Por: Rangel Alves da Costa(*)
Antes não era
assim. Não havia pombos fazendo pouso defronte à minha calçada, caminhando pelo
meio da rua nem voejando calmamente pelos arredores. Mas acabei descobrindo os
motivos para que assim aconteça.
Do outro lado
da rua mora um senhor que logo ao amanhecer espalha milho quebrado após a sua
calçada. Vem com uma bolsinha à mão e joga duas porções de alimento para as
aves que logo chegarão. Não sei onde ficam os pombais nem de qual norte
despontam toda manhã. Só sei que vão surgindo.
Chegam uns
quatro ou cinco, às vezes mais, e logo começam a ciscar pelo chão, bicando para
recolher o alimento. Andam de lado a outro, correm, fazem pequenos voos, vêm
para o outro lado da rua, para a minha calçada, e parecem nem se importar com a
movimentação que já se intensifica. Olho cada um e fico refletindo uma porção
de coisas.
No centro da
cidade, não demora muito e os carros transitam velozes, pessoas se apressam
para o trabalho e afazeres, bicicletas e motos passam em alta velocidade,
barulhos terríveis se intensificam, e eles, os pombos, fazendo tudo para não
serem enxotados. Como inevitavelmente irá ocorrer.
Diante da
impossibilidade de disputar espaço com pessoas e veículos, vejo quando alçam
voo e desaparecem. Olho para o chão asfaltado e sempre avisto restos do milho
ali jogado. E fico imaginando o quanto, a cada dia, dói para os pombos ter de
deixar parte de seu alimento no mesmo lugar.
Mas o voo
alçado é momentâneo. Não demora muito e é possível avistar um ou outro pombo
descendo rapidamente para uma bicada ligeira, já arriscando a vida ao lado de
um pneu. Depois retorna para as alturas das residências e de lá fica
espreitando outro momento oportuno para nova investida. E ficam assim
praticamente o dia inteiro.
E tal
cotidiano dos pombos se alimentando no meio da rua, suas disputas de espaço com
pessoas e veículos, seus medos e temores, suas necessidades de estar sempre
próximos ao alimento, me faz refletir sobre diversas possibilidades. O poeta
romântico Raimundo Correia (As Pombas) comparou tais seres à existência humana
e suas asas de voo sem poder retornar.
E os pombos
poderiam servir como metáfora para visualização de diversos contextos, dentre
os quais os relacionamentos, a solidão, o descaso e a impassibilidade do ser
humano diante das pequenas, porém essenciais, coisas da vida. Contudo, prefiro
ter os próprios pombos como exemplos diante da visão que as pessoas possuem dos
mesmos.
Em primeiro
lugar, pombos são aves discriminadas, rejeitadas socialmente, sempre tidas como
nocivas e perigosas, pois comumente vistas como depositárias de alguns
parasitas transmissores de doenças. Já outros não querem nem saber dos
bichinhos por causa da sujeira que sempre fazem por onde passam. Tratam como
praga urbana.
Ora, mas a
grande maioria dos pássaros, aves e animais são depositários de parasitas, o
que não os impede de ser adorados, apreciados e até criados como estimação.
Galinhas, porcos, cachorros e gatos, só para citar alguns, são animais doentios
e que podem trazer grandes problemas para um lar ou quintal.
Com relação à
sujeira também. Os pássaros mantidos em cativeiro espalham alpiste por toda
casa, os poleiros das aves são verdadeiros absurdos, os chiqueiros nem se fala.
E por que tanta discriminação com os pombos? Não sei se um náufrago assaria na
brasa uma pombinha, mas tenho certeza do amor devotado pelo velho que ao
entardecer senta no banco da praça para jogar milho aos amigos que chegam.
Verdade é que
o homem só valoriza aquilo que lhe dá proveito, serventia, lucratividade.
Passarinho cantador vale muito dinheiro, galinhas e porcos são criados para
comercialização. E tem gente que chega a beijar o focinho, vive abraçado às
penas imundas. Mas se ouve falar em pombo logo se mostra enojado. Não conhece o
seu valor, sua história, sua função sentimental para muitas pessoas.
O pombo já foi
carteiro, já transportou mensagem de amor, de paz e de guerra; é o único visitante
da velha estátua esquecida na praça; voa pelos jardins em busca de pessoas que
necessitem de qualquer presença. Não canta maviosamente, mas fica ao lado
fazendo companhia aos que nem a beleza do entardecer afasta a solidão e a
tristeza. Simboliza a paz.
Que se erga,
então, uma ode à ave símbolo da solidão humana, pois tão rejeitada e abandonada
como pessoas e corações: Ave do dia, mas à noite esvoaça do pombal para alentar
minha dor, minha agonia. Tua presença, ainda que na escuridão, é de conforto na
amorosa solidão...
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas"
e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de
Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em
"Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e
ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel",
"Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço
Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos
para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro,
CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com