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sábado, 8 de fevereiro de 2020

CARTINHA AO BICHO-PAPÃO

*Rangel Alves da Costa


Seu bichão, seu feião, aceite minhas saudações... Espero que não se incomode com essa cartinha, pois sei que talvez nem leia o que está escrito, a não ser que com ela seguisse algo para você abocanhar de vez com essa gulodice descomunal.
Eu bem poderia ter escrito essa cartinha e enviado para outros bichos, outros seres sobrenaturais e outras assombrações iguais a você. Poderia ter sido escrita para a bruxa da vassoura, para o duende, o saci-pererê, o bicho da mata, o cavalo de fogo ou os olhos de fogo, pois tudo parte do meu universo passado e daquelas estórias para amedrontar menino traquina. Mas envio a você por uma – imagine – afeição que fui gestando em mim ao longo dos anos.
A verdade é que escolhi você pelo simples fato de que sempre fez parte de minha infância e ainda hoje eu tenho a sensação - senão certeza - de que continua debaixo da cama. Talvez continue mesmo, não duvido nada, ainda mais sabendo quem você é. Mas na minha criancice eu tinha medo mesmo. Qual menino que não tinha medo assim que o seu nome era dito de forma ameaçadora?
Tudo e seu nome sempre era envolvido. “Se não comer a papa eu chamo o bicho-papão”, “Se não dormir logo o bicho-papão vem lhe pegar”, “Se chorar eu chamo o bicho-papão que está debaixo da cama”. Você era um saco, sabia? Ninguém falava em realidade da vida, nas desgraças do mundo, nas durezas em tudo, mas somente em você. Ninguém dizia coisas boas, ninguém falava em esperança e felicidades, mas só em seu nome.
Parecia mesmo que, através do medo, o bicho-papão era serventia pra tudo. Contudo, era precisamente a sua ausência que mais me enchia de medo. Saber, mesmo falsamente e pelos outros, de sua existência, porém sem jamais o avistar, era o mais aterrorizante. Sabia que estava embaixo da cama, pois todo mundo dizia que você estava lá, que dormia ali, que só saia daí para pegar criança teimosa como eu. Meu quarto possuía uma cama, mas embaixo dela havia sua moradia. E nunca saia, sempre estava ali com suas feiuras e presepadas.
A imagem que me passavam era de uma medonhice sem tamanho. Um bichão feio, bem feio mesmo, de cabeça grande, olhos de fogo, dentes longos e afiados, mãos que chegavam a quase meio metro. E uma fome terrível de criança teimosa. E estava ali, bem ali debaixo da cama. Diziam-me até que você engolia criança malina e cheia de teimosia com uma cara de satisfação danada, e depois sempre pedia mais. Coisa terrível, não era seu bicho-papão, seu feião?
Muitas vezes, depois de uma reinação qualquer e já meninote, eu até achava que avistava suas mãos imensas e feias e suas unhas pontudas saindo debaixo da cama. Também acreditava ouvir sons estarrecedores e tinha certeza que era você. Mas você nunca apareceu. Fui crescendo, crescendo, e você nunca apareceu. O que não afastou nada da certeza de sua existência. Sei que existe sim, e tanto assim que agora estou enviando essa cartinha. No envelope escreverei assim: “Ao Bicho-Papão, debaixo da cama do meu quarto”.
Quero agora, contudo, fazer uma confissão: prefiro a sua existência, a sua contínua existência perto de mim, a outros bichos-papões que estão, de carne e osso, do lado de fora da porta. Seu bicho-papão, o verdadeiro bicho-papão é o homem. Não há mais lugar para ilusões ou temores infantis, vez que os bichos que estão por aí são tão verdadeiros quanto nossos tormentos. E ninguém precisa dizer que existem, pois todos são avistados nas violências, nas barbáries, nas atrocidades cotidianas.
Que bicho feroz é o homem! Prefiro mil vezes conviver com você, amigo bicho-papão, que me deparar com a maldade humana. Nesta não há ilusão nem saída, apenas o terror e o medo real. Existe bicho-papão, e de verdade, mais terrível que o homem? Duvido. O homem é capaz de toda maldade do mundo, e tudo feito pelo puro e consciente instinto da perversidade. O instinto de perversidade é tamanho que a satisfação exigente parece ser aquela que provoca o luto, a dor, o sofrimento, a descrença das graças da vida. Um ser humano revestido do mal e a maldade sendo propagada como coisa comum, tudo sendo tratado como banalidade.
As histórias contadas sobre você, amigo bicho-papão, ainda que pavorosas demais, sequer chegaram perto do que o bicho da vida real consegue fazer. Mil vezes prefiro conviver com a ilusão de sua presença a ter de me deparar com a brutalidade existente após a porta. As ruas são selvas, os seres são bichos, a vida é um grito de dor.
Então, amigo bicho-papão, peço que continue aí debaixo da cama. Até vou jogar um travesseiro para que você durma melhor. Qualquer coisa me avise, por favor. Sei que, assim como eu, também passará a ter medo dos bichos-papões da vida real. Sem mais para o momento, um grande abraço!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

