Por Rangel Alves
da Costa*
Antes de tudo,
algumas considerações conceituais. Falar em verdade implica em falar na sua
antítese ou nas suas margens. Assim, tem-se a mentira como contrária à verdade,
a inverdade como falta à veracidade, a falsidade como distorção da verdade, a
dissimulação como manipulação da realidade, além de muitos outros termos
correlatos. Todos estes se opõem à verdade. E esta, de modo simplificado, nada
mais é que a realidade concreta dos seres e das coisas.
E a verdade já
custou caro a muita gente. A Igreja, tentando a todo custo preservar suas
conveniências religiosas, durante muito tempo perseguiu e até lançou à fogueira
pessoas responsáveis por tudo aquilo que, se comprovado como verdadeiro,
ameaçava seus dogmas ou suas realidades forjadas. A Inquisição odiava todo tipo
de verdade que fosse de encontro ao absolutismo vaticano. Tudo o que fosse
contrário ao pensamento da Igreja era tido como heresia e o seu postulante,
portanto, tendente a ser lançado à fogueira.
Enquanto o
senso comum nem sempre se baliza pela verdade, a Ciência busca sua máxima
aproximação e comprovação. Mesmo esta não consegue alcançar a verdade absoluta,
eis que teorias são refutadas e outras proposições surgem, até que sejam
novamente negadas, no todo ou em parte. E dentro da noção filosófica do termo
(e logicamente dentro de uma de suas vertentes), a verdade absoluta só pode ser
alcançada através da valoração que o indivíduo interioriza na própria
consciência, de modo imutável.
Fato é que a
verdade está acima de tudo, mas na parte inferior estão as suas antíteses e
todas desejosas de macular ou enfraquecer sua base de sustentação. A mentira,
por exemplo, vive se esforçando para desqualificá-la e assim tornar em embuste
toda a sua raiz, pois a partir daí o que surgirá é a transformação imperfeita e
impura daquilo que existe de outro modo. Igual erva daninha, vai se espalhando
numa voracidade tal que sequer deixa espaço para a reflexão.
Onde imperar a
transformação do real em conveniência aí não estará a verdade. Nada que se
amolde por vantagem escusa às situações ou pessoas pode ser creditado como
correto e justo. Assim porque a verdade traz em si correção e justeza, ainda
que desagrade ou confronte interesses. Como um diamante bruto, ou se aceita sua
beleza rude ou não mais terá um diamante, vez que transformado será apenas num
cristal quebradiço.
Desse modo, a
verdade não condiz com o erro, a ilusão, o fingimento, o disfarce, a enganação.
A verdade nunca se afeiçoa às paixões desenfreadas, às cegueiras do coração e
da alma, aos instintos impensados. Ela não compactua com o talvez, com o
achismo, com a ignorância e a pretensiosidade. Ela é humilde, singela,
desejando apenas o que lhe é real, induvidoso, verdadeiro. Não quer mais nem
menos, pois perderá sua essência, apenas quer que lhe reconheça como tal:
verdade.
Ao seu
discípulo, o mestre afirmou: O pássaro é pássaro, o vento é vento, a flor é
flor, você é você. Dificilmente as coisas chegam fingidas aos olhos, impossível
que não se reconheça em si mesmo, pois encontra a verdade antes de tudo. E essa
primeira percepção é o que impõe ao sujeito uma filiação inafastável da
realidade. Se digo que você é um pássaro, logicamente que vai perceber o meu
erro. Mas somente chegará a tal percepção se antes conhecer a verdade, ou a sua
verdade. E tendo como verdadeiro, então pouco importa que a verdade lhe seja
negada.
Aos olhos do
cego, o arco-íris possui uma única cor: escura. O de boa visão, não
compreendendo as diferentes realidades, afirma que não, e cita as sete cores.
Mas onde está a verdade, aos olhos do cego ou de quem tem visão sadia? Antes de
uma possível resposta, há de saber que as cores do arco-íris não são avistadas
em limites absolutos, e todos sabem que a junção de cores sempre formam cores
do diferentes, ainda que não bem perceptíveis aos olhos humanos. Daí não se
poder afirmar com exatidão humana nem o número nem suas reais cores. Mas aos
olhos do cego possui uma só, que é a escura. E neste aspecto a verdade estaria
com aquele que o enxerga numa só cor, até mesmo pela impossibilidade de firmar
outro pensamento.
Ainda sobre a
verdade, correto será afirmar que as instituições brasileiras, como os poderes
republicanos e seus integrantes, insistem em desconhecê-la de todo modo. No
caso brasileiro, é induvidoso que a mentira é muito mais valorizada que a
verdade. Como na crise política e governamental de agora, só falta que a
verdade pule diante do olhar de cada um (governo, ministros, juízes superiores,
parlamentares, pessoas comuns) e diga que não precisa comprovar a mentira para
reconhecer sua existência, pois os fatos e as provas já são mais que
suficientes para se chegar a conclusões verdadeiras.
E uma verdade
que já se prolonga e até se cansa de ser tão verdadeira. Mas como é a mentira
que prevalece no Brasil, tudo se fará para que esta tome aparência de
veracidade. E num país onde a verdade é a mentira, logicamente que nada é
verdadeiro.
Poeta e
cronista
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