Por Jose
Tavares de Araújo Neto
Em carta,
datada de 06 de agosto de 1698, à Manoel Soares Albergaria, Governador da
Capitania da Paraíba, o Capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo relata que nas
primeiras horas da manhã do 19 de julho, dia das santas católicas Justa e
Rufina, sua expedição havia realizado um ataque de surpresa contra a aldeia dos
índios Pegas, deixando um sado de 32 mortos, 72 presos, além de grande
quantidade de índios feridos. Vangloriava-se o Capitão-mor no seu nefasto
escrito que havia autorizado a matança de muitos dos prisioneiros por serem
incapazes, o que sugere que todos sobreviventes, como idosos, crianças mulheres
e feridos, foram executados porque no entender do comandante da expedição não
tinham nenhuma utilidade para o serviço escravo. A barbárie só não atingiu
proporções maiores porque entre os tiros e a fumaça produzidas pelas estranhas
armas dos invasores muitos nativos assustados se embrenharam mata adentro.
Em 1711, o
Arraial do Piancó é elevado a condição de Freguesia, unidade mínima da
organização geopolítica do reino português que permitia uma limitada
independência político-administrativa. Além da delimitação de área geopolítica,
a medida permitiu que fossem nomeados Juiz Ordinário, Escrivão e Tabelião,
escolhidos em Assembleia pelos “homens bons”, denominação dos membros da
comunidade que tinham relevância social. Uma das primeiras medidas tomadas pela
nova ordem foi a imposição de trabalho aos “vadios” e promoção de castigos aos
“delinquentes”, que na prática significava uma forma velada de impor trabalho
escravo e maus tratos aos indígenas que não permanecessem em suas aldeias.
Neste mesmo ano, chegam a localidade o Padre Antonio Saraiva da Silva e seus
irmãos Inácio Saraiva de Araújo e João Saraiva da Silva. O Padre Antonio
Saraiva, missionário da ordem de Santo Antonio, considerado o primeiro pároco
do Arraial de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó, atual Pombal/PB, com
atuação durante o período de 1711 a 1718, vai ter uma importante participação
em defesa dos índios Pegas, dos quais passa a ser catequizador.
A
aldeia dos índios Pegas, situado onde hoje é o Centro Histórico da cidade de
Pombal/PB, foi massacrada pelo expedição do bandeirante Teodósio de Oliveira
Ledo, na manhã de 19 de julho de 1698. Os sobrevivente que não foram feitos
prisionais se aldearam nas confluências dos rios Piranhas e Piancó, a cerca de
uma légua de distância de onde foram expulsos.
À medida em
que os colonizadores iam ocupando o território as aldeias iam sendo removidas
para áreas mais interioranas, apesar dos ineficientes esforços dos indígenas em
permanecerem em suas terras. Em 1730, o capitão-mor João de Miranda reclamava
da necessidade de transferência dos Pegas, Panatis, Icós e Corema, sob a
argumentação de que como as aldeias estavam situadas entre as fazendas de gado,
os criadores estavam submetidos a prejuízos causados pelos constantes roubos de
gados praticados pelos indígenas. Em pouco tempo, os Pegas já se encontravam
aldeados nas várzeas do Riacho dos Porcos, nas imediações da Serra de Patu.
Desde que
foram expulsos do Piancó,os Pegas já haviam sidos enxotados de duas localidades
nas margens do Piranhas. Assessorado pelo Padre Antonio Saraiva, o Capitão-mor
dos Pegas Francisco de Oliveira Ledo, (não confundir com este que os índios
denominavam Chico, com o homônimo Capitão-mor de Piranhas e Piancó, que só
chegou a região em 1757), requere ao Governador do Estado uma data de sesmaria
na Serra do Paxicú, conhecida pelos colonizadores como Serra Branca, localizada
entre o Rio Upanema, afluente do Apodi, e o Rio Piranhas, nos termos da
Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó. Em suas alegações, o
Capitão-mor dos índios indica as limitações do local e afirma que sua tribo
necessita de uma data de sesmaria, sem vizinhança nenhuma, onde possa assentar
sua aldeia para criação de gado e plantação de lavoura, sem mistura com os
brancos.