O GENUÍNO POVO BRASILEIRO



"O genuíno brasileiro é o mestiço produto das três variedades – branca, vermelha e preta, que sob o céu brasileiro, não se mantiveram imóveis, contemplativas, ociosas, uma ao lado da outra, pelo contrário, cruzaram-se, quando não, trocaram ideias, sentimentos, costumes, gestos e serviços."

Silvio Romero, no "Diário de Pernambuco", de 25.05.1901
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (Lagarto, 21 de abril de 1851 — Rio de Janeiro, 18 de junho de 1914) foi um advogado, jornalista, crítico literário, ensaísta, poeta, historiador, filósofo, cientista político, sociólogo, escritor, professor e político brasileiro. Wikipedia.

Do acervo do Antônio Corrêa Sobrinho


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FLORO BARTOLOMEU



Floro Bartolomeu
Fonte:
MACEDO, Nertan.
Floro Bartolomeu, O caudilho dos beatos e cangaceiros.
Rio de Janeiro: Editora Imagem, 1970.


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A HISTÓRIA QUE NOS PERDOE. MAS POR QUE NÃO SE CONTA DE UMA VEZ A VERDADE SOBRE O CANGAÇO?


Higino José Belarmino

Dizer que Padim Ciço, um santo, fez Virgulino Ferreira um bandido é um sacrilégio. Mas o santo fez o bandido virar capitão, sim, embora historiadores do cangaço omitam esse episódio em seus livros. Há outras omissões. Embora os personagens da História ainda estejam dispostos a depor para a História. Por enquanto, porque estão todos muito velhos.

O coronel aposentado Higino José Belarmino, o homem que mais combates travou com Lampião e seu bando, durante a primeira fase do cangaço, até 1928, desistiu de ler qualquer livro, jornal ou revista que trate desse assunto. Tem dois motivos para isso. O primeiro é pessoal: até hoje, segundo ele, ninguém descreveu corretamente a morte dos dois irmãos de Virgulino Ferreira, Antônio e Livino, considerados por todos como mais violentos, ferozes e ousados do que o irmão. Prova é que morreram logo, em combates com o então tenente Higino. O segundo motivo – e o que mais irrita o coronel – é a sua obsessão pela minúcia. “Já perdi a conta dos doutores (escritores, jornalistas, sociólogos) que vieram aqui falar comigo. E esta é a segunda vez que trazem a maquininha (gravador)”. A maioria dos entrevistadores do coronel conversava horas – até dias – com ele, anotando um dado ou outro, geralmente datas. “Um negócio feito assim só pode sair torto”, diz ele. O coronel está alertando, com muita seriedade, todos os estudiosos do assunto.

A maioria dos livros históricos – que fique claro: a maioria – ou ensaios sobre cangaceirismo parte de premissas discutíveis (alguns até partem de preconceitos) ou escolhem, a esmo, um determinado ângulo do fenômeno. Então temos livros que, sem maiores explicações, rotulam Lampião de “revolucionário”, vestem-no de Robin Hood, tratam as volantes como “forças opressivas” e, no fundo, descrevem o velho lugar comum que leva o leitor a identificar o bandido como mocinho e vice-versa. Se a intenção é politica, esses escritores perdem, nos seus preconceitos, ótimos detalhes que até ajudariam a defesa de suas teses; que, por exemplo, os métodos usados pela polícia na luta, em nada, mas em nada mesmo, se diferenciam dos métodos dos cangaceiros. Quando o coronel Higino diz que “eu era um boi”, fica claro sua identificação com os inimigos. A volante, enfim, seria um grupo de cangaceiros funcionários públicos. Igualmente ferozes e ingênuos. Outros pontos: não é possível pesquisar o cangaço sem o conhecimento profundo da República Velha, das condições socioeconômicas do Nordeste, na época, da psicologia do seu povo, das complicadíssimas árvores genealógicas, os clãs, os feudos, as pequeninas máfias. Como falar de cangaço sem o entendimento das relações estado-igreja-povo? A função dos beatos, o messianismo, o compadrismo político, tudo isso contribuindo direta e indiretamente para a formação dos bandos sanguinários, na verdade manuseados por uma série de elementos que vão desde o cínico senhor feudal às relações econômicas do Nordeste com o Centro-Sul. Há um exemplo edificante, de um homem que pesquisa o assunto há mais de vinte anos e ainda não escreveu o seu livro: o paulista Antônio Amaury C. Araújo.

