Antonio Silvino, o famoso chefe de bandoleiros, em vésperas de reaver a liberdade, fala
a “A Noite” na penitenciária de Recife.
RIO, 9 (C.E.)
Via Aérea – Tendo dirigido uma petição ao Estado de Pernambuco solicitando-lhe
fosse concedido o perdão do resto da sentença que lhe falta cumprir, conforme
já publicamos em telegrama anterior, o célebre chefe de bandoleiros Antônio
Silvino, entrevistado pelo representante da “A Noite” em Recife, disse o
seguinte:
- É sempre
triste recordar-se do que não presta -, começou o antigo cangaceiro. – Sei que
a minha vida foi assim. A isso, porém, me arrastaram os meus inimigos. Meu pai
era proprietário de uma fazenda em Flores, nos limites de Pernambuco com a Paraíba,
e votava com uns patifes. Por fim, resolvendo deixá-los passou a dar o seu voto
a outros canalhas da mesma bitola. E, em consequência dessas tricas políticas,
foi assassinado. Nossa família perdeu tudo quanto possuía. Encostei, então, o
medo para um canto e me entreguei ao cangaço. Acreditei que procurei sempre
beneficiar os pobres e castigar os prepotentes. Nunca ataquei os
caixeiros-viajantes que encontrava pelas estradas. Não admitia desrespeito às
famílias, não consentindo a menor afronta a moças e senhoras. Não tenho vícios,
pois não bebo, não fumo e nem jogo, e procurava evitar que os meus homens se
excedessem. Nos banquetes que os fazendeiros nos ofereciam, mandava sempre
retirar da mesa as garrafas de vinho.
- E os fazendeiros se sentiam alegres em tê-lo como hóspede?
- Muitos até me convidavam a ir às suas propriedades. Outros, porém, me
festejavam com receio de um castigo. E, outros ainda me recebiam, sem agrado.
Os pobres agricultores sempre tiveram a mesa farta para oferecer-me; no entanto,
alguns ricaços queriam dar-me as suas migalhas. Os que assim procediam sempre
eram multados. Estabelecia geralmente uma multa equivalente ao duplo da despesa
que poderia ter tido o fazendeiro para preparar-me uma acolhida de gente de
dinheiro. Alguns propunham a dispensa do tributo, prometendo-me na próxima
visita emendar a mão. Na reincidência, porém, não havia desculpas.
O sentenciado fez uma pequena pausa, interrogando-nos:
- Qual é a sua terra?
- Olinda, a antiga e tradicional capital pernambucana – respondemos.
- Não o felicito, pois Olinda é terra de gente mentirosa. Fui ali acusado, no
júri, de uma porção de coisas que não fiz. Respondi a onze processos, quando na
verdade só quatro eram meus. Os sete restantes não os conhecia. Isso mesmo
disse ao juiz. Não nego o que faço. Reconheço quatro dos processos a que
respondi como verdadeiros. Todos são de crime de morte. No entanto, me acusaram
até de ter roubado trinta mil réis de um miserável que não tinha onde cair
morto. O crime só quem viu foi a própria vítima Manoel Ferreira e a queixa só
foi dada onze meses depois. “Gente Mentirosa”.
- Então o seu grupo não foi responsável por esse roubo?
- Para que queria migalhas? Vou contar uma história para mostrar que é conversa
fiada que arranjaram... De uma vez, entramos numa povoação, em minha terra,
onde havia mais retirantes que rapadura. Chamei os rapazes e disse: - Olhem, eu
só tenho seiscentos mil réis. Vocês quanto têm? Os rapazes abriram as sacolas e
verificaram que possuíamos ao todo 2:500$000. Mandei, então, que os retirantes
entregassem rapaduras e outras mercadorias que possuíam e deixamos ficar todo o
dinheiro. Foi uma festa. Todos ficaram contentes e me pediram para voltar pela
seca.
Antônio Silvino sorri.
Perguntamos-lhe quem é o seu maior inimigo.
- O maior inimigo que nós temos é o mau pensamento – responde o velho
sentenciado.
- E o maior amigo?
- Amigo? – Isto só existe nos livros. Todo mundo diz por aí: “mais vale um
amigo na praça que dinheiro em caixa”. Eu, porém, prefiro dinheiro em caixa. Eu
quero a minha galinha magra em casa, em troca de cem amigos. Não há amigos, há
conhecidos. Só aparecem os amigos enquanto a gente não precisa de favor. Nem
mesmo os filhos se podem chamar de amigos!