Em 12 de
janeiro de 1738, Pedro Monteiro de Macedo, Governador da Paraíba, concede aos
Pegas uma data de sesmaria, “com três léguas de comprido e uma de largo”,
localizada no flanco sul da Serra do Peixacó.
Diferente do
que imaginavam, em pouco tempo na sua nova morada, os Pegas iriam constatar que
estavam em uma zona bastante conflituosa, em que os índios nativos da região e
os sesmeiros disputavam entre si cada palmo daquele chão. Em 1740, dois anos
após terem chegados ao local, os Pegas são expulsos pelos irmãos Carlos Vidal
Borromeu e Clemente Gomes, auxiliados pelos índios Paiacus, indo viver na no
setor mais ao leste, na Serra da Cepilhada (onde hoje está situada a Cidade de
Campo Grande, no Rio Grande do Norte). A nova aldeia se confronta com terras
pertencentes ao Capitão João do Vale Bezerra, influente sesmeiro, muito ligado
aos Governadores da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Em 1750, o Padre Antonio
Saraiva adquire uma sesmaria que se confronta ao Sul com terras dos Pega e ao
Poente com propriedade do Capitão João do Vale.
A
cidade de Campo Grande foi edificado no local onde era a quarta aldeia dos
índios Pegas. Depois de Pombal, se aldearam em duas localidades do Rio Piranhas,
depois no Riacho dos Porcos e Serra de João do Vale.
Em 1757, as
Pegas enfrentam uma nova disputa de terra, desta feita com o Capitão João do
Vale, que havia conseguido junto ao Governador da Paraíba autorização para
expulsá-los da vizinhança de suas terras. Em represália, os índios invadem as
terras de João do Vale, matam gado e tocam fogo nos roçados e pastagens. O
Capitão presta queixa e pede providências ao Governador de Pernambuco, que
manda um Ouvidor apurar a querela. Na época, já era Capitão-mor de Piranhas e
Piancó Francisco de Oliveira Ledo, xará do antigo Capitão-mor dos Pegas, que
agora ocupava o cargo de Governador da tribo. Em defesa dos Pegas, o Padre
Antonio Saraiva recorreu aos bons préstimos do seu amigo Capitão-mor de
Piranhas e Piancó, que organizou uma forte expedição militar e foi até o lugar
do conflito, uma clara demonstração do seu poder bélico. Por outro lado,
utilizando-se do prestígio político de sua família, o Capitão-mor fez queixa
diretamente ao Rei de Portugal, qualificando a atitude do Governador da Paraíba
como um abuso contra o direito dos indígenas.
D. Jose I
determinou a permanência provisória dos índios e solicitou que o Governador de
Pernambuco, a qual a Capitania da Paraíba era subordinada, elaborasse um
relatório sobre a contenda. Em seu parecer, o Governador de Pernambuco se
posicionou favorável a permanência dos Pegas em suas terras. O Governador disse
que havia constatado que os Pegas estavam situados em terras propícias a
fornecer-lhes todo o necessário para o seu sustento, e que, segundo os
moradores da região, estava havendo uma disputa entre João do Vale e o Padre
Antônio Saraiva, que missionava entre os índios, cada um pleiteando o flanco de
serra do outro para benefício próprio. Em resposta, a Coroa emitiu um parecer
pedindo a demarcação das terras em questão para dirimir as dúvidas sobre o que
cabia a cada sesmeiro e em seguida, ressaltou que o padre deveria se limitar às
questões espirituais em relação à aldeia. Para dar satisfação ao Governador e a
Coroa Portuguesa, o Bispo de Pernambuco aplicou uma multa de 200 mil réis ao
Missionário dos Pegas.
