Pessoal, são
muitas, mas, muitas mesmo, as controvérsias que encontramos nos ditos por
aqueles que fizeram parte da saga do cangaço. Essas contradições, mentiras e
controvérsias aumentam quando chegamos à história dos ‘contos’ sobre o que
ocorreu na semana da morte do “Rei dos Cangaceiros”, e, principalmente, depois
dela. Já que não tinha mais ele para vir tomar ‘satisfações’. Aí a turma disse
o que queria, esquecendo, infelizmente, de relatarem a verdade. A verdade
parece ter ido para o papo dos urubus junto com a carne dos corpos que ficaram,
sem cabeças, no leito seco do riacho Angico, na fazenda Forquilha, no município
de Poço Redondo, Estado de Sergipe.
Riacho
'Angico' (Tamanduá), Fazenda Forquilha, Poço Redondo, Se. Um pouco acima do
local onde foram abatidos os cangaceiros. Sentido Sul. - foto Gilmar Leite
Tentaremos
mostrar, na medida do possível, o quanto a pessoa se perde por si própria, em
busca, talvez, de alguns minutos de fama.
Durval
Rodrigues Rosa, irmão de Pedro de Cândido, relatou por inúmeras vezes sua
participação na morte de Lampião e seus ‘cabras’, que ‘aconteceu’ na manhã do
dia 28 de julho de 1938. Só que, a cada narração, ele modificava sua ‘versão’,
e ia se afundando, cada vez mais, num lamaçal de mentiras.
Durval Rodrigues Rosa irmão de Pedro de Cândido
“(...) Durval
Rodrigues Rosa, foi um dos que mais se esmeraram em faltar com a verdade,
distorcer fatos e criar histórias fantasiosas (...).” (“Lampião – Sua morte
passada a limpo” – BASSETTI, José Sabino e
MEGALE, Carlos césar de Miranda. 1ª Edição, janeiro de 2011).
A seta, na imagem, mostra o corpo sem cabeça de Lampião
Virgolino
Ferreira não usou o coito do riacho Angico, na fazenda Forquilha, apenas uma
vez. A vez em que foi morto pela tropa comandada pelo tenente João Bezerra, na
manhã do dia 28 de julho de 1938, e sim, várias outras vezes. A fazenda era de
propriedade da família de Durval, família Rosa, e não só ele, como toda a
família, sabia dos acampamentos montados pelo “Rei Vesgo”, e concordavam, pois
era uma via de ganharem dinheiro.
Riacho
'Angico' (Tamanduá), na Fazenda Forquilha, Poço Redondo, Se. Vemos a sequência
do 'caminho' das águas, depois do local onde foram abatidos os cangaceiros. - foto Gilmar Leite
Durval Rosa em seus primeiros depoimentos aos pesquisadores citou por diversas vezes que
não sabia do envolvimento de seu irmão, Pedro, com Lampião. Essa declaração,
mentirosa, até que se pode entender, pois nessa época, logo após a morte do
‘Capitão’, a coisa não estava muito boa para o lado de quem fosse coiteiro.
“(...) Durval
afirmava que não sabia da ligação de seu irmão Pedro com o cangaceiro
(Lampião). Procurava com isso, isentar a si e ao resto da sua família da
prática de acoitamento, deixando apenas para Pedro esta responsabilidade
(...).” (Ob. Ct.)
Pedro de Cândido irmão de Durval Rosa
Para nós, uma
das maiores mentiras que Durval falou, foi dizer que organizou, disse como,
distribuir os homens para fazerem o ataque ao bando. Vejamos, a tropa era
composta de um Tenente, um Aspirante, um 3º sargento, cabos e soldados,
contratados ou não, todos tinham experiência em combates. Como deixariam um
rapazola, isso é o que ele era na época, montar o plano de ataque? Sem
cabimento. Os irmãos, Pedro e Durval, estando presos, foram obrigados a
mostrarem o local onde se encontrava o acampamento dos cangaceiros. E com certeza,
a principal informação e indicação, seria a localidade da tolda do “Rei”.
Um dos militares que fizera parte da campanha, Antonio Vieira, referiu assim, o
comportamento de Durval:
“(...) estava
assustado, com muito medo, tremendo como vara verde e com dificuldade até para
proferir algumas palavras (...).” (Ob. Ct.)
O filho de
dona Guilhermina se expandiu mais ainda nas mentiras quando, em certa ocasião,
relata que o tenente, comandante da tropa que atacou o acampamento, João
Bezerra, no dia anterior ao ataque, 27 de julho de 1938, enviara para o chefe
cangaceiro sacos de balas. Nessas ‘viajadas’, ele, em certo momento, fala que
quem leva a ‘encomenda’ é ele e o irmão, Pedro, no lombo de um jerico e,
pasmem, em outra, refere que o próprio comandante é transportador da
‘mercadoria’ até o coito.
“(...) –
“Pedro chegou aí, di noiti, cum dois sacos pesados. Qui teve qui levá num
jumento”
“-I os dois saco era cum bala!... i uma bola de fumo.”
“- As bala era Juão Bizerra que mandava!”
“Qui adispois Lampião disse a essi seu criado (a ele, a Durval). Qui só assim
podia amansá.”(...).” (“LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO – MENTIRAS E MISTÉRIOS DE
ANGICO” – COSTA, Alcino Alves. 3ª Edição. Cajazeiras, PB, 2011).
