
Frecheiras, localizado em cima da Serra da Meruoca, nas proximidades da
cidade cearense de Meruoca, era de propriedade do meu avô, onde ele passava, em
companhia de minha avó, os meses de outubro, novembro e dezembro. De janeiro a
setembro, eles ficavam na Fazenda Aracati cuidando do gado e fazendo queijo de
coalho e manteiga de garrafa (manteiga da terra). No mês de setembro, ele
despachava para sua casa em Sobral, onde moravam seus filhos, cerca de 2 mil
quilos de queijo de coalho seco e umas 200 garrafas de manteiga, em caçuás de
couro cru, sobre lombos de burros e de jumentos. Uma parte destes queijos era
vendida e outra armazenada mergulhada em farinha de mandioca, dentro de grandes
caixões de madeira. Quase toda manteiga também era comercializada. A
tropa de 30 animais de carga (burros e jumentos) e três juntas de bois mansos,
que acompanhavam os equídeos, depois de descarregarem estes produtos em Sobral
e descansarem durante uns três dias, seguiam com os caçuás vazios para o Sítio Frecheiras, na Serra da Meruoca.
Lá a moagem de cana-de-açúcar, para a produção de rapadura, e as farinhadas, para produzir farinha e goma de mandioca, ocorriam de outubro a dezembro. Antes do período chuvoso, no mês de dezembro, descia do Sítio Frecheiras para Sobral (distante 30 quilômetros) o comboio de animais com cargas de rapadura, farinha e goma de mandioca. Uma certa quantidade destes produtos ficava em Sobral, para ser consumida pela família, e o restante seguia viagem para a Fazenda Aracati, distante 60 quilômetros de Sobral, onde existiam grandes caixões de cedro para guardar rapadura, farinha e goma de mandioca. Dois tropeiros experientes, criados no sertão, filhos do vaqueiro Sales, da Fazenda Aracati, acompanhavam e cuidavam da tropa de animais de carga, o que lhes obrigava a também passar três meses na Serra da Meruoca. Estes animais de carga eram milhados diariamente na mochila, para se manterem gordos e assim suportarem o gigantesco esforço de descer a serra com carga pesada e depois continuar a caminhada por mais 60 quilômetros até a Fazenda Aracati. A burra “Cigana”, que ostentava uma sinetinha de bronze pendurada no pescoço, ia na frente, pois ela era a guia, por conhecer bem o caminho e ser mais adestrada, obedecendo melhor do que os outros o comando dos tropeiros. Para descer a serra pelo caminho estreito, sinuoso, íngreme, defendendo-se dos blocos de rochas graníticas, os animais iam em fila indiana, sob o comando de voz dos dois comboieiros e de seus chicotes de couro cru de boi. Além da rapadura, farinha e goma de mandioca, em outras viagens, diferentes produtos eram levados para vender em Sobral, como castanha de caju, óleo de coco-babaçu, cajuína, doce de caju em massa e frutas “in natura”, principalmente banana, abacate e manga. O óleo de coco, a cajuína e o doce de caju eram feitos sob o comando de minha avó, que contratava nas vizinhanças quatro ou cinco mulheres, que tinham prática em quebrar coco e fazer o óleo, o doce de caju e a cajuína. O doce de caju em massa era feito com rapadura, em vez de açúcar.