Em 25 de maio
de 1759, o Governador de Pernambuco, Luiz Diogo Lobo da Silva, informava à
Corte Portuguesa que havia iniciado os procedimentos para instalações de novas
vilas, em consonância com as determinações emanadas do Diretório dos Índios.
Dizia que já havia convidados os representantes dos principais aldeamentos de
sua jurisdição para comparecerem a Recife a fim de serem melhor esclarecidos
sobre as novas advindas da Corte. Acrescentava o Governador, estar bastante preocupado
com a possibilidade de que a informação da saída dos missionários, seus fiéis
protetores, pudesse gerar insatisfação, causando distúrbios e conflitos entre
os índios e os novos emissários régios que deveriam assumir seus postos nas
novas missões.
Em 1760,
falece o Padre Antonio Saraiva, deixando os Pegas mais vulneráveis as
investidas ambicionais dos colonizadores. A partir de então, a sobrevivência da
tribo iria depender exclusivamente da coragem e resistência dos seus bravos
guerreiros, guarnecidos por suas armas rudimentares e obsoletas, mas
indispensáveis à caça e à defesa. Sem o seu conselheiro e líder espiritual, a
tribo ficou sob o comando dos líderes Francisco de Oliveira Ledo (Chico), agora
no cargo de Governador dos Pegas; o Capitão-mor Francisco Pereira Carneiro e
Clemente Gomes, que também já havia ocupado o posto Capitão-mor.
Em 1761, a
aldeia dos Pega já estava arrolada entre as que deveriam ser desapropriadas e
os seus moradores fossem removidos para habitarem nas povoações que deveriam
ser transformadas em vilas. A legislação portuguesa determinava que as pequenas
aldeias deveriam ser incorporadas uma as outras constituindo um único núcleo
habitacional, de forma a viabilizar a formação das novas vilas, que deveriam
contar com uma população mínima de 150 casais. Estas incorporações deveriam ser
antecedidas de reuniões em separadas com cada tribo, nas quais haveria
explanação com toda clareza sobre as diversidades das culturas e demais
circunstâncias que poderiam enfrentar, seguida de consulta e pronta aprovação
das respectivas tribos. Em maio deste mesmo ano, o Juiz de Fora Dr. Miguel
Carlos Caldeira de Pina Castelo Branco, responsável pelo processo de formação
de novas Vilas, estava na Serra dos Pegas.
A
Vila de São José do Rio Grande, hoje São José do Mipibu/RN, em 1761, foi
povoada pelos índios Pegas e Potiguaras.
Em relatório
ao Governador de Pernambuco, Castelo Branco se pronunciou favorável a
transferência dos Pegas, sob o argumento de que onde eles habitavam havia pouca
água, as terras tinham pouca utilidade para os índios e muita para a pecuária
dos colonos e que “a desordem das plantas é inexplicável, e o fruto que delas
se colhia tão pouco, ou tão mal aproveitado que quase todos os índios estão
nus, e só as mulheres ocultam com folhas de árvores as partes que a natureza
ensina a cobrir”. Um laudo com conclusões completamente conflitantes com as que
o Governador de Pernambuco tinha apresentadas quatro a anos antes, o que
demonstra que foi elaborado na medida certa para atender os interesses dos
colonizadores, que almejavam a expulsão dos índios das proximidades de suas
fazendas e se apossarem das suas terras.
Sob a alegação
de passar em revista, os índios foram convocados para um alistamento. No dia
marcado, os Pegas compareceram munidos de suas inseparáveis armas, cujo poderio
bélico se resumia a arcos, flechas e algumas poucas espingardas. O Juiz de Fora
Castelo Branco fez uma explanação sobre a nova política indigenista que a Coroa
iria pôr em pratica, prometendo terras boas para morar, criar seus animais e
plantar suas lavouras, além de armas modernas para caça e proteção. À medida
que os índios iam se alistando, seus arcos, flechas e espingardas iam sendo
recolhidos, sob o argumento de que aquelas armas eram reprovadas pelo Rei, e
que seriam substituídas por outras mais modernas, como merecem os soldados
reais. Em pouco tempo os Pegas ficaram completamente desprotegidos.