Estação telegráfica de Pedra de Delmiro. A mesma recebeu o
telegrama enviado pelo sargento Aniceto para o tenente João Bezerra. - Foto João De Sousa
Lima
Entre as
cidades de Pedra de Delmiro, hoje Delmiro Gouveia, e Piranhas, ambas nas
Alagoas, há uma distância considerável para se fazer duas viagens a pé de ida e
volta, mais uma de ida. Da pedra para Olho D’água do Casado, são uns 32 a 35 km
de distância, de Olho D’água do Casado para Piranhas, lá se vão mais 18 km,
totalizando uma distância de, mais ou menos, 50 km. Quando o comandante recebe
o famoso telegrama contendo “tem boi no pasto”, encontrava-se na cidade, ou
vila, de Pedra de Delmiro, AL, assim o aparelho, a máquina telegráfica da
estação ferroviária, recebeu a informação, passado de Piranhas, e o
telegrafista mostra-o ao comandante.
A
solidão das árvores que, sozinhas, guardam os mistérios do que, realmente,
ocorreu em Angico. Foto Gilmar Leite
Sabedores da
rede de informantes que o “Rei Vesgo” mantinha a ‘peso de ouro’, os militares,
acertadamente, começam a usar frases códigos para se comunicarem entre si. Além
dessa nova tática, usam de uma usada constantemente pelo ‘Capitão Lampião’, a
desinformação, ou seja, soltar notícias que estavam em determinado lugar, sem
nem lá terem passado. Deu certo com Lampião e seu bando, dando também certo com
a tropa militar.
Pois bem, respondendo ao subordinado, sargento Aniceto, acorda que deverão
encontrar-se fora da cidade de Piranhas. Que o mesmo subisse ao seu encontro
pelo caminho que levava à Vila de Pedra. Encontram-se no mato, ponto
pré-determinado e descem rumo à Piranhas. Não entram na cidade durante o dia,
para não chamarem a atenção. Esperam a noite cobrir aquela região com seu manto
negro para poderem adentrarem na metrópole.
Tenente João Bezerra da Silva
“(...) Na
véspera do ataque, ou seja, no dia 27 de julho, João Bezerra encontrava-se na
Vila de Pedra de Delmiro (...) recebeu informações passadas pelo sargento
Aniceto Rodrigues, de que Lampião estaria nas imediações. A partir daí, ele
começa uma verdadeira corrida contra o tempo no sentido de organizar a operação
que tentaria localizar e atacar o grupo de cangaceiros(...)” (“Lampião – Sua
morte passada a limpo” – BASSETTI, José Sabino e MEGALE, Carlos césar de
Miranda. 1ª Edição, janeiro de 2011).
Até aquele
momento, o tenente sabia que Lampião estava nas imediações de Piranhas, porém,
não sabia em qual localidade, e nas margens do “Velho Chico” havia diversos
lugares onde ele poderia ter-se arranchado. Só após a ‘visita’ que fazem a
Pedro, irmão de Durval, é que ficam sabendo de onde se encontravam os
cangaceiros.
Durval também
relata em diversas entrevistas que o Aspirante Ferreira de Melo, ao encontra-lo
em casa, estava completamente embriagado. Que os militares bebiam, é lógico e
claro, até sabemos da marca de uma aguardente que eles levaram nas embarcações
para irem bebendo, porém, estarem embriagados, já é outra conversa que
citaremos em uma outra matéria. Pois, bem, Rosa relata que o Aspirante, estando
totalmente embriagado, o joga da calçada embaixo.
Aspirante Francisco Ferreira de Melo
Há relatos de
que Ferreira de Melo fora vítima de cirrose, acometida devido ao consumo
excessivo do álcool, no entanto, não vejo como antes de uma operação tão
perigosa, o Aspirante sabia que iriam enfrentar Lampião, seus subordinados,
acreditamos que ainda não sabiam quem seria o adversário, beber para
embriagar-se.
Durval
cita-nos que fora espancado por um soldado da tropa e ao mesmo tempo defendido
por outro, que era seu parente, na caminhada rumo ao coito dos cangaceiros. O
Aspirante Ferreira de Melo declarou a um jornal em fins de 1965 que havia
ordenado dois subalternos liquidarem Pedro, seu irmão, quando o mesmo tivesse
terminado com a missão, ou seja, mostrar o coito, porém, segundo o próprio
militar, resolve deixá-lo com vida.
“Na realidade,
quando o conduzimos em demanda de Angico, levando-o com certa cautela, eu havia
autorizado a dois soldados que, tão logo fosse iniciado o tiroteio, acabassem
com a vida dele. Entretanto, apesar de não ser lá nenhum bom coração, resolvi
pensar de modo diferente, atendendo aos seus clamorosos apelos, sobretudo com
referência à família, que iria ficar desamparada. Assim sendo, através de
gestos (sinais), eu transmiti aos soldados que nada fizessem e deixassem-no ir
embora. E assim foi feito. Não posso esclarecer como ele escapuliu e foi bater
em casa, mas uma coisa posso afirmar: um mês depois da chacina, Pedro de Cândido
ainda tirava espinhos do corpo, um tanto inchado, em consequência da possível
carreira que dera, enfrentando os mandacarus, xique-xiques e todo tipo de
plantas bravas.” (Ob. Ct.)
A sede dos
policias era em Pedro. Todos desconfiavam de seu conluio com os bandoleiros,
porém, só vieram ter a certeza naquela noite. Assim, toda sua família ficou sob
o julgo de coiteiros, que para aquela época, repito, não era nada bom, e Pedro,
além disso, tinha agora a fama de traidor.
Se fôssemos
relatar toda distorção referida por Durval Rosa necessitávamos de um livro só
para elas. Resolvemos então, citar algumas que, para nós, são de maiores
importância, pois cravam-se exatamente nos momentos últimos do “Rei dos
Cangaceiros”, sua ‘Rainha’ mais nove companheiros e da única baixa militar
existente, a morte do soldado Adrião Pedro de Souza, o qual fazia parte da
tropa comandada pelo Aspirante Ferreira de Melo.