À medida que ele avança no conhecimento do cangaceirismo, mais dados lhe são exigidos. Talvez uma pesquisa dessas, que além de muita cultura e paciência, obriga a gastos inestimáveis de dinheiro, nunca venha a ser feita no Brasil. A solução poderia estar num trabalho de equipe, financiado por uma riquíssima instituição cultural. E alguém teria realmente interesse de esmiuçar tão obsessivamente um período regional da História do Brasil? É fácil concluir que um trabalho assim é impossível, mas não se pode perdoar a desonestidade (ou o despreparo, vá lá) de alguns autores. Como é possível perdoar um “historiador” que, pelo simples fato de venerar o Padre Cícero do Juazeiro, omita da sua “história do cangaço” o episódio da “promoção” de Virgulino Ferreira a “capitão”?

Alguns personagens desta página – todos da primeira fase do cangaço, a mais desconhecida, que vai de 1914 a 1928, quando Virgulino atravessou o rio são Francisco e foi brigar na Bahia – estão dispostos a testemunhar, depor. Ainda podem chegar à minúcia. Mas os historiadores bem intencionados devem se apressar: a média de idade dessa primeira fase está por volta dos oitenta anos. A arteriosclerose começa a apagar a memória de muitos. A morte natural está bem próxima. E logo agora que se descobre que cangaceirismo está longe de ser um assunto esgotado pela História, como dão a entender os representantes do sensacionalismo escrito, falado, filmado e televisionado.

O ESTADO DE S. PAULO – 31/07/1973


Do acervo do Antônio Correa Sobrinho

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HOMENAGEM A MARIA LÚCIA ESCÓSSIA

Maria Lúcia em foto de Lindomarcos Faustino


Por Lúcia Rocha
luciaro@uol.com.br

Fotos de Lindomarcos Faustino, Geovânia Gomes, Marta Noberto e Asclepius Saraiva

          O Relembrando Mossoró realizou na manhã do sábado, dia 8, homenagem a ex-diretora do Museu Histórico Lauro da Escóssia, professora, pesquisadora e historiadora Maria Lúcia Escóssia, aposentada, que se recupera de cirurgia de fêmur e vive situação de cadeirante.
          Maria Lúcia está com 90 anos de idade e sua lucidez impressiona, porque relembra os acontecimentos de sua vida e da cidade, pois acompanha desde garota todos os movimentos sociais, culturais, educacionais, políticos, artísticos e de desenvolvimento econômico de Mossoró e região.
         Ao chegar no museu por volta das 9 horas, acompanhada de familiares, da irmã caçula Marta e de vários sobrinhos, da apresentadora da TCM, Lilian Martins, Maria Lúcia foi recepcionada pelos barraqueiros da Feirinha de Produtos Orgânicos, que há mais de dez anos funciona na lateral do prédio do museu, sendo abraçada e cumprimentada por todos, posou para fotos e ganhou brindes, inclusive.


Feirantes da Feira de Produtos Orgânicos puderam rever a amiga de muitos anos.
O abraço da feirante de coalhada

         Maria Lúcia entrou no museu que dirigiu por mais de dez anos, após cinco anos de ausência e, pela primeira vez, assinou o livro de visitas. 




