Por Joel Aguiar
(Especialmente para o “Jornal de Notícias”)
UM JOVEM QUE DESDE OS 12 ANOS DE IDADE SE HABITOU À PRÁTICA DO CRIME – “VOLTA
SECA”, QUANDO CRIANÇA, FOI CHAMADOR DE BOIS NO ENGENHO CONTADOURO E DEPOIS
VENDEU QUEIMADOS NAS RUAS DE ARACAJU. NO “FOGO” DE CAPELA, O SICÁRIO “GATO” FOI
FERIDO NO BRAÇO – O JOVEM BANDIDO, DEPOIS QUE INGRESSOU NO GRUPO DE “LAMPIÃO”
NUNCA ESTEVE NO ENGENHO CENTRAL.
Tudo, nos sertões do Nordeste é, atualmente, triste e sombrio porque Virgulino
Ferreira conseguiu, à custa de indiscutíveis crimes, implantar um regime
bárbaro, em que a vida humana não tem garantias. Nos lares dos sertanejos não
reina o sossego. Matando e trucidando cidadãos honestos, violando donzelas,
Lampião vai deixando assinalado, por onde passa, o rastro das suas alpercatas
de couro cru. Diante da série desses negros crimes e horrorizado pelas notícias
que lhe chegaram ao conhecimento, Coelho Neto, pegou da pena, em brilhante
artigo, ao se ocupar do ousado bandido que assola as regiões nordestinas,
formulou essa pergunta:
“... De que poder satânico disporá esse Átila encourado para bater expedições
postas em seu encalço ou para escapar-lhes através de matas e caatingas,
tornando-se lhes invisível, ele e a sua caterva?”
Mas, o brilhante escritor que é o príncipe dos nossos prosadores, se apressa
logo em respostar o quesito que formulou com essas palavras cheias de verdade e
senso:
“... A crendice dos aterrados afirma ter ele o corpo fechado às balas,
acrescentando que não há ferro, por mais acerado que seja, que lhe atravesse a
vestia. Poderoso talismã tem ele e só por tal prestígio pode ser explicada a
sua permanência nos sertões espavoridos. Esse prestígio quem lho dá são os
politicóides dos quais ele é o capanga e o executor de alta justiça, com
direito de vida e de morte sobre quantos lhe seja apontados pelos magnatas da
politicalha, que o sustentam e amparam, munindo-o de armas, suprindo-o de víveres
e dando-lhe guarida e fuga quando a polícia lhe sai na pista.”
Ninguém melhor do que Coelho Neto escreveu sobre Lampião. Hoje, com as medidas
adotadas pelos governos, após o advento da Revolução, nós estamos vendo que o
sinistro bando está perseguido, desfalcado e sem dar assaltos aos seus lugares
prediletos, porque lhe faltam as informações e os víveres que dantes eram
fornecidos.
O plano de combate ao banditismo tem dado ótimos resultados. Em Sergipe, o
honrado interventor Maynard adotou tão enérgicas providências que Lampião
deixou de penetrar no Estado, e se o fez, ultimamente, foi usando de um ardil
covarde, mas não pôde, de forma alguma, permanecer no território sergipano,
fugindo, às pressas, para as caatingas desconhecidas. Em Bahia, o governo tem agido
energicamente. Frutos das medidas governamentais são as prisões de Volta Seca,
Passarinho e Bananeira, três ousados sicários que nós vimos aqui detidos e que
por nós foram interrogados sobre os horrendos crimes por eles praticados.
Vejamos o que nos disse Volta Seca.
No aprazível Largo Santo Antônio, em Bahia, está situada a Casa de Detenção.
Foi aí que encontramos Volta Seca, preso numa cela tocando um realejo que lhe
fora oferecido. É moreno, forte e no seu semblante não existem expressões
manifestas de que ele seja um criminoso nato. Fala sem embaraços e sorri
amavelmente, para as pessoas que o visitam.
- Conhece Lampião, desde quando? perguntamos.
- Quando eu tinha 12 anos de idade, entrei, a convite do “capitão”, para o seu
bando, no lugar denominado Gisolo, sertão de Bahia.
- Você é de Sergipe?
- Sou filho de Manuel Santos e nasci no Saco-Torto, perto de Itabaiana. Quando
menino trabalhei no Engenho Contadouro do coronel Antônio Franco e depois
estive em Aracaju. Conheço bem Itabaiana e Malhador.
