Sérgia da
Silva Chagas, a Dadá, nasceu em 25 de abril de 1914, no interior de Pernambuco,
e morreu em 7 de fevereiro de 1994, de câncer. O filho Silvio conta que, na
noite de sua morte, chamou uma psicóloga do hospital em que estava internada em
Salvador, pediu um batom e um pente para se arrumar “bem bonita”, porque tinha
sido convidada para ir a uma festa com Jesus e não podia chegar feia”. Uma hora
depois, morreu.
Vaidosa, corajosa, Dadá – que teve uma perna amputada em consequência dos
ferimentos à bala no momento de sua prisão (ela saiu atirando com as duas mãos)
junto a Corisco (ele morreu na mesma noite), em 1940 – foi depois anistiada e
se casou de novo, com o empreiteiro Alcides chaves. Refez a vida, porém, não
teve mais filhos. E continou sendo, sempre, a mulher forte que se impôs frente
a Corisco, conquistou o respeito e a amizade de Lampião, a admiração de todo o
cangaço e até de José Rufino, o matador de cangaceiros, para quem ela era
“brava como um homem”. Elogio maior, naquele ambiente tão machista, era quase
impossível.
Entre 1989 e 1990, o diretor Rosemberg Cariri gravou em vídeo uma longa
entrevista com Dadá. Seguem alguns trechos dessa entrevista inédita, na qual a
ex-cangaceira fala, entre outros pontos, de seu amor por Corisco, da Coluna
Prestes e de como era a vida das mulheres no cangaço.
Comunismo: “ouvia falar muito. De noite ficava todo mundo lá sentado e Lampião
dizia: ‘Rapaz, se eu pudesse sair disso, se viesse aí um doido, uma revolução
que abatesse esses miseráveis todos. Nós passava pra frente deles. Ah! Luiz
Carlos Prestes. Nós encontrava com este homem, nós abre o mundo e vamos
embora’. Eles falavam muito nisso, mas nunca apareceu nenhum. Quando aparecia,
era pra matar. Mataram, mataram, aleijaram, acabou, pronto. Agora, tem muito
cangaceiro aí bem de vida, os que se entregaram. São funcionários, os filhos
são formados, vivem muito bem.”
Mulheres: “Era uma convivência maravilhosa. Todo mundo tinha seu marido. Um
amor danado. Uma costurava, outra ajeitava um vestidinho, uma coisa. Uma vida
bacana. Com Lampião ali, ninguém dava um nome, ninguém se enxeria com coisa
nenhuma. Agora, se ela saísse fora da linha, o chumbo comia, matavam, como
aconteceu com Cristina e Lídia.”
Maria Bonita (mulher de Lampião): “Era terrível, orgulhosa, metida. Era assim
pequenina, toda redondinha, bem-feitinhas as pernas, mas pisava assim. Quer
ver? Olhe no retrato, ela tem os pés pra frente. Orgulhosa, metida à besta,
barulhenta. Só vivia com encrenca com um e com outro. Mas ninguém ligava, não.
Era assim, bonitinha, alvinha, agora bacana era só ela, e queria ser mais.”
A relação com Corisco: “Eu tinha uma boa vida com Corisco. Era um homem bom.
Nunca chegou um dia de falar comigo aborrecido. Quando ele queria dizer ‘não’,
dia ‘não sei, você é que sabe’. Mas se ele dissesse ‘faça’, era o ‘sim’. Eu
falava alto, eu xingava, vá pros inferno. Aí ele ficava com aquilo: ‘Fale baixo,
num grita. Dadá, mulher pra ser uma mulher completa tem de ter modo até no
pisar’ (...) Ele ficava dando risada, virava a cara assim pra num dar ousadia.
E dizia: ‘Uma mulher é como uma flor, se a pessoa encosta nela, machuca.’ Ele
dizia tana coisa bonita pra mim, pra ver se me conformava. Mas eu era malcriada
com ele.”
A vida no cangaço: “As mulheres não cozinhavam. Só se ela quisesse. Ela lavava
tudo, botava tempero e entregava para eles cozinharem. Quando tava pronto, tava
pronto. Aí vinha Lampião e eu dividir, porque Lampião tinha o povo dele e eu o
meu. Maria não ia pegar em nada disso. Era bacana. Cada dia um cozinhava, outro
lavava a panela, negócio tudo organizado. Não tinha de ‘não faço’. Chamava, era
seu dia, tinha de fazer. Tudo limpinho, ajeitado, acabava de comer a gente
dividia, mas mulher não ia para a beira do fogo. (...) Os cangaceiros eram
muito amorosos, tinham tato carinho que eram capaz até de se esquecer das
armas. Como teve muitos que morreram num descuido, entretido lá com mulher.”
A morte de Lampião: “Corisco ficou louco. Ele não era de chorar nem de falar,
ficava calado. Mas ele parecia um maluco. Eu disse ‘deixa pra lá, Corisco’, mas
ele falava ‘eu vingo’. Era quinta-feira e ele disse: ‘Se fosse os homens que
tivessem morrido, não era nada demais, porque nós vivemo esperando isso. Mas
uma mulher não se mata. Porque nem cem cabeças paga a de Maria.’ Aí foi quando
ele fez aquele salseiro; eu quase nem consigo contar isso.”
"O ESTADO
DE SÃO PAULO" - 07.03.1996