         Ao adentrar o museu, Maria Lúcia passou a elogiar o ambiente, relembrou momentos que ali viveu. Na grande sala onde estão expostas as fotografias e equipamentos de Manuelito Pereira, explicou como participou, juntamente com o museólogo Hélio: "Na reforma, eu que ajudei a escolher as fotos, levando poeira, eu que coloquei todos os nomes dos abolicionistas, nesse tempo, guardamos alguns objetos numa sala para selecionar e Julierme Torres, vivia aqui para fotografar e colocar no jornal. Outra vez veio um repórter de televisão, entrou gravando, dizendo que não existia mais museu e que os presos iriam voltar para cá, eu falei: 'O quê?'", provocando risadas.
         Em meio à explanação do que viveu enquanto trabalhou no museu e com os presentes, como castanha, por exemplo, que recebeu de uma feirante, ela exclamou: "Menina, estou me sentindo uma rainha".
         Diante da foto de Manuelito Pereira, ela o cumprimentou e comentou: "Quando Manuelito chegou em Mossoró, eu era muito pequena, mas ele veio morar próximo de nossa casa, na Praça da Redenção, tínhamos amizade, ele ia tirar nosso retrato, mas enquanto não arrumasse nosso rosto, do jeito que ele queria, não batia a foto, era muito detalhista. O estúdio dele, era vizinho ao hoje Teatro Lauro Monte Filho, as melhores fotografias da época eram de Manuelito".      



Fotos de Manuelito Pereira escolhidas por Maria Lúcia e museólogo


                                              Maria Lúcia deu uma aula sobre o museu


        Maria Lúcia foi levada para a sala onde dava expediente, foi aplaudida e confessou que era a melhor parte do museu, pois ali estão arquivados todos os jornais da cidade, dentre eles, o principal, fundado por seus ancestrais, O Mossoroense, fundado no Século IXX. Ela agradeceu a presença de todos os familiares e da irmã Marta, citou o nome de todos os sobrinhos. 
O reencontro com o pesquisador e frequentador do museu, Lindomarcos Faustino e...


... Com o ex-colega de museu, Júnior.

     Após visitar todas as instalações do museu e os jardins, Maria Lúcia veio para a pracinha onde teve seu Dia de Princesa, recebeu diversas homenagens, através de palavras e poesia. O diretor do Museu Histórico Lauro da Escóssia, Asclepius Saraiva, falou em nome dos colaboradores, disse que o museu está aberto a toda comunidade, informou sobre número de visitantes em sua gestão, agradeceu a presença de todos e, especialmente, a visita ilustre de Maria Lúcia.  

                          Na pracinha, Maria Lúcia recebeu as homenagens

Diretor do museu, Asclepius Saraiva

A cantora e poetisa Goreth Alves, que se apresenta em escolas, mostrando sua arte, também falou em nome da classe artística, enaltecendo as qualidades de Maria Lúcia, de quem disse ser fã.  Goreth lembrou que Maria Lúcia foi atriz e que recebeu um título como atriz coadjuvante. "Comecei a admirar essa mulher forte, que gosta de arte, pelo trabalho que passou a fazer aqui no museu, como guardiã da cultura. Você é um exemplo para todos nós que a conhecemos. Muito obrigada por existir". 


                                                           Com a poetisa, Goreth Alves

A professora e escritora Conceição Maciel elogiou o encontro, que considera uma ideia brilhante: "É um resgate para homens e mulheres de nossa cidade para reconhecimento dos mossoroenses, isso é muito importante, principalmente Maria Lúcia, que é uma pessoa ímpar, faz parte do patrimônio cultural da cidade, é uma pessoa que vendeu um prêmio em nível nacional, como atriz. Quero exaltar esse evento de resgate à memória da cidade. Darcy Ribeiro dizia que o Brasil é o maior país do mundo a destruir as memórias, parecia que tinha uma máquina para destruir o talento dos homens e que quem tinha um passado de glória, era aniquilado. Acho essa ideia da revitalização da memória, fantástica. Tido o chapéu para Lúcia Rocha e Lindomarcos Faustino. Ressalto meu carinho por Maria Lúcia por seu espírito pesquisador e por sua mentalidade sempre dinâmica".
 