Lá a moagem de cana-de-açúcar, para a produção de rapadura, e as farinhadas, para produzir farinha e goma de mandioca, ocorriam de outubro a dezembro. Antes do período chuvoso, no mês de dezembro, descia do Sítio Frecheiras para Sobral (distante 30 quilômetros) o comboio de animais com cargas de rapadura, farinha e goma de mandioca. Uma certa quantidade destes produtos ficava em Sobral, para ser consumida pela família, e o restante seguia viagem para a Fazenda Aracati, distante 60 quilômetros de Sobral, onde existiam grandes caixões de cedro para guardar rapadura, farinha e goma de mandioca. Dois tropeiros experientes, criados no sertão, filhos do vaqueiro Sales, da Fazenda Aracati, acompanhavam e cuidavam da tropa de animais de carga, o que lhes obrigava a também passar três meses na Serra da Meruoca. Estes animais de carga eram milhados diariamente na mochila, para se manterem gordos e assim suportarem o gigantesco esforço de descer a serra com carga pesada e depois continuar a caminhada por mais 60 quilômetros até a Fazenda Aracati. A burra “Cigana”, que ostentava uma sinetinha de bronze pendurada no pescoço, ia na frente, pois ela era a guia, por conhecer bem o caminho e ser mais adestrada, obedecendo melhor do que os outros o comando dos tropeiros. Para descer a serra pelo caminho estreito, sinuoso, íngreme, defendendo-se dos blocos de rochas graníticas, os animais iam em fila indiana, sob o comando de voz dos dois comboieiros e de seus chicotes de couro cru de boi. Além da rapadura, farinha e goma de mandioca, em outras viagens, diferentes produtos eram levados para vender em Sobral, como castanha de caju, óleo de coco-babaçu, cajuína, doce de caju em massa e frutas “in natura”, principalmente banana, abacate e manga. O óleo de coco, a cajuína e o doce de caju eram feitos sob o comando de minha avó, que contratava nas vizinhanças quatro ou cinco mulheres, que tinham prática em quebrar coco e fazer o óleo, o doce de caju e a cajuína. O doce de caju em massa era feito com rapadura, em vez de açúcar.
As cangalhas
dos animais, que recebiam os caçuás, eram montadas sobre espessas e
macias esteiras de pano de saco (tecido reaproveitado de sacos de açúcar ou de
farinha de trigo) cheias de junco (planta da Família das Ciperáceas).
Antigamente, era muito comum a reutilização de tecido de sacos para a
confecção de toalhas de banho, panos de prato e até de calça e camisa pela
população mais pobre do sertão nordestino.
Criativa era a
forma de transportar toras de madeiras de lei, de serra abaixo. Naquela
época, décadas de 1950 e 1960, a Serra da Meruoca era a principal fonte de
madeiras de lei da cidade de Sobral, que eram usadas para o feitio de
portas, janelas, móveis e linhas de cobertura de prédios. Grossos troncos de
cedro, baraúna, frejó, maçaranduba, cumaru e de outras árvores produtoras de
madeira de boa qualidade eram puxados de serra abaixo por juntas de bois. A
cabeça (parte mais grossa do tronco) era colocada e presa com correntes sobre
um eixo de aço, que unia duas rodas de ferro, e a outra extremidade era
arrastada no chão. Três juntas de boi puxavam o cambão de madeira, que ficava
amarrado ao eixo das rodas de ferro. Da mata, onde a madeira tinha sido
cortada,até o caminho que ia a Sobral, os dois tangerinos, munidos de machado e
foice abriam a picada, para que os bois e sua carga pudessem passar. O
caminho muito estreito, íngreme e sinuoso, às vezes, não permitia a passagem
das juntas de boi e era necessário abrir uma picada, em linha reta ao lado. Era
um trabalho árduo, perigoso e vagaroso e precisava de muita paciência dos
tangerinos. A descida de uma ladeira íngreme sobre lajedo exigia perícia dos
tangerinos, pois havia o risco do pesadíssimo tronco escorregar, descer e
bater nas patas dos bois. Sobre o chão de barro ou areia, mesmo a ladeira
sendo íngreme, a descida não oferecia muito risco, pois a ponta traseira do
tronco que era arrastada, penetrava no solo freando a carga e evitando
que o tronco deslizasse. Os tangerinos eram também comboieiros, os mesmos que
tocavam a tropa dos animais de carga levando rapadura, farinha e goma de
mandioca, castanha de caju e outros produtos do Sítio Frecheiras, para Sobral e
para a Fazenda Aracati.
[*]Engenheiro agrônomo,
mestre e doutor. Sócio efetivo das seguintes instituições: Academia
Norte-rio-grandense de Letras, Academia Mossoroense de Letras, Academia de
Ciências Jurídicas e Sociais, Instituto Cultural do Oeste Potiguar e dos
Institutos Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará.
Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC E-mail: beneditovasconcelos@gmail.com.
Enviado por: Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com