Por Rangel Alves
da Costa*
Quem passa em
Poço Redondo em direção a Canindé do São Francisco, entrecorta uma extensa
avenida cujo nome homenageia um ilustre personagem que não é sergipano nem do
lugar, porém de importância histórica fundamental em toda a região sertaneja da
Bahia e de Sergipe. Homenageia-se João Maria de Carvalho, senhor absoluto das
terras da Serra Negra (hoje Pedro Alexandre) e região e com influência
determinante além daquelas fronteiras, adentrando na região poço-redondense e
todo aquele semiárido.
Talvez os mais
novos sequer conheçam a história e a trajetória daquele homenageado na segunda
avenida mais importante de seu rincão. Os mais velhos, contudo, certamente já
ouviram falar nos profundos laços que ligavam o afamado baiano, homem de poder
e mando, ao sertão sergipano. O seu filho Heraldo de Carvalho e seu sobrinho
Evaldo de Carvalho, ambos políticos e prefeitos de seu município em várias
gestões, também possuíam fortes ligações afetivas com Poço Redondo e Canindé do
São Francisco, onde tinham muitos amigos e não perdiam vaquejadas nem festança
da padroeira.
João Maria
nasceu por volta de 1890, numa família de grande prole, nada menos que catorze
filhos. Era filho de Pedro Alexandre de Carvalho e Guilhermina Maria da
Conceição. Além do próprio João Maria, ainda João Batista de Carvalho, Pedro
Alexandre de Carvalho Filho (Piduca), Manoel de Carvalho Santos (Santinho),
João Pedro de Carvalho (Ioiô), José Pedro de Carvalho, Liberato de Carvalho,
Joana Angélica de Carvalho, Zabelinha de Carvalho, Maria de Carvalho, Nanan de
Carvalho, Adelina de Carvalho, Josefina de Carvalho e Esmeralda de Carvalho.
Ao lado dos
coronéis João Gonçalves de Sá, da região de Jeremoabo, e Petronilo de Alcântara
Reis, o sempre temido e respeitado Coronel Petro, João Maria de Carvalho se impôs
com maestria, domínio e autoridade não só na região de Serra Negra como em
outras localidades além fronteiras. Ora, senhor de muitas terras na Bahia e
também no sertão sergipano, sem falar na influência política que mantinha em
ambos os lados. Pôs a mão não só nas terras como na vida daquelas regiões, eis
que não havia um só dia que não chegasse um sertanejo pedindo ajuda para
sobreviver, proteção política ou por medo das perseguições das autoridades, da
polícia ou de inimigos comuns.
Alcino Alves
Costa, no livro O Sertão de Lampião, relata que os perseguidos por Leandro
Maciel não pensavam duas vezes senão correr para a proteção do coronel baiano.
E afirma: “Ali (na Serra Negra), naquela ocasião, estavam homiziados os homens
mais valentes do PSD de Sergipe: Zeca da Barra, Tonho Pequeno, Pititó, Josafá e
os ‘Ceará’, destemidos políticos de Ribeirópolis e da Cruz do Cavalcanti. Todos
eles escorraçados do vizinho Estado pela polícia e jagunços da UDN de Leandro
Maciel”. E até mesmo os governantes de Sergipe respeitavam a autoridade do
poderoso vizinho, ainda que o acusasse de protetor da bandidagem e renegados.
Alguns afirmam
sua feição de senhor de feudo e jagunço, outros asseveram ter sido apenas um
poderoso sertanejo que soube como nenhum outro costurar na mesma colcha pessoas
e situações antagônicas. Com efeito, em João Maria de Carvalho não há como se
deixar de reconhecer sua maestria no trato do imprevisível e do oposto. Lidava
com o tenente Zé Rufino, aquartelado na Serra Negra na caça de cangaceiros; era
irmão de Liberato de Carvalho, o comandante da polícia baiana enviado
especialmente para dizimar o cangaço e seu líder. Mas dava proteção a
cangaceiros e ex-cangaceiros, perseguidos e todos aqueles que batessem à
sua porta como oprimido ou injustiçado.
Após o trágico
episódio de Canindé, quando o cangaceiro Zé Baiano deixou os rostos de três
mocinhas marcados com ferro em brasa, Lampião foi buscar sossego numa
propriedade de suas propriedades. Diante da repercussão do fato, sabia que a
polícia logo estaria no seu encalço e também que não havia lugar melhor para se
acoitar senão sob os auspícios do poderoso baiano. E também porque sabia que um
dos comandantes da perseguição seria justamente Liberato de Carvalho, irmão de
seu protetor.
Verdade é que
mesmo sendo irmão de Liberato de Carvalho, tenaz caçador daqueles que não
hesitava em proteger, João Maria, como líder maior da região, exigia respeito
de quem se arvorasse de comando e não admitia qualquer tipo de ameaça. Não
permitia que suas propriedades fossem invadidas a bel-prazer da polícia nem que
seus protegidos fossem importunados. Talvez daí a assertiva de alguns de que
mantinha um exército de jagunços nas suas fazendas, tanto na Bahia como em
Sergipe.
Para se ter
uma ideia de seu poderio e mando além fronteiras, somente em Poço Redondo
chegou a possuir nada menos que dez fazendas: Santo Antônio, Poço do Mulungu,
Riacho Largo, Jurema, Recurso, Propriá, Exu, Pia da Barriguda, São
Clemente, Paraíso e Pindoba (em Canindé). O seu irmão Piduca era outro
fazendeiro de renome na região, pois de sua propriedade eram as fazendas
Queimada Grande, Santa Maria, Bate Lata, Caibreiro, Lagoa da Onça, Riacho Largo
e Barraca dos Negros. Significa dizer que grande parte das terras de Poço
Redondo pertencia aos filhos de Pedro Alexandre.
De sua Serra
Negra enviava ordens, dava instruções, recebia missivas de governantes.
Servindo também como conselheiro, não era raro que as decisões políticas
importantes somente fossem tomadas após o seu parecer ou aval. Mesmo sendo
amigo do poder, de onde extraía seu mando, tinha predileção especial em manter
amizade e ajudar o sertanejo, fosse o matuto mais simples ou o perigoso de
sangue no olho. Daí que protegeu desde Lampião ao desvalido ex-cangaceiro
perseguido pela polícia.
Mesmo
conhecido como tenente João Maria, não há como negar seu coronelato sertanejo.
E foi nessa patente nordestina que pontuou sua caminhada até o merecido
reconhecimento de hoje.
Poeta e
cronista
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