A acadêmica, Joana Fernandes Coelho, membro da AFLAM - Academia Feminina de Letras e Artes de Mossoró - exaltou a figura da mulher mossoroense: "Primeiro quero agradecer a Lúcia, Lindomarcos e Asclepius, pelo acolhimento nesta casa, nesse templo da sabedoria e dizer que Maria Lúcia é um exemplo, ela não tem somente o talento da poesia, o talento de ser atriz, inclusive, Maria Lúcia foi pandeirista de uma orquestra feminina, ela e minha mãe tocaram. É bom que se resgate essas histórias, pois Maria Lúcia é uma fazedora da história de Mossoró. Quantas mulheres estão na periferia, no anonimato, são mulheres que fazem a sua história, e quantas fizeram a história de Mossoró no anonimato e não aparecem? Por que que não aparecem? Porque não têm chance e eu não concordo. Acho que deve se resgatar quem quer que seja, mulheres da periferia. Hoje é Maria Lúcia, por que não chamar uma benzedeira, uma rezadeira, uma parteira que ajudou colocar crianças no mundo? Quantas pessoas têm em Mossoró que vieram ao mundo pelas mãos de parteiras leigas? A AFLAM já fez homenagem a Madalena, que fez história, curou muitas crianças. Sugiro que tragam não somente mulheres intelectuais, mas mulheres lá da ponta, que fizeram história. Maria Lúcia será capa da revista comemorativa aos dez anos da AFLAM, a ser lançada no próximo dia 20, na Biblioteca Municipal, ela está sendo homenageada em vida, de coração e quero encerrar minha participação: nem tiranas, nem escravas, o que queremos ser é cidadãs, é o que você é".          


                                        Joaninha Fernandes enalteceu a força da mulher

Joaninha, professora Marta e Maria Lúcia

A professora Marta Noberto enfatizou o que testemunhou: "Nem preciso fechar os olhos para ver você de luvas com umas pinças juntando todas as partes dos jornais sem danificar, isso é muito presente na minha memória, então, esse seu amor pela memória, pela cultura, pela história, pela preservação da comunicação, pelos jornais, sua luta em preservar tudo isso, incentiva-me a ser cada vez mais zelosa por nossa memória, não somente do município, mas da nossa família, porque cada um tem uma história de vida bonita, antes que a memória delete, temos que anotar para preservar, como Canindé aqui presente fez com a história dele e Lúcia pela iniciativa, e que todos nós tenhamos como meta: trazer uma, duas ou três pessoas em cada encontro desses, para elas sentirem que são importantes suas participações na sociedade.    

A pequena Jhully, poetisa natalense, filha de mossoroense, passando as férias em Mossoró, mas que tem comparecido a esses encontros no museu, declamou uma poesia, exaltando a figura dos avós, deixando Maria Lúcia encantada com a garota de apenas seis anos de idade.

A pequena poetisa, Jhully encantou Maria Lúcia

Maria Lúcia agradeceu, lembrou do quanto batalhou para trabalhar no Museu Histórico Lauro da Escóssia: "Quando comecei a trabalhar, o museu era na parte superior, no térreo, funcionava a biblioteca. Cheguei no tempo de Lauro da Escóssia como diretor, foi na gestão de João Newton, na década de 1970. Pedi para trabalhar aqui, mas João Newton disse que não, porque eu sou Escóssia, então, briguei com ele. Estou contando a história porque ainda sei contar história. Mamãe entrou na briga com João Newton, disse que eu precisava me empregar porque estava desempregada, no fim, ele aceitou. Eu trabalhava no Grupo Escolar Joaquim Borges, eu achava que meu lugar não era de professora, mas de museu. Eu gostava, vinha bastante aqui no tempo de Tio Lauro, pedi a transferência a João Bosco Fernandes, que era o diretor da escola. Quando Tio Lauro saiu, Raimundo Soares de Brito assumiu e me colocou para pesquisar Dorian para a edição do livro com as crônicas dele, encontrei inclusive a primeira crônica de Dorian e ele me agradeceu. Doutor Vingt-un também me colocou para pesquisar para outro livro de Almeida Castro. Comecei a trabalhar no O Mossoroense, em 1946, mamãe que pediu a Tio Lauro esse emprego, à época, o jornal era na Coronel Vicente Saboia, onde depois foi a Casa Chacenai. Eu subescrevia as reportagens e despachava os jornais nos Correios. Ninguém tinha vínculo empregatício, dois anos depois tirei umas férias em Natal e no retorno Tio Lauro disse que não precisava de mim mais não. Fui trabalhar no comércio, na Mossoró Comercial, depois com Miguel, filho de Miguel Faustino. Hoje é um dia muito importante para mim porque estou retornando para visitar o museu, sai em 2015, passei aqui trinta e um anos. Na prefeitura passei trinta e oito anos e dois meses e esses trinta e um anos, dediquei-me exclusivamente ao museu. Eu trabalhava três expedientes, porque trabalhava no museu, na escola e na Cosern. Foi muito bom retornar porque vi que tudo está no mesmo lugar, como deixei há cinco anos. Estou bastante feliz, agora tenho certeza que tenho muitos amigos, tem muita gente que gosta de mim porque eu gosto de todos. Às vezes, pela idade, esqueço o nome de alguém, ainda não estou esclerosada, graças a Deus, mas estou muito feliz, muito agradecida com vocês. Então, o que eu posso fazer por vocês? Posso recitar uma poesia".
O que gerou aplausos do público. E continuou:
"A árvore da serra, Augusto dos Anjos", prosseguiu Maria Lúcia:

