Por Antonio Corrêa Sobrinho
O QUE
DISSERAM, após a sua morte, os jornais cariocas abaixo, do homem forte da
“Sedição de Juazeiro” e do “Batalhão patriótico”, do amigo fiel, leal e
devotado de padre Cícero Romão Batista - FLORO BARTOLOMEU DA COSTA.
O que disseram
deste médico e político baiano-cearense, deste “guerrilheiro da política e
estrategista das refregas que convulsionaram.
“O PAIZ” (RJ)
– 09.03.1926
Faleceu ontem,
nesta capital, às 17 horas, o deputado Floro Bartolomeu, representante do
Estado do Ceará na Câmara Federal.
O parlamentar que ora desaparece era, sem dúvida, uma figura singular no
senário político brasileiro.
Individualidade forte e combativa, homem afeito às mais extremadas lutas
partidárias, dadas as circunstâncias que lhe envolveram sempre a carreira
política, o Dr. Floro Bartolomeu era possuidor das energias viris e
realizadoras, que tanto o caracterizavam nos momentos decisivos da sua vida
pública.
Pode-se mesmo atribuir ao seu temperamento dinâmico a conquista das grandes
simpatias e prestígio de que dispunha no seio de nossos sertões, onde, desde
muito moço, se entregou ao exercício da sua profissão de médico.
Na firmeza dos seus princípios e na sinceridade da sua palavra partidária
encontraram sempre os poderes constituídos um dos mais sólidos elementos de
ordem e segurança legal.
Nasceu o Dr. Floro Bartolomeu em 17 de agosto de 1876.
Formou-se em medicina pela Faculdade da Bahia, em 1904. Da capital baiana
seguiu, quando diplomado, para o interior cearense, depois de ter tomado parte,
como influente fator da ordem, em 1907, no movimento repressivo ao banditismo
então existente em Juazeiro.
No Estado do Ceará iniciou a sua carreira parlamentar, sendo eleito deputado
estadual em 1913.
Em 1921 veio para a Câmara Federal tendo renovado o seu mandato em 1924 em cujo
exercício acaba de desaparecer.
“O PAIZ” (RJ)
– 11.03.1926
ECOS E FATOS
O amigo do
padre Cícero
Com o falecimento do deputado Floro Bartolomeu, perde a Câmara uma de suas
figuras mais interessantes. Era-o o representante do Ceará tanto pela sua fibra
de lutador como pelo pitoresco de sua oratória, pois sabia enfrentar os
inimigos, com igual êxito, nos campos de batalha e nos debates da tribuna.
Da mesma família política deste bravo pela ação e pela palavra, que é Flores da
Cunha, não tinha, entretanto, os ímpetos magníficos e as arrancadas teatrais do
deputado gaúcho. Os seus discursos eram antes verdadeiras palestras, em
linguagem singela, quase sem gestos, ditos com uma voz anasalada, que lhes dava
mais graça, imprimindo-lhes um tom de intimidade familiar.
Foi na sessão de 1923, se não nos enganamos, que o Sr. Floro Bartolomeu se fez
ouvir com maior interesse pela Câmara. Um dos membros da comissão nomeada pelo
Sr. Epitácio Pessoa, quando na presidência da República, para estudar as obras
contra as secas, realizando em S. Paulo uma conferência sobre o assunto,
criticara severamente o domínio do padre Cícero nos sertões do Ceará.
Defendendo o famoso chefe do Cariri, o seu melhor aliado produziu uma série de
excelentes discursos, ricos de narrativas e observações sobre a vida sertaneja
do glorioso Estado nordestino.
Descreveu os costumes dos seus habitantes, os aspectos de seus povoados, as
manifestações de suas crenças, o movimento de suas feiras, o brilho de suas
festas, tudo, enfim, que pudesse realçar a vasta região por onde aquele
sacerdote estende a sua influência. E da tribuna parlamentar surge um novo
padre Cícero, bem diverso do que se conhecia através das versões jornalísticas,
de modo a reabilitá-lo no conceito dos que o julgavam apenas um caudilho de
batina, explorando o fanatismo religioso de turbas ignorantes em favor de suas
paixões políticas.
