Por Rangel Alves
da Costa*
A compra de
voto, esse ato tão corriqueiro de prometer um emprego ou oferecer algum bem
material em troca da opção do eleitor, possui nome bonito e pomposo: captação
ilícita de sufrágio. Previsto nas legislações eleitorais, o crime de compra de
votos já provocou consequências desastrosas para muitos eleitos que,
denunciados, foram processados e acabaram perdendo seus mandatos. Verdade é que
em alguns casos a lei prevaleceu diante da comprovação de ilícitos. Não defendo
a prática de qualquer tipo de crime, mas com relação à compra de votos não vejo
qualquer ilicitude. É um entendimento pessoal, apenas.
O Código
Eleitoral (Lei 4.737/65), em seu artigo 299, prevê tal ilicitude. E descreve a
conduta nos seguintes termos: "Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber,
para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter
ou dar voto, e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não
seja aceita". A Lei 9.504/94, no art. 41-A (incluído pela Lei 9.840/99),
igualmente proíbe tal conduta. E afirma que a compra de votos se caracteriza
quando desde o registro de sua candidatura até o dia da eleição, para tentar
garantir o voto do eleitor, o candidato oferece em troca dinheiro ou qualquer
“bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função
pública”.
Reiterando o
entendimento preliminarmente abraçado, vejo como totalmente descabida uma
legislação eleitoral que imponha proibições aos candidatos no seu processo de
conquista de votos. A eleição exige disputa e esta, como o próprio nome indica,
requer estratégias e mecanismos além de meros argumentos e meios de
convencimento. Ademais, diante da esteira lamacenta que envolve a política e os
políticos, da descrença lançada em todos os pleiteantes, não é o velho e impraticável
discurso que vai atrair o eleitorado.
Todo cidadão
que se lança candidato sabe muito bem o quanto é difícil conquistar qualquer
voto. As velhas raposas também sabem que não existem mais aqueles currais de
porteiras fechadas e uma liderança negociando voto como se fosse bicho. Na
maioria das situações, o povo tomou as rédeas da escolha para si e ele mesmo
procura intermediar qualquer lucro com o seu voto. E o candidato que tanto
precisa somar tem de negociar, sob pena de não ter seu nome na lista dos
votados. É assim que acontece e que ninguém pretenda dizer que alguém é eleito
apenas porque é bonzinho, trabalhador e honesto. Tem que gastar, e muito. A
verdade é essa.
A maioria das
pessoas sabe muito bem da dinheirama que é gasta numa eleição. Não há
circulação de moeda maior que nas vésperas de qualquer pleito. A verdade é que
não adianta - sob pena de derrota vexatória - se lançar candidato sem ter meios
financeiros suficientes para bancar a disputa. Queira ou não, seja legal ou
não, mas sempre terá de colocar a mão no bolso para pagar uma feira, contas de
água e luz, remédios, óculos, dentadura e uma verdadeira cesta assistencial,
sem falar no pacote fechado com aquele que surge como dono de tantos votos. A
lei diz que tudo isso é crime, mas não há como criminalizar uma prática que
além de não ser atentatória à vida ou a dignidade de ninguém, acaba ajudando o
eleitor carente na sua sobrevivência.
A própria
classe política se desvalorizou tanto que acabou inflacionando a disputa
eleitoral. Diante da descrença do povo, jamais conseguirá votos suficientes se
não se dispuser a ajudar materialmente os eleitores mais empobrecidos. E o povo
pede mesmo, exige que o candidato lhe garanta qualquer benefício. Ora, são eleitores
realmente pobres, necessitados, carentes de quase tudo, e aproveitam a
oportunidade para ter um saco de cimento, uma passagem para um parente e assim
por diante.
Mas a lei diz
que não pode ser assim, que é crime. E certamente foi uma legislação surgida da
concepção que o eleitor não precisa se submeter aos favores eleitorais, pois
sempre trabalhador e pode adquirir o que necessitar com recursos próprios. Quer
dizer, não considera que grande parte da população brasileira continua na linha
de pobreza. Mas as leis proibitivas também podem ter surgido da ilusória ideia
que a totalidade do eleitorado é consciente e que prevalece uma cultura de
saber escolher o melhor sem que o candidato possa interferir na sua tendência.
E em tudo o descompasso com a realidade.
Tanto o
legislador como o aplicador da lei têm plena consciência que o alcance das
normas está muito distante daquilo que realmente se pretende coibir. Ademais,
ressoa como totalmente falso o argumento de que a compra de votos acaba
privilegiando candidatos endinheirados em detrimento daqueles economicamente
mais fragilizados ou que a disputa estaria desequilibrada pelo uso abusivo dos
meios de captação. Repito: quem não pode bancar uma campanha nem deveria se
lançar candidato.
A verdade é
que a compra ou troca de votos provoca, em muitas situações, um verdadeiro
alívio tanto para candidatos como para eleitores. Ora, a descrença na política
é tanta e o medo de rejeição é tão grande que o postulante acaba colocando o
feijão na mesa esquecida, vestindo e calçando gente, ajudando a levantar a
parede. Daí que não vejo crime algum em o candidato estar presente naquelas
situações de penúria e onde os poderes públicos estão sempre ausentes.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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