As árvores, meu filho, não têm alma!
      E esta árvore me serve de empecilho...
          É preciso cortá-la, pois, meu filho,
         Para que eu tenha uma velhice mais calma. -      - Meu pai, por que sua ira não se acalma?
 Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?
        Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma!...
Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado branco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra.

Maria Lúcia finalizou dizendo: "Hoje meu dia vai ser completo de alegria e me chamem enquanto estou viva, estou muito feliz porque estou vendo hoje minha história".     


Amigos de Maria Lúcia e da cultura participaram da homenagem

Maria Lúcia posa para fotos com novos amigos

Crianças, adolescentes e adultos posam 

Familiares de Maria Lúcia: irmã Marta e sobrinhos

                                                           Joaninha, Maria Lúcia e Canindé           

                                    Livros para comercialização...

                                                     ... E degustação do público


                 À direita, Jussana Wanderley, que trouxe filho e amigas de Baraúna

                        Goreth Alves, Lúcia Rocha, Conceição Maciel e Canindé, além das crianças.


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O COITEIRO



Sancho sem Pança

Lampião passara inativo vários meses na Bahia. Às vezes, corriam boatos de que se agrupara ao bando dos (...), de Horácio de Matos, de Franklin, de Pilão Arcado. Mas apareciam logo informações de que estivera, com sua gente, em Curaçá, em Riacho Seco, no Morro do Chapéu.

Andava nas feiras, homiziava-se em fazendas. Arranjava dinheiro, mediante intimação. E a Polícia fazia vista grossa. Havia uma espécie de modus vivendi tácito, um arranjo informal.

Um dia, porém, o caldo entornou. E iniciaram-se os entrechoques. Virgulino, já fartamente municiado, volta a Sergipe. Penetra em Monte Alegre. Avisado por um menino, certo comerciante responde-lhe, na vista dos fregueses: “Sou homem, tanto quanto ele o é. Será homem por homem...” Virgulino, com um caibra ouvem, já dentro da casa, a fanfarronice do proprietário.

- Qui tá dizendo? – Pergunta-lhe.

- Se eu soubesse qui o sinhô tava aqui, nun dizia. Mas Cuma já dixe, tá dito...

O caibra quis matar o negociante. Lampião não deixou: “Home nun se mata... Gostei do atrevimento dele...”


Dias após, a cidade de Capela recebia o cangaceiro. Autoridades foram vê-lo. Com ele, assistiram cinema. O cangaceiro entrara, cantando que ali estava para amar, divertir, gozar... Amou a “mulher-dama” mais afamada da cidade, gratificando regiamente. Bebeu, comeu e passeou, sob os olhares atônitos da população, tendo, como ordenança e companheiro, um funcionário dos Correios e Telégrafos, o intelectual Zozimo Lima.

Zozimo esquecera as cartas, as letras, a neurastenia, neste dia. Plantou-se na porta das “mariposas”, como sentinela fiel aos deveres do plantão. Bebericou. Tornou-se um camarada do cangaceiro.

- Bom sujeito. Inteligente, arisco, desconfiado – disse-nos. Admirou-me sua facilidade de manobrar a rima. Criado em outro meio, talvez fizesse figura. Tornamo-nos camaradas. Joguei com ele bilhar. E acompanhei-o às casas do mulherio, como cicerone. Tornou-se meu amigo e eu dele. Mas não pretendo ter de relembrar-lhe o nosso encontro e nossa camaradagem...”

E concluindo, acrescentou: “Há duas coisas que não desejo fazer: reencontrar-me com outro Virgulino, andando como prisioneiro voluntário, e viajar de avião...”

A Luta Democrática (RJ) – 19.10.1966


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A ÚLTIMA EMBRIAGUEZ DO ZUMBI.