Nas rodas da Câmara e nas colunas da imprensa era comum chamar-se o Sr. Floro
Bartolomeu de “afilhado do Padre Cícero”. Não sabemos se o era, de fato. Mas o
que ele ficou sendo, depois da maneira feliz porque lhe recompôs a figura aos
olhos da Nação; foi o maior protetor de quem consideravam o seu padrinho, porque
o libertou do juízo errôneo que tanto lhe diminuía o valor. Daí a justeza do
título com que registramos a sua morte, pois deve ser mais grato à sua memória
que qualquer outro.
O Sr. Floro Bartolomeu morre com as honras de general de brigada, que lhe foram
conferidas pelo governo do Sr. Artur Bernardes, em homenagem aos serviços que
prestou à ordem constitucional, combatendo os remanescentes dos sediciosos de
S. Paulo, quando de passagem pelo interior do Ceará, na sua fuga à perseguição
das forças legais. Portador de antiga arteriosclerose, os seus padecimentos se
agravaram com as emoções, o desconforto e as canseiras da luta armada. É, pois,
mais um bravo, um bom e um legítimo patriota que tomba, em holocausto à defesa
da República contra as hordas de rebeldes, que as ambições facciosas
desvairaram ao ponto de convertê-los em bandoleiro da pior espécie.
“O PAIZ” -
10.03.1926
Realizaram-se
ontem os funerais do deputado Floro Bartolomeu, representante do Estado do
Ceará na Câmara Federal.
O cortejo fúnebre, composto de inúmeros automóveis, conduzindo pessoas da nossa
mais alta representação, amigos e admiradores do extinto parlamentar, saiu da
casa mortuária, à rua do Catete número 83, às 16 horas, para a necrópole de S.
João Batista, em Botafogo, onde teve lugar o sepultamento.
O Sr. Presidente da República, que se fez representar nesse ato pelo coronel
Vieira Cristo, seu oficial de gabinete, mandou fossem prestadas honras
militares ao enterro do Dr. Floro Bartolomeu, em virtude do decreto assinado a
2 do corrente.
Obedecendo a essa disposição, assim foi distribuída a força do exército:
Uma companhia da 2ª brigada de infantaria, com banda de música e bandeira, no
cemitério de S. João Batista; uma companhia do 1º regimento de artilharia
pesada, na praia de Botafogo, próximo ao pavilhão Mourisco, e um pelotão do 1º
regimento de cavalaria divisionário que escoltou o coche fúnebre durante o
trajeto.
Ao baixar o ataúde foram dadas as salvas regulamentares.
“O JORNAL” –
09.03.1926
FALECEU O
DEPUTADO FLORO BARTOLOMEU
TRAÇOS
BIOGRÁFICOS DO EXTINTO
Vítima de uma afecção no fígado, faleceu, ontem, às 19 horas, à rua do Catete,
83, o deputado Floro Bartolomeu, que, em estado de saúde muito melindroso, regressara,
há dias, do norte do país, onde fora em missão especial do governo.
Filho de dona Eufrosina Bartolomeu e do Sr. Virgílio Bartolomeu da Costa,
funcionário público na Bahia, nasceu o deputado Floro Bartolomeu naquele
Estado, em 1876.
Em 1904, com vinte e oito ano de idade, após haver-se formado em medicina,
seguiu para o Ceará, onde exerceu a sua profissão, passando, depois, a atuar na
política estadual.
Íntimo aliado do padre Cícero, pode dizer-se que foi um dos elementos mais
vigorosos nas lutas fratricidas criadas no interior cearense pelas ambições
políticas e os traços mais significativos de sua biografia de homem de luta e
de ação, surdem dos movimentos de rebeldia que o partidarismo, de um lado, e o
fanatismo, do outro, deram durante épocas diferentes e periódicas, um curioso
ambiente de agitação aos sertões cearenses.
