Por: David de Medeiros Leite (*)
A ilha de Fernando de Noronha, no litoral nordestino, durante a Segunda Guerra, por sua estratégica posição geográfica, acolheu considerável aparato militar. Aldemar Duarte Leite, meu pai, que servia ao Exército brasileiro, ali esteve por quase dois anos. De vez em quando, ele contava algumas histórias daquele tenso período de sua vida.
Lembro-me de uma delas que tem muito a ver com nossa Mossoró, principalmente agora quando se comemoram os oitenta anos da resistência ao bando de Lampião. Os dias de folga da rotina militar na ilha não ensejavam maiores opções de lazer. As restrições limitavam os momentos de descontração que, invariavelmente, ficavam resumidos a jogos e outros passatempos improvisados. Certo dia, houve uma espécie de torneio de tiro ao alvo, onde o sargento Duarte — nome de guerra — terminou vencendo.
Em meio a abraços e cumprimentos festivos dos colegas, um prisioneiro — a ilha abrigava, então, prisioneiros políticos e do cangaço — aproximou-se e, a pretexto de felicitá-lo, entabulou um rápido diálogo:
— Atirando bem desse jeito, já sei que seu Duarte é de Mossoró... Qual é seu parentesco com Manoel Duarte?
— Sou sobrinho dele, por quê?
— O que ele conta a vocês sobre o “acontecido”?
— Ele não gosta de falar do assunto, e nós respeitamos seu silêncio.
Mas, hoje, por minha formação militar, vejo que ele agiu como agiríamos, por exemplo, aqui, em caso de ataque.
Papai, que nem estava preparado para a situação, foi muito feliz ao responder com admirável desembaraço, pois, além de não escamotear o assunto, sob pretexto de um possível medo de vingança, já que os prisioneiros conviviam soltos com eles, deixou claro que não iria acrescentar detalhes e, talvez, o mais importante, delimitou que “o acontecido” teria que ser visto sob um ângulo, ou raciocínio, de guerra, onde matar ou morrer são, infelizmente, inevitáveis conseqüências.
Por outro lado, mesmo considerando que à época do diálogo já havia sido transcorrido cerca de quinze anos do episódio, percebe-se que a derrota e as baixas do grupo, ocorridas no chão mossoroense, ainda permaneciam fortemente acesas para os remanescentes do cangaço.
A reserva que Manoel Duarte sempre mantinha em torno do assunto foi, no mínimo, sábia. Jamais aceitou fanfarrices, alardeando que cangaceiros tinham tombado sob sua mira, como muitos fariam.
Levou, ou melhor, continuou com sua discreta e honrada vida, após ter aceitado a convocação do destemido prefeito Rodolfo Fernandes, para que se entrincheirasse em defesa de sua gente, numa enorme demonstração de coragem e desprendimento.
Aliás, sempre que falo ou leio sobre este tema, termino me questionando: quantos desses nomes tão festejados e repetidamente homenageados em nossa cidade deixariam as chamadas “áreas de conforto” e arriscariam suas vidas em uma empreitada como essa?
Por isso, viva Manoel Duarte e todos aqueles verdadeiros heróis da resistência!...
(*) Advogado e Professor da UERN. - david.leite@uol.com.br
Enviado pelo poeta, escritor, pesquisador do cangaço e sócio da SBEC:
Kydelmir Dantas