Por Adriano Pinheiro
Nas sociedades
rurais subdesenvolvidas, segundo Chandler, "o banditismo sempre captou o
interesse e a fantasia do povo. Na verdade, o fascínio que estes bandidos
exercem e a criação de lendas sobre eles - sem mencionar o fenômeno do próprio
banditismo - parecem ter sido universalmente difundidos. O homem, ou
ocasionalmente a mulher, que vive fora da lei como um celerado errante,
aparentemente livre de qualquer restrição da sociedade, desperta uma fibra de
nossa imaginação, principalmente quanto mais remotas forem sua colocação no
tempo ou no espaço. Deste modo, os ingleses vibram com os feitos de Robin Hood
e seu alegre bando; os americanos contam as aventuras de Jesse James; os
mexicanos, as façanhas de Pancho Villa, e os brasileiros, as de Lampião."
(1981 p. 15)
O chamado ciclo do Cangaço ou como muitos - dentre eles o escritor britânico
Eric J. Hobsbawam - o denomina: "ciclo do banditismo social",
localizou-se ao longo dos Estados da Bahia até o Ceará, em toda a extensão do
vasto hinterland nordestino e foi um verdadeiro flagelo que se abateu sobre as
populações sertanejas. Tal fenômeno perdurou por cerca de sete décadas
(1870-1940).
O cangaço – da forma como o conhecemos atualmente - surgiu com Virgolino
Ferreira da Silva, o famoso Lampião, seu expoente máximo e que aterrorizou o
nordeste brasileiro entre os anos 1920 e 1938. Arrastando-se, por mais dois
anos após sua morte neste ano de 1938, através da figura de Corisco (Christino
Gomes da Silva) seu sucessor e lugar-tenente, morto em 1940, em combate com a
volante do Ten Rufino na Bahia. A despeito, de outros cangaceiros - não menos
famosos - que os precederam, como: Jesuíno Brilhante, Adolfo Meia-Noite,
Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Luiz Padre. Há, também, os precursores do
cangaço ou "pré-cangaceiros" (anteriores a 1870), que foram:
Cabeleira e Lucas da Feira, dentre outros menos pesquisados ou de insuficientes
subsídios históricos.
O historiador Vassalo Filho, entende o cangaço como a vida ou atividade
criminosa dos grupos de bandoleiros andarilhos dos sertões nordestinos do
Brasil. Sendo a palavra derivada de canga: jugo de madeira com que se jungem os
bois ao carro ou ao arado. Os apetrechos usados pelos cangaceiros, cruzados ao
peito, lembram a canga do boi; e, portanto, sua submissão a um chefe, líder ou
senhor. Nas palavras poéticas de Barroso, "o cangaceiro leva nos ombros o
bacamarte, como o boi leva o jugo."
O periódico Folha de São Paulo, nos diz que o vocábulo "cangaceiro'' tem
origem nos tempos da escravidão. Quando os negros fugitivos, eram capturados e
colocados sob tortura em um instrumento conhecido por canga. A partir daí,
principalmente no norte do país, todo marginalizado social que se revoltava era
chamado de cangaceiro.
Por outro lado, os reais cangaceiros eram grupos nômades que agiam de forma
isolada ou em grupos autônomos, praticando assaltos e latrocínios em estradas e
veredas, extorsão, locação de serviços (empreitadas de morte), invasão de
propriedades particulares, arruados, vilas, cidades, com o objetivo de saquear,
destruir, sequestrar para a cobrança de resgate, "venda" de proteção
contra ataques de outros grupos, indo até ao extremo, como a cobrança de
"comissões" nas transações e negócios, feitas pela população. Sendo
muitas dessas ações intimidatórias e de vingança, praticadas por encomendas
daqueles que lhes davam sustentação.
Segundo Ferreira & Amaury, "Existiam pelo menos dois tipos de
cangaceiros. Os cangaceiros itinerantes, que são os mais conhecidos, andando em
grupos compostos de membros mais ou menos permanentes e os chamados cangaceiros
mansos, pessoas que viviam em fazendas, sob proteção de seu proprietário e por
este utilizados em seus objetivos tanto de defesa quanto de ataque aos
inimigos. Faziam-lhe os trabalhos sujos em troca de guarida." (1999, p.
24) Também, podemos dizer que os cangaceiros mansos eram denominados de
"cabras" ou "capangas" (pistoleiros domésticos ou
guarda-costas) eram, quase sempre, aparentados do coronel ou eram trabalhadores
da fazenda que mantinham uma relação de submissão e dependência para o chefe ou
capataz. Uma outra figura, desse contexto, é o "jagunço", que era um
mercenário isolado e chamado para "tarefas" específicas.
A atuação desses bandoleiros, estendia-se pelos sertões de sete estados do
nordeste, compreendidos por Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio
Grande do Norte e Ceará. O medo deflagrado por esses elementos e seus grupos -
que variava de 5 até mais de 100 componentes - quando se reuniam para um
objetivo definido; faziam com que a região interiorana destes estados, quase
estagnasse, pela insegurança para as transações comerciais, reduzindo-lhes
sobremaneira o intercâmbio de mercadorias, serviços e outros gêneros entre as
diversas localidades.
