Por: Rangel Alves da Costa(*)
MANHÃ
DE OUTONO DE GRIMSHAW: PINTURA OU POESIA?
Não duvido que
Grimshaw tenha permanecido dolorosamente triste durante todo o tempo que lançou
na tela pinceladas outonais na sua magistral pintura Manhã de Outono. E não um
outono qualquer, em tons sombrios e folhas secas, mas a própria
representatividade do ar nebuloso, enevoado, solitário e melancólico dessa
estação.
Logo se vê que
Manhã de Outono (Autumn Morning) não é uma produção artística qualquer. Jamais
passaria despercebida ao olhar mais atento. E isto porque é incerto saber se o
que pintor inglês John Atkinson Grimshaw (06 de setembro de 1836 - 13 de
Outubro 1893) nos oferece é pintura ou poesia. Creio que se pode consensualizar
afirmando ser um poema pintado em cores fortes.
Manhã
de Outono - Autumn Morning
Grimshaw viveu
na era vitoriana, famoso no seu tempo e posteriormente por suas paisagens de
cores firmes, fortes ou suavemente meditativas, cuidadosamente iluminadas e com
ricos detalhes. Contudo, buscando sempre representar cenários sublimes,
nevoentos, como se estivesse jogando um véu de melancolia em cima de cada tela.
Especializou-se
em pinturas de docas, paisagens representando estações, ruas solitárias de
subúrbios, cores enluaradas descendo sobre cenários quase desertos. Em cada
pincelada a solidão, o abandono, a realidade melancolicamente existente. Daí
utilizar ambientes com pouca presença humana para falar da solidão cotidiana,
da poesia angustiante da vida.
Em Autumn
Morning, ou Manhã de Outono, Grimshaw ultrapassa sua estética, sua força de
paisagista, para oferecer um cenário instigante e encantador, ao mesmo tempo
misterioso e triste. Poesia da alma, poesia do espírito, poesia do olhar.
Indubitavelmente uma poesia com força suficiente para transportar o olhar para
o seu interior. Contudo, o que nos espera além do portão?
Como bem
sintetiza o nome consignado à obra, a pintura cuida de uma paisagem outonal.
Diz ser manhã de outono, porém com nuances que mais parecem um entardecer. E um
fim de tarde daqueles entristecidos, com o sol se pondo melancólico e
avermelhado sobre o contorno em que está situado um casarão, apenas avistado em
réstia no interior do jardim.
E surge mais
uma indagação instigante: Ao redor não há pessoa alguma, não há ninguém, mas
estaria o casarão abandonado ou algum ser solitário se esconde por trás de
alguma vidraça mirando as cores afogueadas? A tela é enevoada demais para
buscar uma resposta em alguma porta ou janela, nos lados ou na entrada do
casarão.
John
Atkinson Grimshaw
Mas alguém
poderia dizer que a pintura nada mais representa que uma paisagem de outono,
com suas cores mortas, folhas caindo, um aspecto solenemente triste em todo o
cenário. E não estaria errado não, pois é isto mesmo, só com a sutil diferença
de que tudo ali pintado possui simbolização única. Quer dizer, os motivos
dispostos na tela dizem qual outono quer mostrar: o da alma, do espírito, da
solidão humana.
Assim, num
cenário envelhecido, tem-se um portão entreaberto, ladeado por muros, tendo à
frente um caminho cimentado em meio ao chão de terra batida; ao fundo,
avista-se o velho casarão envolto em névoa, com galhos de árvores secos e
desnudos tanto na parte interna como externa. E folhas secas, mortas, caindo
dos galhos e espalhadas fartamente pelo chão.
Mas isso ainda
não é tudo, vez que a maestria de Grimshaw reside precisamente nas cores
escolhidas para representar seu outono. O fundo amarelado ouro vai tomando
outra cor quando encontra o velho casarão e o muro. E então se observa a
nebulosidade de um verniz esbranquiçado que envolve o casarão e o quase
vermelho fogo, misturado ao ocre e o marrom das folhagens.
Todas as cores
de outono, logicamente, mas guardando no todo uma visão onde tudo se mistura
num matiz único: a perplexidade do vazio e da tristeza diante de um jardim
abandono de outono. E é como se precisássemos estar ali para refazer a vida há
muito inexistente.
Night
Moonlight - Noite de Luar
E tomado de
inspiração na pintura de Grimshaw, o poeta Derek Soares Castro escreveu um
belíssimo poema intitulado “Nódoa d’Outono”, que merece transcrição:
“— Como a
nódoa d'azeite que s'espalma,
A tristeza
manchou tôda a minh'alma! (Guerra-Duval)
Nos cinamomos
d'ambárico outono,
Já s'envergou
o amarelo d'ardência
Em uma flébil,
letal decadência,
Tombando as
árvores cheias de sono.
Nessa pintura
d'extremo abandono,
Vejo a ramagem
fanar em dolência;
E junto dessa
augustal ambiência
Fico a morgar
num profundo ressono...
Ó tardes
d'áurea — mortal soledade!
Vem m'envolver
com a tua mortalha
Feita das
folhas dum morto jardim!
Toda essa
mágoa, toda essa saudade,
Toda a
tristeza que tanto s'espalha,
— Maculou tudo
por dentro de mim!”
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com