Evocamos, em rápidos traços, páginas de história local que ainda se conservam
muito vivas na memória de todos, a fim de fixar de maneira mais sensível os
principais fatores que deram ao extinto certa notoriedade no mundo político
brasileiro.
Em momentos diferentes, quando as lutas do cangaço empolgavam a terra cearense,
o nome do deputado Floro Bartolomeu, ao lado do padre Cícero – esse como o que
outro Antônio Conselheiro do extremo Nordeste – enchia o noticiário dos
jornais, onde aparecia sob um prestígio quase lendário, que a distância e o
exagero desses instantes tumultuosos só em dar.
Dizia-se que, graças ao seu prestígio de herói nas zonas remotas dos sertões
cearenses – prestígio capaz de conduzir centenas de homens às armas –
ingressaria o Dr. Floro Bartolomeu na Câmara estadual cearense, em 1913, na
qual figurou até 1918.
Em 1921, foi eleito deputado federal, cujo mandato até agora desempenhava
Temos ideia de que a sua eleição despertou comentários na imprensa carioca e de
que o Dr. Floro Bartolomeu, da tribuna parlamentar, como das colunas
ineditoriais da imprensa, procurou refutar os conceitos então em voga,
produzindo a defesa do padre Cícero e legitimando sua ação nas lutas
desoladoras dos adustos sertões do Ceará.
O seu falecimento ecoará, certamente, por todo o país, onde o seu nome se
tornara suficientemente conhecido através dos múltiplos embates em que atuou de
maneira notável.
O seu sepultamento terá lugar hoje, às 16 horas, saindo o féretro da rua do
Catete, 83, para o cemitério de S. João Batista.
“O JORNAL”
(RJ) - 10.03.1926
O Dr. Artur
Bernardes, além de fazer-se representar nos funerais do deputado Floro
Bartolomeu, pelo tenente-coronel Vieira Cristo, seu oficial de gabinete, mandou
colocar sobre o féretro uma coroa com a inscrição: “Ao Dr. Floro Bartolomeu, o
presidente da República. ”
“O JORNAL”
(RJ) - 17.03.1926
Rezou-se
ontem, às 10 horas, no altar-mor da igreja da Candelária, a missa de 7º dia do
falecimento do deputado federal pelo estado do Ceará Dr. Floro Bartolomeu,
mandada celebrar por seu irmão Otávio Costa e família do extinto.
Esse ato religioso foi muito concorrido, notando-se, entre o grande número de
pessoas presentes, o dr. Artur Bernardes, presidente da República, representado
pelo coronel Vieira Cristo, oficial de gabinete da Presidência; Dr. Alaor
Prata, prefeito do DF, representado pelo Dr. Edmundo Machado; Dr. Miguel
Calmom, ministro da Agricultura, representado pelo Dr. Paulo Vidal; Dr.
Francisco Sá, ministro da Viação; padre Cícero Romão Batista, representado pelo
Dr. Milton Prates; senadores, deputados, outras altas autoridades da República;
famílias, representantes da imprensa e da agência americana, além de muitas
outras pessoas.
“O JORNAL”
(RJ) - 23.03.26
O GOVERNO
CEARENSE NÃO DEMONSTROU PESAR PELA MORTE DO SR. FLORO BARTOLOMEU.
FORTALEZA, 22
(O JORNAL) – O falecimento do deputado Floro Bartolomeu não mereceu nenhuma
manifestação de pesar por parte do governo deste Estado.
GAZETA DE
NOTÍCIAS (RJ) – 09.03.1926
DEPUTADO FLORO
BARTOLOMEU
SEU
FALECIMENTO, ONTEM, NESTA CAPITAL
Depois de
longos padecimentos, faleceu ontem, nesta Capital, à rua do Catete n. 83, onde
residia.