Suas táticas operacionais tinham características próprias, como: as emboscadas,
o elemento surpresa, o corte das linhas de transmissão e a simulação da ação de
animais próprios da região. O bando era originalmente revestido de uma
selvageria desmedida e impiedosa. Com o ingresso da mulher, em 1930, aos poucos
foi se tornando mais tolerante, menos nômade, adotando um comportamento mais
higiênico e mais harmonioso no traje, passando a evitar mais os combates
cruentos, adotando novas formas de conseguir recursos, como os bilhetes de
solicitação e intimidação expressa. A este respeito, Sila menciona que "as
mulheres do cangaço não entravam nas guerrilhas para atirar (isso no meu
tempo). Recebíamos uma mauser e um punhal, porque se atacassem tínhamos como
nos defender. Por precaução, aprendíamos a atirar." (1995 p. 33)
O cangaceirismo se consolidava como um poder maior nos sertões, na figura
lendária de Lampião, que se tornava aos poucos apreciador de gostos
sofisticados como um bom whisky escocês, perfume francês, jóias, armamentos,
binóculos, etc. O seu "marqueteiro" (marketing-counselor) chegara, em
1936, na figura do mascate árabe Benjamin Abrahão, que registrou através de sua
máquina fotográfica e filmadora, o dia-a-dia do cangaço e da chamada
"aristocracia cangaceira": os momentos de lazer, a dança, a encenação
das táticas de combate, a pose de carinho e ternura, fotos para a família e,
até o cartão personalizado com a foto do chefe maior do cangaço, usado para
emitir salvos condutos e intimidatórias solicitações "amigáveis" de
recursos pecuniários.
Lampião, entre um combate e outro, se divertia promovendo folguedos dançantes
ou "arrasta-pés", com direito à sanfona de oito baixos (gaita-ponto,
para os gaúchos) e ao arrastado sapateado denominado "xaxado" e, por
vezes era filmado nas terras do seu feudo - em sua aparente impunidade -
garantida pela falta de empenho das autoridades constituídas em debelá-la e a
política de "convivência pacífica" com as elites rurais.
Tais elites eram representadas pelo ícone maior do "coronel", uma
típica figura do anacronismo recalcitrante do setor rural, ainda persistente à
época onde a prática eleitoral vigente era perpetrada pelo chamado "voto
de cabresto"; onde o eleitor, tal qual uma cavalgadura, era conduzido aos
"currais eleitorais" para sufragar o candidato do seu "coronel".
Sua corporificação remonta à Guarda Nacional Imperial, instituída em 1831.
Sendo, seus elementos, arregimentados entre a "escol do poder local"
e lhes eram conferidas as patentes de coronel, major ou capitão, dependendo do
prestígio ou apadrinhamento políticos. Esta, teve seu processo de extinção
iniciado logo após a promulgação da República em 1889.
O poder do "Coronel" era medido pela quantidade de aliados que
conseguia arregimentar e pelo tamanho de sua "milícia" particular de
jagunços. Por extensão, o vocábulo coronelismo, significando "despotismo
ou tirania", dai originou-se. Tais figuras eram o sustentáculo da
"República Velha" e do seu famigerado "sistema
político-oligárquico" (com suas variantes regionais), como base de
sustentação da "Política dos Governadores" com o poder central
republicano, vigente até 1930.
Como bem justifica Martins, que "... naquelas eras, cada coronel era o
chefe de um grupo. Lampião era apenas o chefe de um grupo maior, sem ligações
políticas, sem raízes, sem interesses outros que não o imediato, do saque, da
satisfação de instintos bestiais, da destruição para se vingar do governo que o
perseguia. Era o chefe de um grupo que não dependia de ninguém, que não
obedecia a ordens de outros, muito embora às vezes tivesse servido de
instrumento de vingança de determinados chefetes, com os quais se apaniguava
para realizar 'serviços' especiais." (1967 p. 9)
Porém, o reconhecimento nacional, desse estado de coisas, veio a constranger o
poder central, a presidência da República, forçando-a esta a tomar atitudes
conjuntas com os Estados atingidos, criando situações mais favoráveis à ação
das volantes, que melhor treinadas e mais belicamente equipadas, contando até
com metralhadoras, levaram o cangaço a sua derrocada final, na figura do
Tenente João Bezerra, como agente de um trabalho meticuloso por ele arquitetado
e empreendido, na grota do Angico, em Sergipe, em 28 de julho de 1938.
Contudo e, em essência, não devemos nunca nos esquecer que, no seio do cangaço,
mormente sua atividade criminosa, manifestava-se uma forte reação social ao
obtuso poder central, aos coronéis e às equivocadas autoridades em geral - da
época, responsáveis pela miséria, pelo descaso e pelo abandono das populações
sertanejas castigadas por secas prolongadas e marcadas por desigualdades
sociais de um lado e, do outro, pelas "guerras" entre as famílias
tradicionais por questões da posse de terras e pelo comando político da região.
Corroborado pelo fato de que no final do século XIX, no ocaso da monarquia, a
concentração de terras - pelos poderosos - havia atingido um grau nunca antes
alcançado e o fenômeno cíclico das secas tornado a situação das populações
campesinas pobres em faméricas e indigentes; fazendo-as se organizaram em
hordas fora-da-lei para assaltar e conseguir alimentos.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CHANDLER,
Billy J. Lampião: O Rei dos cangaceiros.
(The bandit king, Lampião of Brazil. Texas A&M Univ. Press.
trad. Sarita Linhares Barsted)
Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1981.
BARROSO,
Gustavo. Heroes e bandidos
Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1917, p. 31.
FOLHA DE SÃO
PAULO. Folha Ilustrada.
Bandos adotavam táticas de guerrilha no Nordeste.
São Paulo : FSP, 18 de março de 1997.
FERREIRA, Vera
& AMAURY, Antonio.
De Virgolino a Lampião .
São Paulo : Idéia Visual, 1999.
SILA (Ilda
Ribeiro de Souza).
Sila: Memórias de guerra e paz.
Recife : UFRPE, 1995.
MARTINS, Fran.
Lampião e seu tempo (Prefácio).
in MOTA, Leonardo. No tempo de Lampião.
Fortaleza : IUC, 1967.
Fonte: facebook
http://blogdomendesemendes.blogspot.com