A
comunidade do Sítio Pega, em Portalegre/RN, é formada por descendentes de negros
escravizadas e índios Pegas. A imagem de São Gonçalo, que pertenceu ao líder
indígena João do Pega, é uma relíquia que a comunidade tem muita veneração.
Recolhida as
armas, foi iniciada a reunião, na qual foi proposto a transferência para a
Missão do Apodi, na Serra do Regente, onde seria instalada a Vila de
Portalegre, se juntando aos Paiacus, que já se havia sido transferidos para no
lugar. A sugestão foi de pronta refutada pelos Pegas, que alegaram ser velhos
inimigos dos Paiacus, referindo-se desavença iniciada desde a batalha de 1740,
quando foram expulsos de sua primeira moradia, logo que chegaram à Chapada do
Apodi. Diante da negativa, o Juiz de Fora determinou monocraticamente que os
índios iriam ser transferidos para a Missão de Mipibu, indo se juntar aos
potiguaras no povoamento de São José do Rio Grande, atual São José do
Mipibu/RN.
Não realizando
a consulta, o Juiz deixou de levar em conta a imensa diferença cultural entre
as duas tribos. Os Potiguaras pertencentes ao grupo dos Tupis, que falavam o
idioma Tupi, habitavam na zona litorânea e tinha relação amistosa com os
colonizadores; os Pegas, do grupo dos Tapuias, que habitavam o interior,
falavam outro idioma e mantinham uma relação bastante conflituosa com os
colonizadores. Apesar da contestação de uma parte considerável, ficou mantida a
decisão do Juiz, que marcou para o dia seguinte o início da caminhada rumo a nova
morada, uma jornada de mais de 50 léguas.
A Lei do
Diretório dos Índios determinava a obrigação de consulta à comunidade indígena
quando as vilas fossem constituídas por grupos de etnias diferentes, a fim de
evitar futuras animosidades entre tribos de culturas distintas. O Juiz Castelo
Branco disse em seu relatório que não havia consultado a vontade dos Pegas
porque tinha a absoluta certeza de que nada haveria que os convencessem a se
mudar do lugar onde habitavam. No que se pressupõe que a Lei só era aplicada
para aqueles que o magistrado tinha certeza que iriam dizer ”sim”.
Na chamada,
realizada logo após a missa, foi constatado a presença de cento e quinze
casais, contando os casados, os viúvos e a mulheres solteiras com filhos; e
trinta rapazes com idade de manejarem armas. Como já era esperado, tendo em
vista o histórico de resistência da tribo, houve uma elevada defecção. Grande
parte dos índios contrários a transferência buscou refúgios nos lugares mais
inacessíveis da serra, a fim de se proteger de uma provável imposição das
forças púbicas. Já havia sido definido que a caravana deveria seguir com os
presentes e a situação dos ausentes seria definido em uma outra oportunidade.
Os bens dos Pegas deveriam ser levados a hasta pública e os valores empregados
exclusivamente em seu benefício, principalmente na construção das casas na nova
povoação e compra do necessário para cobrir sua nudez. O Juiz havia realizada
uma campanha junto aos vizinhos do Pegas, principais beneficiados com sua
ausência, que deveriam ficar livres dos “contínuos roubos e furtos”, no sentido
de arrecadar recursos para cobrir as despesas com mantimentos e possíveis danos
cometidos durante a viagem.
A
transferência dos Pegas para a Missão do Mipibu foi realizada de forma
compulsória e abrupta, utilizando-se um rigoroso esquema militar. Os índios
foram submetidos aos mesmos moldes utilizados em condução de prisioneiros de
guerra. Homens, mulheres, crianças, anciãos, inclusive pessoas com limitações
de locomoção, cercados por uma tropa de cavaleiros fortemente armados, com uma
atenta vigilância durante todo o percurso, afim de eliminar, a qualquer preço,
as chances de deserções. Chegando ao destino tudo estaria resolvido, pois havia
um consenso de que a enorme distância era uma muralha quase intransponível,
capaz de impedir o sucesso da teimosia dos indígenas que por ventura desejassem
retornar ao lugar de origem.