Figura de relevo na política nacional, o deputado Floro Bartolomeu era,
sobretudo, um temperamento combativo, assinalando-se a sua rápida, mas
brilhante carreira pela campanha movida no Ceará, não há muito, contra o
coronel Franco Rabelo, então chefe do governo cearense.
Amigo leal do padre Cícero, uma das mais prestigiosas forças políticas do
interior, o deputado Floro Bartolomeu, assumindo a direção dos correligionários
daquele sacerdote, esteve no campo da luta, chegando mesmo a exercer a posição
de governo revolucionário, com a queda do coronel Franco Rabelo, como
presidente da Assembleia Legislativa.
Naquele posto se manteve dignamente, cercado sempre da confiança dos seus
conterrâneos, até que se normalizou a situação, em a vitória dos ideais que o
animava e aos seus amigos, pela felicidade da terra que o viu nascer e que
sempre contou nele um dos seus mais sinceros e ardentes defensores.
Morre o deputado Floro Bartolomeu, que era diplomado em medicina, aos 50 anos
de idade, deixando o seu nome bem gravado na gratidão dos seus conterrâneos,
pela firmeza das suas atitudes.
Eleito deputado federal, a sua ação na Câmara serviu para comprovar, mais uma
vez, os seus muitos dotes pessoais, tendo ali se destacado como um parlamentar
consciente da elevada missão de que fora investido pela vontade dos seus
coestaduanos.
O enterramento do saudoso político e médico cearense será efetuado hoje, às 5
horas da tarde, saindo o féretro da rua e número acima citados para o cemitério
de S. João Batista.
“GAZETA DE
NOTÍCIAS” (RJ) – 10.03.1926
FLORO
BARTOLOMEU
Por decreto de
2 do corrente, ontem divulgado, foi, pelo Sr. Presidente da República, nomeado
general de brigada o deputado Floro Bartolomeu, que ontem, exatamente, falecia
de moléstias que o vinham, de há muito, combalindo.
A homenagem, que se pode dizer póstuma, a esse chefe sertanejo, é das mais
merecidas. Ele, que a havia conquistado, jamais a reclamara e, pode-se dizer
mesmo, jamais pensara em prêmio tão significativo e tão alto.
O deputado cearense, que ontem desapareceu, era, em verdade, uma dessas figuras
que nascem, naturalmente, de um estado de civilização. Domiciliado no alto
sertão cearense, entre gente belicosa por natureza, a sua missão consistiu em
aproveitar, política, econômica e militarmente, todas aquelas energias
desvirtuadas por falta de orientação. Amigo do padre Cícero, fez do Cariri, com
esses elementos, um centro de trabalho, de atividade e de riqueza. E trilhava
esse caminho pacificamente, quando, no movimento contra o governo Franco
Rabelo, lhe coube chefiar a avançada sobre a capital, onde, afinal, entrou,
depois de derrotar a polícia estadual em todos os encontros que teve.
Comandando forças irregulares, contingentes enormes de jagunços do mais alto
sertão, era natural que se temesse essa gente, sabidamente sanguinária. Os
jagunços de Floro Bartolomeu portaram-se, entretanto, de tal maneira, com tal
honestidade e tamanho respeito, que não se teve notícia de uma única depredação
praticada por eles, num percurso de oitenta léguas, que percorreram combatendo.
Esse homem disciplinador, temido pelos mais valentes, era, contudo, na cidade,
a mais atenciosa das criaturas. Na Câmara, todos o queriam, todos o estimavam.
Sabia comandar, porque sabia, também, obedecer.
O sertão perdeu, em Floro Bartolomeu, uma das suas figuras prestigiosas. O seu
nome ficará, entretanto, na terra em que viveu, cujas energias soube domesticar
paulatinamente, e utilizar em proveito da pátria, sempre que foi preciso.