Em 1937, Zé Sereno e seu bando foi encurralado numa casa por uma volante no sertão de Sergipe, na região Salobro, ocorrendo uma grande troca de tiros. Durante a luta, como era característico nos combates cangaceiros, ocorreu uma grande troca de gritos, ofensas, desafios e ameaças. Após algum tempo de combate, sem que os soldados invadissem a casa, Zé Sereno grita avisando que vai sair para lutarem frente à frente e cara a cara, no entanto, antes combinou com o bando que assim que avisasse que estava saindo e abrisse as portas, ninguém sairia imediatamente, esperaria a primeira descarga de tiros dos soldados e somente após sairiam atirando e correndo no rumo dos matos, e assim ficou combinado. Sendo que, o Cangaceiro Zumbi estava completamente embriagado, pois estava bebendo desde cedo, veio por toda a caminhada bebendo cachaça de seu cantil, sempre cheio, e naquele momento se encontrava muito bêbado e sem nenhuma condição de raciocínio lógico e ao ouvir o grito de Zé Sereno, que estavam saindo para lutar, quando este abriu as portas, todos ficaram, como combinado, mas o desorientado Zumbi saiu impulsivamente, correndo, sozinho, bêbado e cambaleando, na cara da volante, que descarregou seus tiros naquele cangaceiro embriagado que caiu morto imediatamente, os demais cangaceiros saíram correndo após este descarrego de tiros no rumo dos matos e empreenderam fuga. Zumbi teve sua cabeça decepada, levada pelos soldados e exposta como troféu, só depois de algum tempo, foi enterrada em local ignorado. 

João Filho de Paula Pessoa, Fortaleza/Ce. 05/02/2020.


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INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA


Por Francisco Pereria de Lima

Indicação Bibliográfica. Hoje irei falar um pouco do amigo e ser humano ímpar de saudosa memória Alcino Alves Costa. Ele nasceu em Poço Redondo em 17/06/1940, filho de Ermerindo Alves Costa e Emiliana Marques da Costa. Homem simples, amigo de todos, um ser humano ímpar. Pesquisador, escritor, compositor e radialista. Deixou uma obra literária respeitável, especialmente sobre o Cangaço. Seus principais trabalhos: Lampião Além da Versão: Mentiras e Mistérios de Angico de Angico, O Sertão de Lampião, Lampião em Sergipe, Poço Redondo- A Saga de Um Povo, Canindé de São Francisco-Se Povo, Sua Gente, entre outros. Foi prefeito três vezes de Poço Redondo. Faleceu aos 72 anos em 01/11/2012. A minha satisfação é ter desfrutado da sua amizade. 

Saudades.


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VIRGULINO FERREIRA DA SILVA – O ALMOCREVE


Por Luiz Lorena

Para quem não sabe, almocreve é uma palavra de origem árabe, que significa tangedor de animais de carga. O trabalho de almocreve se proliferou no sertão, mais precisamente no sertão do Pajeú, ao longo de 60 anos (desde 1870 a 1930).

Em Vila Bela, José Ferreira da Silva e seus três filhos mais velhos: Antônio, Livino e Virgulino, se dedicaram ao trabalho exaustivo da almocrevaria, transportavam bebidas, gêneros alimentícios, tecidos, sal, querosene e estivas em geral, para: Vila Bela, Triunfo, Ouricuri, Bodocó, Exú, Petrolina e até regiões do Cariri, do Piancó e Rio do Peixe, na Paraíba. Era um trabalho de gigante. Nem parece que Virgulino pudesse abraçar a vida de cangaceiro.

O almocreve só merecia distinção quando conduzia em sua tropa um mínimo de 24 burros. Os comerciantes não confiavam transportar suas cargas a um tropeiro que tivesse um plantel de menor porte, porque quase nada podia carregar.

José Ferreira tangia nas estradas do Nordeste, com os filhos uma burrama constituída de 25 animais, dos quais 12 em sociedade com o fazendeiro José Clementino, do riacho de São Domingos da região do Pajeú, e uma mula, a burra guia que portava campainha de aço para abrir caminho à tropa.

A burra dos Ferreiras recebeu o nome de Medusa. A mitologia informa que Medusa tem o significado supersticioso de “carranca”, cabeça feia, possivelmente para afugentar os ambiciosos, os invejosos, os maldizentes. Não há nenhuma prova de que os Ferreiras tivesse usado esse nome em seu animal para isso, mas se não foi é uma coincidência bem curiosa.

Fonte: Serra Talhada 250 Anos de História -150 Anos de Emancipação Política
De: Luiz Lorena


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