Por José Mendes Pereira
Na represa do
pequeno açude que passava nos fundos das terras de seu Galdino e do seu Leodoro
ambos, cuidavam de um plantio de melancia e jerimum, mais algumas mudas de
macaxeira e mandioca. E ali, após duas horas de trabalho forçado seu Galdino
convidou o seu Leodoro para amolarem as suas enxadas, isto é, limando-as, para
facilitar o corte no solo úmido, porque mesmo encharcado, estava meio duro. E
enquanto eles limavam as enxadas seu Galdino lembrou de um acontecimento
histórico a nível nacional, segundo ele, que em anos remotos uma família teve o
desprazer de ficar sem uma criança de 9 anos, porque ela misteriosamente
desapareceu dos olhares cuidadosos de toda sua família. E como a história já
estava preparada em sua mente, seu Galdino iniciou contando da seguinte forma:
- Meu compadre
Leodoro, a gente que é pai de família sofre muito. E principalmente quando as
coisas ruins acontecem com filhos pequenos. Com pessoas já adultas, e bem
adultas, a gente sente, mas não tanto. Agora, se for com criança é como se o
mundo caísse todo sobre a gente.
- É verdade
compadre Galdino, o sentimento por criança é muito diferente. O adulto a gente
sabe que está caminhando para o fim, e a criança está começando a viver.
- Compadre
Leodoro, continuando o que eu raciocinava para lhe contar. Estava na primavera.
A vegetação toda florida formava maravilhosos jardins de flores distribuídos
nos campos, e muitas árvores já estavam brotando os seus rebentos. Uma família
que havia chegado em Mossoró foi morar perto de onde eu morava quando me casei.
O casal tinha três filhos pequenos. O mais velho tinha mais ou menos 10 anos de
idade. Os outros dois cabiam dentro de um dedal. Os pais estavam morando numa
propriedade de um senhor chamado Chico Néo, mas não tinham nenhum vínculo empregatícios,
moravam de favores naquelas terras de rio perene. E aconteceu que numa tarde o
menino mais velho desapareceu dos olhares dos pais. Foi um aperreio dos maiores
já visto naquela região. Sendo ainda região que as casas eram distantes uma das
outras, mas mesmo assim, de repente, o ocorrido saiu por toda vizinhança, isto
é, o desparecimento do menino filho do novo morador.
- Sim senhor!
– Fez seu Leodoro. Fatos tristes acontecidos com crianças compadre Galdino,
mesmo não sendo filho nosso, a gente sente muito.
- É isso aí,
compadre Leodoro..., Ninguém sabia o seu roteiro.
Desaparecera mais ou menos 4
horas da tarde. O mundo desabou sobre aquela família. E ao saber daquele triste
acontecimento a vizinhança foi solidária, e de pressa cuidou de sair à procura
da criança. Um grupo de vizinhos tomou rumo ao Norte. Outro, ao Sul. Mais
outro, rumo ao Leste e por último, o grupo que eu estava, tomamos rumo ao
Oeste. E passamos quase a noite procurando esta criança e não a encontramos de
forma algumas.
- Meu Deus! -
penalizou seu Leodoro.
- O dia
seguinte fizemos as mesmas procuras à criança, mas não tivemos sucesso. E assim
fizemos buscas por toda mata da região durante 7 dias. Após os 7 dias de
procura vimos que a criança não mais estava viva, porque por onde ela estivesse
não encontraria alimentos fáceis. Talvez frutos e mais nada.
- Que
infelicidade dela! - Disse seu Leodoro coçando a cabeça.
- Mas veja
compadre Leodoro, o que aconteceu com 1 mês depois. Nesse período eu estava
vivendo de caçar mel de jandaíra, enxuí, Enxu, capuxu e outras abelhas mais. Ao
anoitecer desse dia, eu arrumei o meu material de caça, na intenção de sair
cedinho de casa. Machado, uma foice, uma picareta e um facão rabo de galo. E
assim fiz. Antes das 4 horas da manhã, do dia seguinte, encangalhei o meu
jumento, pus os caçoas e em seguida o meu material de trabalho, mais alimento,
caso eu sentisse fome. Como as matas são perigosas, porque vez por outra o
sujeito é ferido por um galho, um espinhos..., sempre que eu vou à mata, levo
comigo um pouco de álcool em uma garrafa, para colocar em ferimentos caso isto
me aconteça, além de fósforos para fazer fogo, porque tem abelhas que são
violentas no momento em que a gente inicia a retirada do mel. Com tudo pronto,
me mandei de mata adentro. Lá para as tantas encontrei um enxuí. Tirei-o. Em
seguida, fui entrando mais ainda na mata.
- O mato
estava fechado, compadre Galdino? - Perguntou seu Leodoro.
- Não muito,
mas não estava tão ralo assim. Pois bem..., em um lugar meio descampado,
resolvi permanecer alguns minutos, para que o jumento descansasse um pouco. E
olhando para frente, lá se vinha sabe quem, compadre Galdino?
- Não senhor,
eu não tenho ideia do que o senhor via em sua frente.
- Era uma onça
negra que vinha lentamente caminhando, e sobre o seu lombo eu percebi que era
uma criança.
- Uma criança
sobre o lombo da onça, meu compadre?!
- Isso mesmo o
que o senhor ouvi. Era o menino que tinha sumido da casa do novo morador.
Aquele que nós passamos dias e dias à sua procura dentro das matas.
- Mas que
sorte meu compadre Galdino, a onça não comeu o menino! E o senhor fez o que
para tomar a criança da onça?
- A onça ficou
muito brava quando me viu. Assim como uma gata que protege os seus filhos.
Claro que o menino não era nada dela, mas já fazia parte da sua amizade.
Seu Leodoro
permanecia ali, quase duvidando, mas não podia dizer nada contra. Afinal, eram
compadres e se respeitavam muito.
- Aí eu
pensei. Onça tem medo de fogo. Como eu andava com o álcool para usá-lo em
possíveis cortes de galhos na mata fiz tudo para que o menino descesse do lombo
da onça. E assim que ele desceu, eu disse que saísse de perto, porque eu ia
tocar fogo na mata. Dei uma boa seringada de álcool à direção dela. Risquei um
palito de fósforos na caixa, e joguei sobre o álcool. De repente, o fogo tomou
conta da mata. A onça não esperou mais por nada e se enfiou na mata, esturrando
que fazia dó. E o mais interessante foi quando a onça entrou na mata, a criança
me reclamou dizendo:
- Olha o que o
senhor fez! Ela já era a minha amiga!
- Meu Deus! -
Fez seu Galdino. E o menino compadre Galdino, o que aconteceu com ele?
- Depois que a
onça foi-se embora levei-o para minha casa montado na garupa do meu animal, e
em seguida, até a casa dos seus pais que fizeram uma das maiores festas que eu
vi naquela região.
- Eu dou por
vista compadre Galdino, como foi animada...
- A onça
sempre aparecia por lá, e quando me via, dizia:
- Seu Galdino,
eu não sou pedófilo, mas cadê a minha criancinha? Eu estou com tanta saudade
dela e ela de mim...!
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