“GAZETA DE
NOTÍCIAS” (RJ) – 12.03.1926
O deputado
Floro Bartolomeu, cuja personalidade só agora passou a ser discutida, deixou
vaga, na Câmara Federal, uma cadeira que ocupou, sem grande brilho, mas também
sem deslustre, durante quase duas legislaturas. Exerceu bem o seu mandato?
Que importaria sabê-lo agora quando, contra ele, quaisquer recriminações “post
mortem” seriam serôdias, senão selvagens pela desumanidade de que se
revestiriam?
Representava o sertão agreste do Brasil. E como sertanejo era bem o tipo do
caboclo destemeroso, rebelde aos requintes da civilização metropolitana,
sabendo arremeter contra os perigos, desdenhoso da vida, com a coragem
característica da gente sertaneja. As eventualidades da política fizeram-no,
certa vez, revolucionário. Dizem que foi leal na peleja e generoso na vitória.
Depois do triunfo, consolidou o prestígio, graças ao qual, mais tarde, havia de
ser deputado. A cadeira de legislador, porém, lhe não pertencia,
exclusivamente. Tinha-se a impressão de que ela era sua e do padre Cícero –
essa personalidade de complexa psicologia, que os sertões encobrem e a lenda
tanto tem deturpado. O padre Cícero é o oráculo. Nos sertões do Cariri quem
manda é ele. Nem as pedras rolam das montanhas altas se não for ao impulso da
sua vontade quase onipotente. Há multidões que pensam pela sua cabeça e legiões
de guerrilheiros audazes que se movem aos acenos de suas mãos. Floro Bartolomeu
era o aliado e amigo de todas as horas: completavam-se. Quem dispõe de votos no
Cariri e adjacências é o padre Cícero. Quem faz eleições e deputados é ele. Os
seus domínios são um Estado, praticamente autônomo, dentro do estado do Ceará.
Lá, a política dos outros não entra nem medra. Logo quem vai decidir da escolha
de substituto de Floro Bartolomeu, na Câmara, não são os partidos: é o padre
Cícero. E, em primeira mão, podemos informar que já ele designou o seu
candidato: é o Dr. José Geraldo Bezerra de Menezes, sertanejo também, seu
compadre e seu amigo.
Está eleito. Nem haja dúvidas sobre isto. Falou o padre Cícero e, nestas
cousas, quando ele fala... “Roma locuta est”.
“CORREIO DA
MANHÔ (RJ) – 07.03.1926
O deputado
Floro Bartolomeu havia regressado do sertão cearense, no fim do ano passado,
muito doente. Reconhecia que se lhe impunha um tratamento rigoroso. Entretanto,
o Sr. Floro Bartolomeu se viu na contingência de voltar ao seu Ceará, para
prestigiar os amigos. O deputado cearense acaba de volta dessa missão, e ainda
mais doente...
“CORREIO DA
MANHÔ (RJ) – 09.03.1926
Otaviano Costa
participa o falecimento, ontem, de seu irmão deputado FLORO BARTOLOMEU e
convida a todos os seus amigos para o enterro que se realizará hoje, às 5 horas
da tarde, saindo da rua do Catete, 83, para o cemitério São João Batista, pelo
que antecipa seus agradecimentos.
“CORREIO DA
MANHÔ – 10.03.1926
O deputado
Floro Bartolomeu teve honras militares.
Para prestar honras fúnebres ao deputado Floro Bartolomeu, formou ontem em
frente à sua residência, à rua do Catete, um pelotão de cavalaria, que escoltou
o coche até o cemitério de S. João Batista.
Em frente à necrópole uma companhia de guerra do 3º regimento, prestou honras,
tendo uma bateria dado as salvas regulamentares, por ocasião de baixar o corpo
à sepultura.
“JORNAL DO
BRASIL” – 20.03.1926
UM OBSERVADOR
DO SERTÃO
Não houve
nenhum favor nas honras militares que acompanharam o enterro do Sr. Floro
Bartolomeu. Na sua existência de lutas, ele mereceu os bordados do generalato.