Em julho de
1761, o Governador do Rio Grande do Norte informou dos constantes conflitos
entre as duas tribos e que grande parte dos Pegas havia fugido, permanecendo
apenas vinte, dos cento e cinco casais que haviam chegado à Missão do Mipibu. O
Juiz de Fora Castelo Branco juntou-se as forças públicas e seguiu pessoalmente
no encalço dos foragidos. Os índios foram localizados e cercados próximo ao Rio
Miriri, região de Mamanguape, na vizinha Capitania da Paraíba. Apesar de fuga
de alguns, a maioria do grupo foi capturada e seus líderes, o Governador
Francisco de Oliveira Ledo, o Capitão-mor Francisco Pereira Carneiro e Clemente
Gomes, que também já havia ocupado este posto, no mês seguinte foram
encaminhados para Recife.
O Governador
de Pernambuco havia ordenado ao Juiz de Fora que fizesse um Auto de Sumário
para averiguar os furtos e mais insultos praticados pelos índios pega, pois, no
seu entender, era por demais necessário identificar os mentores dos furtos,
motins e fugas, ocorrido no mês anterior. Foram testemunhas do sumário o novo
Diretor dos Índios da Missão do Apodi, futura Vila de Portalegre,
Tenente-Coronel José Gonçalves da Silva, o Capitão Francisco da Costa Passos,
morador da Serra de Martins e o Capitão Matias Antônio Afonso, fazendeiro da
Freguesia do Açu, que foram unânimes em afirmar que os Pegas livres em sua
serra não só roubavam o gado das fazendas e destruíam as roças, como também
praticavam assassinatos. Em sentença proferida em 6 de dezembro, o Governador
de Pernambuco, sob a argumentação de haver constatado evidências da verdade dos
delitos nos autos do Sumário, condenou os três líderes ao degredo para Angola,
colônia portuguesa, localizada no continente africano.
Em meados do
mês de julho, já retirados os que não seguiram para a Missão do Mipibu, foram
leiloadas as roças, mangas de pastagens, caprinos e casa se farinha,
totalizando um valor de 310 mil réis. No dia 19 de novembro, foi levada a hasta
pública a propriedade adquirida em 1938, através de Carta de Sesmaria, desde
então conhecida por Serra dos Pegas, arrematada por 420 mil réis pelo Capitão
João do Vale Bezerra, o mesmo que em 1757 havia requerido a “expulsão” dos
Pegas daquele lugar, o que só não veio a acontecer graças a providencial
intervenção do Capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo.
Dos 730 mil
réis arrecadados pela venda do patrimônio dos Pegas, 100 mil foram destinados à
conclusão da Igreja da Vila de São Jose, outros 100 mil para investimentos na
Vila, a título de quitação dos 200 mil réis da multa que Bispo havia imposta ao
falecido Padre Antonio Saraiva. Outra parte foi empregado na construção da Casa
da Câmara e Cadeia, ironicamente sob a argumentação de que os índios seriam os
mais beneficiados, quando se sabe que a Câmara era exclusividade para os
“homens bons”, representantes da elite branca, sobrando para os índios a
indesejável estadia na cadeia. O restante do dinheiro destinou-se ao pagamento
dos Desembargador e seus auxiliares pelos serviços de instalação da vila e em
empréstimos ao Capitão-mor e ao Sargento-mor da Vila.