- Conhece algumas pessoas de Itabaiana e de Malhador?
- Poucas. Conheço Dorinha que perseguiu o “capitão” e com quem o “capitão”
falou pelo telefone, e o senhor José Sotero. Percebendo a nossa curiosidade, o
bandido nos perguntou em que lugar morávamos.
- Capela, disse-lhe eu.
- Conheço muito. É uma “terra” grande e que recebeu o “grupo”, a primeira vez,
sem reação.
- Por que Lampião foi a segunda vez a Capela?
- Não sei. Lampião antes de “entrar” mandou saber se o recebiam sem novidades.
A resposta não veio e nós tivemos ordens para “entrarmos na cidade acontecesse
o que acontecesse” em vista do capitão ter recebido, de uma pessoa por mim
desconhecida, a notícia de que havia gente em armas, colocou na frente os seus
homens de mais confiança: Virgínio, eu, Labareda, Mariano e Gato, e tentou
invadir as ruas. Houve “fogo”. Atiravam muito contra o “capitão”. Só Gato, por
facilidade, recebeu um ferimento no braço. Brigamos em “campo raso”. Lampião
resolveu sair.
- Lampião vota ódio a Capela?
- Não sei. Ele nunca me disse que desejava ir mais nessa cidade; mas ele quando
é recebido a tiros fica guardando ódio. Capela não é lugar bom para nós porque
é perto de outras cidades.
- Você já viu o coronel Antônio Franco?
- Vi, quando menino. Sexta-feira última ele esteve aqui e eu não o reconheci.
Desde que passei para o grupo de Lampião que nunca mais fui ao Engenho Central.
- Lampião deseja mal a ele?
- Hoje, é bem fácil porque o “capitão” fez uma carta pedindo dinheiro e ele
disse que tinha bala.
O Antônio de Engrácia, que hoje é bandido do grupo Lampião, já foi trabalhador
do Coronel e dizia ao “capitão” que ele é um homem bom.
Eram cinco horas da tarde quando eu, Ernane Prata e João Prado, ambos
estudantes de Direito, deixamos as paredes do cubículo onde se acha Volta Seca.
O bandido nos prometeu contar algo sobre as incursões do sinistro bando de
Lampião, em Sergipe, no dia seguinte. E nós prometemos voltar.
OS BANDIDOS QUE TOMARAM PARTE NO “FOGO” DE SÃO PAULO – VIRGÍNIO QUIS MATAR O
INTENDENTE DE CAPELA QUANDO O BANDO ESTEVE NA CIDADE – ANTÔNIO DE ENGRÁCIA
PEDIU A LAMPIÃO QUE INVADISSE MACAMBIRA PARA ASSASSINAR O CORONEL JOSÉ RIBEIRO
– VOLTA SECA DIZ QUE IMPEDIU A MORTE DO DR. JUAREZ – PASSARINHO NUNCA ANDOU NOS
SERTÕES DE SERGIPE
Voltamos novamente à Casa de Detenção para ouvirmos a linguagem de Volta Seca,
desfiando, conta a conta, o rosário dos crimes praticados por Lampião e seus
asseclas. Além dos acadêmicos Ernane Prata e João Prado, foi em nossa companhia
o aplicado estudante de direito, Luiz Melo que desejava conhecer o jovem
bandido que era uma pessoa de confiança do famigerado Lampião. O nosso distinto
conterrâneo Tenente Hanequim, que com patriotismo, está colaborando na atual
administração baiana nos recomendara ao diretor do Presídio. Volta Seca nos
olhou com alegria e foi respondendo às inúmeras perguntas que nós lhe fazíamos.
- Que sabe do “fogo” de São Paulo?
- Eu não fiz parte do grupo chefiado por Corisco destinado a assaltar as
fazendas do município de São Paulo.
Esse grupo foi perseguido pelo coronel José Ribeiro e dele faziam parte:
Corisco, Beija-Flor, Cirilo, Mariano, Fortaleza e Bemtevi. Seis homens apenas.
Os melhores atiradores do nosso grupo. Ninguém foi ferido no tiroteio, apesar
de se dizer que Beija-Flor morrera. É notícia falsa!