Basta considerar que chegou a comandar uma força de cerca de 8.000 homens, na
revolução de 1914, quando o general Pinheiro Machado resolveu derrubar o
governo do Sr. Franco Rabelo. E a influência pessoal que exercia nos meios
sertanejos era o melhor testemunho de suas qualidades belicosas. Sem bravura e
sem atitudes guerreiras não se impressiona, nem se domina a população nordestina.
Floro Bartolomeu empunhou, também, um rifle de guerra e soube usar o chapéu de
couro e as cartucheiras de combate. A ação de suas tropas teve a eficiência
bastante para destroçar a polícia estadual e encurralar o Sr. Franco Rabelo na
cidade de Fortaleza. É certo que, daí por diante, a parte militar desapareceu
para que se exercesse a pressão política, a que devia Floro Bartolomeu, desde
os primeiros momentos, o apoio, para a campanha guerreira, desde o fornecimento
de munições, até os telegramas com que entibiar a resistência dos rabelistas.
Nem por isso se dissimula o relevo da atuação militar, não obstante as críticas
e as reservas apaixonadas do ilustre Sr. Rodolfo Teófilo, no livro em que
descreve.
Suspeito, porém, de que os melhores títulos do Sr. Floro Bartolomeu não são
esses merecimentos militares, a que se deu no último instante, o prêmio de um
generalato e a honra, de alguns tiros de canhão. No Brasil, devemos considerar,
nas vitórias guerreiras, menos o merecimento dos triunfadores do que a falta de
mérito dos derrotados. Parece que vencem as tropas menos abnegadas e costuma
haver extraordinária boa vontade em ceder o terreno. Acresce que a documentação
a respeito desses episódios deriva de fontes apaixonadíssimas, desde que as
pessoas serenas não escrevem, por isso mesmo, as suas impressões. Os
valorímetros mais aperfeiçoados fracassam na apreciação das virtudes militares
e não chegam a apresentar resultados, se não os maneja o partidarismo.
O Sr. Floro Bartolomeu tem outras virtudes, com que se impõe a atenção pública.
Ele foi um dos melhores observadores do sertão nordestino. Quando teve
oportunidade de explicar, na Câmara, fez um discurso magnífico, pelo que disse
do Juazeiro. Raramente se terá visto o sertão sob uma luz mais clara do que nas
páginas desse volume, que foi a melhor e mais eficiente defesa até hoje feita
em benefício do Padre Cícero.
Respondia o Sr. Floro Bartolomeu ao Sr. Paulo de Moraes Barros, quando este
ilustre engenheiro realizou uma conferência sobre o Nordeste, no regresso da
viagem que fizera em inspeção às obras contra as secas. O Sr. Moraes Barros
dissertou como um viajante apressado e cheio dos prejuízos de nossos costumes
litorâneos. Disse o que havia de diferença entre o sertão e os centros
semicivilizados que se estenderam às margens do Atlântico. As notas, que
trouxe, tiveram o vício e o defeito de semelhante paralelo, com que tanto se
vem deturpando o sertão e mentindo às realidades.
O Nordeste não é para ser visto sob a estreiteza de semelhantes preconceitos.
Ele cresceu lentamente, sob a influência de fatores próprios. E assim se veio
formando, pouco a pouco, uma população perfeitamente autônoma nos seus traços
característicos e na sua mentalidade. O Nordeste é um país, que deve ser
estudado nas suas peculiaridades, observando-se o seu povo dentro do ambiente
em que vive e não através dos costumes de centros litorâneos, desenvolvidos sob
a atuação de outros elementos e de outras causas.
Euclides da Cunha fez sobre si mesmo o esforço enorme dessa investigação, mas
lhe faltou, ao trabalho ingente e glorioso, a contribuição de um fator
indispensável: a sua maior identificação com o ambiente sertanejo, por meio de
uma longa permanência no Nordeste. Por isso, o quadro em que nos descreveu o
sertão, tem a altiloquência das epopeias e vale, no fixar os heróis, como um
alto-relevo de Pantheun.