Por fim, a
Vila de São Jose do Rio Grande foi instalada em 22 de fevereiro de 1762, com
uma população de 1235 índios, Potiguaras e Pegas, e 5 Companhias de Milícias
com 250 Praças. Em 1779, o Diretor da Vila de São José foi denunciado por não
repassar dinheiro destinado ao pagamento de diárias por trabalho efetuado pelos
índios. Em atendimento a queixa dos índios, o Ouvidor determinou que toda a
pessoa que deu ao dito Diretor algum dinheiro pertencente aos índios, no prazo
de oito dias o venha declarar, sob pena de terem que pagar pela segunda vez. No
ano seguinte foi nomeado um novo Diretor, com recomendações e advertências a
respeito do fiel cumprimento das normas estabelecidas no Diretório, inclusive
um Livro numerado pelo Corregedor da Comarca que sirva para lançar a Receita e
Despesa da Fazenda Real. A medida pareceu inócuo, pois ao longo dos anos as
denúncias persistiram, a exemplo de 1810, quando Oficiais da Câmara fizeram
queixas de que o Diretor recebia o pagamento das diárias e não entregava aos
índios e também o acusavam de tirano, que fazia uso da força, oprimia, usurpava
e roubava o suor e o próprio sangue dos que regam a terra. Os Oficiais pediam
que fossem apuradas as queixas e que se mandasse restituir a estes pobres e
miseráveis vassalos tudo que lhes tem sido usurpado do seu suor.
Logo que os
Pegas foram encaminhados à Missão de Mipibu, em junho de 1761, os remanescentes
que permaneceram no Apodi foram retirados de suas terras e aldeados em uma
faixa de terra nos arredores da recém-criada Vila de Portalegre. Os
colonizadores faziam vista grossas aos protestos da comunidade indígena, que
recamava da péssima qualidade da terra, que não oferecia as condições mínima
para a sua subsistência.
Dia após dia,
os nativos se mostravam cada vez mais impacientes diante da insensibilidade dos
colonizadores, que para os colonos reservaram terras boas, enquanto que a eles
sobraram terras emprestáveis. Em 1825, sob a liderança de Luíza Cantofa e João
do Pega, os índios atacam a Vila de Portalegre, resultando na morte do delegado
de Polícia, Capitão Bento Ignácio de Bessa, e o suicídio do Coronel Vieira de
Barros. No dia 03 de novembro, já restabelecida a ordem, os índios foram feitos
prisioneiros. A pretexto de que seriam encaminhados à cadeia de Natal, a cerca
de uma légua da Vila de Portalegre foram obrigados a improvisar uma grande cruz
utilizando árvores do local e depois de colocados lado a lado, foram friamente
fuzilados. No dia 03 de novembro, já restabelecida a ordem, os índios foram
feitos prisioneiros. A pretexto de que seriam encaminhados à cadeia de Natal, a
cerca de uma légua da Vila de Portalegre , após serem obrigados a construir uma
grande cruz e rezarem um terço, foram colocados lado a lado e cruelmente
fuzilados. O macabro evento culminou com um saldo de 70 índios mortos, só
escapando João do Pega e a índia Jandira, que conseguiram fugir. Na verdade, a
suposta sobrevivência do cacique João do Pega nunca foi comprovada, já que após
o trágico episódio ele nunca mais foi visto, o que suscitou muitas lendas em
torno do seu nome.
Após a
tragédia de 1825, os indígenas sobreviventes, órfãos de líderes, recolheram-se
em sua aldeia, distanciando-se dos olhares discriminatórios do restante da
população, que os viam como filhos da maldição. Apesar de submetidos ao
isolamento social, os indígenas sempre se mostraram receptivos ao acolhimento
dos negros escravizados, alforriados ou fugitivos, que buscavam abrigo em suas
terras. Consequentemente, essa aproximação entre as duas etnias promoveu
vínculos matrimonias interracial. A comunidade conserva com muito zelo e
respeito uma imagem der São Gonçalo, relíquia histórica e religiosa que teria
pertencido ao lendário João do Pega.
Em 07 de
fevereiro de 2007, o Governo Brasileiro, através da Fundação Palmares,
reconheceu que a população e a área que ocupam têm relação com os antigos
quilombos. A comunidade passa, então, a ter direitos e amparos legais,
estabelecidos pelos artigos nº 215 e nº 216 da Constituição Federal, que
preveem defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro e a obrigação do
poder público em promovê-lo e protegê-lo.
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