ANTONIO
SILVINO, AMIGO DO PROGRESSO E URBANISTA DOS SERTÕES
Um dos
episódios mais curiosos da vida do famoso bandoleiro foi o que se verificou em
Jardim das Piranhas, no Rio Grande do Norte, onde Antonio Silvino se revelou um
amigo do progresso e precursor do urbanismo nos sertões...
- Aquela foi uma terra que eu livrei da sujeira – declarou. – Ali vivia toda
gente atolada na porcaria. Não havia progresso. Chegando àquela terra,
hospedei-me na casa do delegado, homem muito distinto, mas sem energia. As casas da povoação não tinham reboco e o lixo vivia espalhado pelas ruas. Só
eram rebocadas as casas dos comerciantes. Fiz o delegado intimar a virem à minha presença os proprietários, e exigi que
rebocassem as casas. A princípio houve protesto. Então, para que não fosse
desmoralizado, estabeleci uma multa de 100$000 a 10:000$000 para aqueles que no
prazo de 10 meses não houvessem cumprido as minhas ordens. No fim do prazo,
quando voltei, não conheci o povoado. Ficou uma beleza! Apenas três casas ainda
estavam como dantes; sendo duas à falta de braços e outra de uma viúva que
possuía apenas 100$000. Ela, porém, me declarou que era parente dos
comerciantes da terra. Mandei-os chamar e fiz uma arrumação para que a casa
fosse rebocada. O prefeito Juvenal mandou agradecer o benefício. Até o governador, o Dr.
Alberto Maranhão, eu sei que gostou muito. Achou muito boa a minha ideia!
E terminando:
- Um bandido teria um ideal assim?
PENDORES
MÍSTICOS DO SENTENCIADO
Antonio
Silvino desde 1914, de quando data o seu internamento na Detenção do Recife,
tem em sua cela de presidiário, livros sobre religião, notadamente o Evangelho,
e obras sobre espiritismo. Conseguiu o ex-bandoleiro harmonizar em seu espírito
as doutrinas do evangelismo com as teorias pregadas por Alan Kardec.
Como ficássemos surpreendidos com esse estranho consórcio de doutrinas, Antonio
Silvino, modificando a tonalidade da voz e com atitudes de pastor protestante
exclamou com ênfase:
- Hoje, sou evangelista e espírita: Nunca tive sedução pelas imagens, que nada
representam. A própria Bíblia condena a adoração de ídolos. Sou um crente
fervoroso e tenho conversado com vários pastores... É verdade que os
evangelistas negam a reencarnação. Em matéria de religião venha quem vier e não
saio de dentro do Evangelho. Evangelista e espírita, creio que estou certo. O
evangelista combate sem razão o espiritismo. Este, porém, não lhe faz oposição.
O diabo não tem poder. É história mal desenhada. Acreditar no inferno é
acreditar num absurdo. Conceber que um Deus generoso nos exponha a uma vida
eterna nas profundezas do inferno é outra coisa que não posso admitir. No tempo
em que Jesus nos trouxe as palavras do Senhor, tudo era atrasado. É a doutrina
espírita que tem dissipado as trevas. Negar a reencarnação é esquecer a frase
de Jesus a Nicodemos: - “Para entrar no Reino dos Céus é preciso nascer de
novo”.
Silvino prosseguiu ainda na citação de vários trechos da Bíblia para justificar
os motivos que o levam a ser evangelista-espírita. E terminou dizendo:
- Com as ideias que hoje abraço modifiquei o meu pensamento. Antigamente matava
para não morrer, hoje morro para não matar!
ANTÔNIO
SILVINO DESEJA MORRER NO RIO
Voltando a
referir-se à sua liberdade, assim falou o velho sentenciado:
- Espero daqui para sábado estar em liberdade. Darei primeiro os meus passeios
para conhecer o Recife. Depois irei para o Rio morar com o meu filho mais
velho. Este onde estiver aí me encontrarei.
Já estava demasiada longa a nossa palestra, e estendendo-lhe a mão,
despedimo-nos do velho sentenciado, que, sorridente, voltou à cela, onde se
acha recolhido há mais de dezenove anos a cumprir a sentença que lhe foi
imposta como chefe de um dos bandos de cangaceiros dos mais perigosos que
campearam nos sertões nordestinos.
Fonte: Facebook
Página: Lampião, cangaço e Nordeste
Antonio Corrêa Sobrinho
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