Mas, na sua vida bravia, o sertanejo tem o mesmo merecimento com que nós outros
levamos a nossa existência pacífica. No Nordeste e aqui, todos nós cedemos ao
ambiente, adaptados às circunstâncias que nos rodeiam e às necessidades da vida
comum. São destinos diversos traçados sob a mesma força da adaptação.
O Sr. Floro Bartolomeu, no seu discurso, descreveu o Nordeste sem espantos e
sem desprezo. Observador perspicaz, a realidade surge completa e espontânea,
sem pompas de estilo e sem exageros de conceito. E se fosse necessário
comprovar a agudeza com que ele compreendeu o Nordeste, aí estaria a sua
vitória, no prestígio conquistado e mantido em toda a zona que tem no Juazeiro
a sua capital.
Esse homem experiente e lúcido recebeu no seu espírito as lições que a vida
reserva para os que a respeitam: “Como homem prático – disse ele – entendo que,
sobre umas tantas cousas não devemos falar conforme pensamos; ao contrário,
somos forçados a obedecer a um critério especial, encarando-as de acordo com as
circunstâncias que as cercam. ”
Eis aí um programa de filósofo, digno dos que mais se aprofundam nas sutilezas
da sociologia. E foi esse preceito que o conduziu, na sua observação do
Nordeste. O Sr. Floro Bartolomeu não se deteve na aceitação aparente do
princípio. Ele fez daquela norma uma das diretrizes do seu pensamento e tanto
nela se abeberou, que os seus olhos depois puderam ver, na sua realidade, o
sertão, que só se desvenda aos que se sujeitaram aos rigores dessa educação
prévia.
A sua explicação da influência do Padre Cícero sobre o sertanejo e o modo como
nos expõe o renome da Santidade do sacerdote ficam no domínio das coisas
compreensíveis e naturais. Os fanatismos enfileiram-se na sua narrativa sem
demasias de descrição, perfeitamente justificados na ambiência em que se
revelam. Não abusa da sugestão, nem da loucura, no explicar os fenômenos e vê,
lucidamente, o que há de normal nesses episódios, se se atende no meio
sertanejo.
O Sr. Floro Bartolomeu soube escapar do exagero desses pseudos saltos, que
fazem da analogia o fundamento de seus volumes. Ele retratou, em narrativas
simples e exatas, o sertão e o sertanejo. Compreendeu a normalidade das
vinganças, como processo de justiça; disse da honestidade e da bravura do
nordestino; relatou as suas virtudes domésticas, com que se formam solidamente
as famílias; não escondeu a crendice fácil e a ignorância.
No termo da leitura, não sabemos como julgar o Nordeste e, nem o absolvemos,
nem condenamos. Mas o próprio sertão, no seu desenvolvimento espontâneo, entre
circunstâncias ásperas e difíceis, sob o castigo das secas, de certo que não
pensou em se orientar para o bem, ou para o mal...
Barbosa Lima
Sobrinho
“O PAIZ” -
12.05.1926
O governo,
tendo na mais alta conta os serviços militares dos nobres deputados Flores da
Cunha e Floro Bartolomeu, no Ceará, concedeu a esses bravos compatriotas as
honras do posto de general de brigada, para lhes significar o seu reconhecimento
pela dedicação, denodo e desinteresse com que defenderam a ordem legal, pondo à
prova as mais eminentes qualidades no comando de tropas em operações.
Praz-nos sobremaneira fazer constar aqui, como uma demonstração de virilidade
moral de nossos compatriotas, afeitos à luta honesta pela vida, a formação de
batalhões patrióticos constituídos de cidadãos desejosos de servir dignamente
ao país para preservá-lo da ação funesta dos egressos da ordem.
Imagem de
Floro Bartolomeu
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