- José Ribeiro é conhecido de Lampião?
- De nome, o bando todo o conhece e é tido na conta de homem disposto. Lampião
não lhe deseja mal, mas Antônio de Engrácia já pediu ao “capitão” para invadir
Macambira a fim de matá-lo.
- Quando foi isto?
- Nós estivemos a meia légua distante de Macambira e aí soubemos por um
fazendeiro que prendemos, que José Ribeiro tinha quinze homens armados. A data
não sei. Lembro-me bem de que Antônio de Engraça pediu ao “capitão” para
invadir o lugarejo, mas Lampião disse que nada tinha que ver com as questões
dos outros. Disse mais: Vá você com três homens. Antônio de Engraça não quis
ir.
- Que nos diz mais de Capela?
- Em Capela nós soubemos logo que o chefe político era sobrinho do presidente
do Estado. Era um moço baixo e Lampião o chamava “Major”. Virgínio pediu ao
“capitão” licença para matá-lo.
- E por que não matou?
- Porque Lampião dissera que lá ninguém nunca lhe fez mal e disse ainda a
Virgínio que se fizesse qualquer morte em Capela, “ajustaria as contas depois”.
- Lampião não tinha medo da Polícia, em Capela?
- Não. O “capitão” não tem medo “das forças”. Em Sergipe nós ouvíamos falar
muito num tenente Elesbão, mas ele nunca se encontrou com o grupo, apesar de
viajar muito. Em Capela disseram que vinham forças e o “capitão” só “tocou o
apito de retirada” pela madrugada.
- Lembra-se de Aquidabã?
- Muito. Invadimos as ruas pela madrugada. O delegado Dr. Juarez esteve com
Lampião e comigo: Percebendo eu que o “capitão” tencionava matá-lo aconselhei a
fuga.
- Como?
- Pedi ao doutor um copo d’água a fim dele sair de perto de Lampião e quando
ele foi buscar a água eu disse que ele fugisse, o que fez.
- Então você gosta de salvar os inocentes?
- Salvei muitos.
Nós sorrimos. Volta Seca quis nos convencer de que possui um coração afeito à
prática do bem. O caso do Dr. Juarez ele nos contou com seriedade.
Depois dessa prosa fomos olhar Passarinho, Nascimento, Faustino e Sabino.
Fizemos perguntas. Passarinho disse não conhecer o sertão sergipano, pois fazia
parte do grupo de Labareda. Conhecia Antonio de Engraça e nos disse que morreu.
Volta Seca contesta a notícia e nos diz que Engraça está em Alagoas.
Perguntamos ao Volta Seca onde se acha Lampião. Ele nos disse que ignorava. A
última vez que esteve com o “capitão” foi em Raso da Catarina. Lampião tinha 48
homens.
Tudo nos sertões é triste como o piado da acauã e doloroso como o gemido do
gado nas noites da seca. E Volta Seca em plena adolescência, numa idade em que
o homem sonha com o Trabalho e a mulher com o Amor, adere ao grupo sinistro
para matar e trucidar pessoas trabalhadoras e chefes de família honrados. Sua
história é triste. Diz que está arrependido. E quando nós lhe perguntamos se
ele assistira a um bárbaro crime que Lampião praticara no Candeal, em Nossa Senhora
das Dores, assassinando o infeliz Elpídio dos Santos, o ousado bandido, com as
faces entristecidas, nos contou que Lampião não ordenara essa morte, mas João
Baiano desacatando as ordens do chefe, matara covardemente o rapaz.
Em Sergipe fez-se processo contra Lampião. Pensamos ser o único que existe no
Estado. Em 28 de janeiro deste ano, o Dr. Nicanor Leal, cuidadoso juiz
municipal de Dores, em longo despacho, pronunciou Virgulino Ferreira. Como
promotor público da Comarca, os autos vieram às nossas mãos e louvamos a ação
das autoridades dessa Comarca.
Eis o que nos contou Volta Seca que alimenta a ideia, ou melhor, o sonho de
achar amparo na Lei, para sair da prisão, não para retornar ao banditismo, mas
para viver na sociedade.
Realizar-se-á esse sonho?...
JORNAL DE NOTÍCIAS – Aracaju: 19 de Abril de 1932 e 20 de junho de 1932.
Fonte: facebook
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