Por Professor José
Antônio Albuquerque
Em entrevista
prestada na Rádio Alto Piranhas, neste dia 08 de março, data dedicada à mulher,
a juíza Adriana Lins declarou que está sob sua guarda para julgamento 600
processos de violência contra a mulher e destes, 435 são de “pedidos de medida
protetiva”. São números que chocam e desnudam a vida social da cidade de
Cajazeiras.
No ano de 2003, portanto há 14 anos, já eram inúmeras as noticias de casos de
violência contra a mulher e diante de um fato que eu presenciei escrevi sobre o
assunto e volto a publicar porque não tem muita diferença entre aquele ano e os
dias atuais:
Outro dia encontrei uma mulher chorando, numa destas ruas ainda não calçadas de
minha cidade. Tive o ímpeto de parar, mas continuei a minha caminhada. Depois
de alguns passos, resolvi voltar e saber o que estava acontecendo. Por que
choras? E a mulher, uma criatura, que pela aparência demonstrava ser simples,
humilde e pobre levantou os olhos e disse: a coisa mais triste no mundo é
pobreza, desemprego e miséria. Já passava das dezoito horas, mas o sol ainda
reinava sobre a terra. Dava para vislumbrar que ela estava amedrontada e
insegura. Havia saído de casa, deixando os filhos, porque o marido, embriagado,
sempre a batia, quando bebia. Estava fugindo. Fugindo da violência. Não queria
apanhar.
Naquele momento veio-me na lembrança um verso que li, no dia 25 de novembro do
ano passado, data em que se comemora o Dia Internacional pela Eliminação da
Violência contra a Mulher, de autor desconhecido:
“Não existe mulher que gosta de apanhar
o que existe é mulher
humilhada demais para denunciar
machucada demais para reagir
pobre demais para ir embora”.
E voltei a falar pela segunda vez: por que a senhora aceita esta situação, por
que não denuncia, por que não deixa este homem? E chorando, não encontrou
respostas para minhas perguntas.
E voei novamente com a minha imaginação para o tempo que estava na faculdade.
Lembrei-me de uma colega de classe. Nesta turma, éramos apenas 18. Havia mais
mulheres que homens. E eu saído, das brenhas de serras dos sertões da Paraíba,
educado dentro de padrões tradicionais, onde a mulher deveria ser sempre
submissa e obediente, admirava muito esta colega que sempre acompanhava a turma
para as “noitadas” recifenses sem dar nenhuma satisfação a ninguém. Enquanto a
maioria, nem sequer nos acompanhava. Só com o tempo é que descobri que ela
trabalhava, ganhava um bom dinheiro e era “independente”, armas que a mesma
possuía para abrir os caminhos que conduzem as mulheres a libertar-se de
situações de humilhação e de submissão e que muitas outras não têm: dinheiro e
educação.
E a indefesa mulher continuava a chorar. Voltou-me a lembrança do verso: não
tinha forças para denunciar, estava machucada demais para poder reagir e tinha
em cima de si uma das piores chagas, retiradas do ventre da sociedade
discriminatória, era pobre demais e não tinha para onde ir. A única saída era
ceder para não ser abatida, como uma ave no seu vôo, em busca da liberdade.
Escondia-se nas ruas, aguardando o seu marido adormecer para voltar ao ninho, humilhada
e machucada na alma e nos sentimentos.
Quantos lares nesta minha pobre cidade não vivem este drama? A violência contra
a mulher tem sido uma constante. Na delegacia da mulher, quase todos os dias
tem um novo caso de violência registrado, inclusive um que a mulher de tanto
ser maltratada, teria chegado a óbito. Vê-se claramente que o tecido da
sociedade familiar fica cada vez mais esgarçado.
Das entranhas da miséria a violência tem renascido nutrida pela fome, pela
pobreza, pelo desamor, pela falta de Deus, pelo desemprego, pela total falta de
escolaridade, pelo preconceito social e acima de tudo pela falta das poderosas
armas do arsenal dos tão badalados Direitos Humanos. A sociedade tem deixado de
plantar, no lugar do violento, o fraterno.
E saíram dos lábios da triste mulher: “é porque o senhor não sabe o quanto dói
esta dor. É a dor que dói mais e não sei até quando vou ter de carregar esta
minha cruz”.
Desolado e triste continuei a minha caminhada. Até hoje, não consegui retirar
da memória as lágrimas de dor daquela mulher. O marido desempregado, aluguel,
água e luz atrasada, sem bolsa escola, sem bolsa família, sem vale gás, sem
nada, sem nada, sem nada. A única saída do também pobre pai e marido: afogar as
dores e tentar superá-las e esquecer na embriaguez. Este talvez seja o retrato
de muitos lares de nossa querida Cajazeiras. “Quem não dá o pão ao faminto quer
a violência”.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso.
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