Eis a questão:
Lampião era gay ou não? Li os livros "Lampião contra o mata-sete", de
Archimedes Marques, e “Lampião, o mata sete”, de Pedro de Moraes. Como escritor
e pesquisador do tema, farei minha crítica literária sobre as obras.
Sobre
“Lampião, o mata-sete”:
Ser Lampião um gay, não seria demérito (longe disso!); desde que isso fosse
verdade. Agora, inventar uma fofoca descabida sobre uma figura pública, amada e
odiada, e conhecida mundialmente, sem nenhum elemento comprovador que sustente
tal afirmativa é, no mínimo, uma irresponsabilidade literária sem precedentes.
A história dele é dele. Lampião construiu-a com suor, luta, sabedoria e risco
de morte a todo instante.
Lampião nunca
foi um mata-sete. Nem foi de jogar confete. Essa obra de Pedro de Morais é um
absurdo do absurdo. Li mais de 100 livros sobre o cangaço, e fiquei curioso com
esse tema inédito levantado. Estava receoso, mas quando o li vi logo que se
trata de um lixo literário. Um escrito sem pé e sem cabeça. Do começo ao fim,
algo fora de lógica. Informações erradas, sem fonte, sem prova, sem baliza
histórica, enfim. “A má informação é pior do que a desinformação” (adágio
popular). A história de Lampião não é para amadores e aventureiros, muito menos
para quem vive num mundo-fantasia. É a história de um homem público, um dos
brasileiros mais biografados e conhecidos no mundo.
Se Lampião fosse vivo, será que ele teria coragem de escrever isso?! Certamente
o rei do cangaço fá-lo-ia comer o livro e beber uma moringa de água.
Sobre “Lampião
contra o mata-sete”:
Archimedes Marques mostra ser, e o é, conheço-o, pesquisador de fôlego, de
responsabilidade e de credibilidade. Ele fala pela verdade dos fatos
históricos. Seu livro é mais do que um contraponto, é mais do que um livro
contestador, é um livro construído com uma pesquisa séria, profunda, crível e
com participações de gente que pesquisa e entende do assunto. O autor é um
experiente investigador, e tem noção de pesquisa. Excelente esclarecedor de
fatos.
Livro
admirável. Além da riqueza de informações e de esclarecimentos, uma admirável e
genial engenharia do livro; bem estruturado e bem organizado. O autor é
articulado e tem instinto de rastreador. Admirável o seu equilíbrio emocional,
de experiente investigador. Admirável sua racionalidade. De uma só vez, está
sendo a vanguarda desse necessário contraponto e a salvaguarda da verdadeira
memória do cangaço.
Bem, vamos aos
fatos:
No cangaço não
entraria, jamais, e nem permaneceria, dois tipos de gente: gay e obeso. O gay
não seria aceito, naquele bando selvagem e preconceituoso da época, e muito
menos lideraria o grupo; e o obeso não teria a resistência física necessária
para a vida de cangaceiro
.
O cangaço não era para fracos. Exigia integrantes, homens e mulheres, bravos e
guerrilheiros e de muita resistência física e mental. E ser chefe, mais ainda:
tinha que ser líder de história, respeitado dentro e fora do acampamento.
A vida de
cangaceiro, na construção do dia-a-dia, era difícil e perigosa; perigo
constante. Perda de tempo buscar-se tranquilidade, impossibilitada pela
perseguição de morte. Matava-se, até, para viver. Um caminho sem volta para os
bravos, que não se resignavam, a exemplo de Lampião; este tem um grande mérito:
nunca foi preso.
Uma juventude
rebelde, a maioria abaixo dos 25 anos, que com o chegar de uma idade maior,
passava a desanimar-se e a desiludir-se daquela vida errante e perigosa. Estes
passavam a refletir e a pensar em retirar-se do Sertão, como fez Sinhô Pereira.
Ficando na luta, com o cansaço e desânimo, inevitavelmente surgiria vacilo;
inexistente em outrora.
Assim
aconteceu com Lampião, que já vivia uma vida, em parte, fora do padrão
totalmente selvagem, já que havia mulheres no grupo e a construção de família,
com filhos como Expedita, filha de Lampião e Maria Bonita. O rei do cangaço já
contava mais de 40 anos quando morreu, ou seja, não era mais aquele jovem
despreocupado de questões assim.
Ele viveu três
momentos em sua vida: o primeiro foi o da revolta e da busca da vingança; o
segundo o de criminoso, que seguia a máxima: “O crime compensa, largar pra
quê?”; e o terceiro a busca pela sobrevivência, ao ser perseguido pela polícia
de sete Estados.
Os conflitos entre os ânimos e desânimos martelavam sua cabeça, diante da
realidade cruel e da pressão dos familiares e mulheres, como é o caso de Maria
Bonita, que passou a reclamar constantemente daquela vida errante e sofrida.
Encerro com a
definição de Rosa Bezerra, sobre Lampião: "Lampião foi o símbolo de seu
povo: nele estão o bem, o mal, o sofrimento, a agressividade, a violência, a
raiva, o amor".
Marcos
Damasceno
(escritor)
Fonte: facebook
http://blogdomendesemendes.blogspot.com