Do livro:
Sertão Sangrento - Luta e Resistência
De Jovenildo Pinheiro de Souza
Em princípios
de janeiro de 1932, na fazenda Maranduba, no sertão do Sergipe, Lampião repetiu
o fato militar da Serra Grande, em 1926, ao derrotar uma numerosa força
militar, integrada por famosos combatentes contra o cangaço. Na opinião de um
desses destacados militares, o Tenente Manoel Neto, da força pernambucana, em
Maranduba “ele nunca tinha visto tanta bala como viu ali”. A intensidade do
tiroteio travado entre Lampião e o seu bando e as forças militares foi de tal
intensidade que um contemporâneo dos acontecimentos registrou o fato de que
“uma coisa que foi muito comentada e com curiosidade, foi que no local em que
aconteceu o fogo de Maranduba, durante vários anos, das árvores e dos matos
rasteiros não ficaram folhas. Tudo era preto, como se tivesse passado um grande
fogo. As árvores ficaram completamente descascadas de cima abaixo, de
balas". Tal como ocorrido em Serra Grande, Lampião preparou uma emboscada
com o objetivo de liquidar, de uma só vez, todo o efetivo militar. Mais uma
vez, os chefes da força policial subestimaram a competência de Lampião e
acreditaram que a superioridade que detinham em homens e armas seria um fator
de desequilíbrio na batalha.
Alguns
historiadores tentam minimizar a vitória obtida por Lampião depois de uma feroz batalha, admitindo, apenas, de que, no final das contas, houve
“perdas humanas tanto entre os cangaceiros como entre as forças volantes, porém
com maior prejuízo para estas ...” . Para que se tenha uma idéia do que
representou esta batalha para ambos os lados e para a história das lutas
sociais do Nordeste, dois pontos devem ser ressaltados:
O primeiro ponto importante refere-se à participação, nesta batalha, dos aguerridos e temíveis nazarenos. Os nazarenos, uma força policial dedicada em
tempo integral na busca e, se possível, destruição de Lampião e seu bando, já
eram lendários nos sertões nordestinos, por suas ações militares. Nesta batalha
participaram sob o comando do Tenente Manoel Neto.
O segundo ponto a ser destacado é que, apesar da longa, dolorosa e sangrenta campanha contra Lampião e da experiência militar adquirida, mais uma vez os chefes militares deram provas de que sua inteligência sempre ficou abaixo dos arroubos da valentia. A raiva, a fúria e a arrogância foram confrontadas com o sangue-frio, a paciência e a inteligência de Lampião. Rodrigues de Carvalho
chegou a afirmar, analisando estas e outras batalhas que Lampião tinha
praticado “façanhas de deixar muito curso do Estado Maior com água na boca”
No caso específico de Maranduba, o historiador Rodrigues de Carvalho não hesita em afirmar que, apesar da superioridade em homens e armas, por parte das
forças militares, Lampião demonstrou uma superioridade tática sobre seus
adversários. Escreve ele: “E a verdade deve ser dita: quem primeiro abandonou o
campo de luta foi a força” E, mais adiante: “O fato é que durante a extensão da
tremenda refrega, que foi por toda a tarde, pode dizer-se sem medo de cometer
injustiça, o domínio da situação pertenceu ao ardiloso facínora. Estava todo o
tempo, como se diz vulgarmente, serrando de cima".
O cangaceiro Ângelo Roque (Labareda) que participou nesta batalha, em depoimento prestado a Estácio Lima e publicado no livro O Mundo Estranho dos
Cangaceiros, descreve o que aconteceu, neste dia, no seu linguajar típico:
“... Nóis cheguêmo na caatinga de MARANDUBA, pru vorta di maio dia, i
tratemo di discansá i fazê fogo prôs dicumê, i nóis armoçá. Mas a gente num si
descôidava um tico, i nóis sabia qui as volante andava pirigosa. Inquanto nóis
discansava, botemo imboscada forte, di déiz cabra pra atacá us macaco qui si
proximasse. Nóis cunhicia us terreno daqueles mundão, parmo a parmo. Us macaco
num sabia tanto cuma nóis. Todos buraco, pedreguio, levação, pé di pau, pru
perto, nóis sabia di ôio-fechado, i pudia tirá di pontaria sem sê vistado.
Nisso, vem chegano u’a das maió macacada qui tivemos di infrentá. I us
cumandante todo di dispusição prá daná: MANUÉ NETO, qui us cangacêro tamém
chamava MANÉ FUMAÇA, ODILON, EUCRIDE, ARCONSO i AFONSO FRÔ. Tamém um NOGUÊRA.
Nesse bucadão di macaco tava u Capitão ou Tenente LIBERATO, du izérto. Dizia us
povo qui ele era duro di ruê. I era mesmo. Brigava cuma gente grande, i marvado
cumo minino. Mas porém, valente cumo u capêta. Di nada sirvia a gente gostá i
tratá com côidado um mano qui êle tinha na Serra Nêga. Essa FORÇA toda dus
macaco si pegô mais nóis na MARANDUBA. Nóis era trinta e dois cabra bom. U
Capitão Virgulino tinha di junto, nessa brigada, us principá cangacêro:
VIRGINO, IZEQUIÉ, ZÉ BAIANO, LUIZ PÊDO i seu criado LABAREDA. Dus maiorá só
fartava mesmo CURISCO sempre gostô di trabaiá sozinho, num grupo isculido di
cangacêro, mais DADÁ. Briguemo na MARANDUBA a tarde toda i nóis cum as vantage
cumpreta das pusição, apôis us macaco num pudia vê nóis. A volante di NAZARÉ
deve tê murrido quaji toda. Caiu, tamém, matado di u (a vêis, um dus FRÔ, qui
si bem mi alembro, foi u AFONSO. Cumpade Lampião chegô pra di junto do finado i
abriu di faca a capanga dêle, i achô um papé qui tinha iscrito um decreto
dizeno qu ele já tinha davo vintei quatro combate cum u cumpade Lampião. Veio
morrê nu vinte i cinco. A valia qui tivemo nessa brigada foi us iscundirijo.
Morrero, aí, trêiz cangacêro i trêiz ficô baliado. Us istrago qui fizemo nessa
brigada foi danado ! Matemo macaco di horrô !”.
Do depoimento de Labareda e de outros testemunhos da batalha de Maranduba,
alguns pontos devem ser destacados:
1. O completo conhecimento que Lampião e os cangaceiros tinham do terreno onde foi travado o combate.
2. A competência tática de Lampião em contraposição à incompetência dos chefes militares.
3. A participação dos nazarenos, comandados pelo Tenente Manoel Neto, um veterano nas lutas contra Lampião e o cangaço.
4. As baixas entre nazarenos: seis mortos e oito feridos.
5. As baixas entre os cangaceiros: três mortos e quatro feridos.
6. Um detalhe importante: as tropas militares eram superiores em número, na proporção de três para um.
Enfim, a
batalha de Maranduba constituiu-se num acontecimento invulgar na história recente do Nordeste. Na opinião de Rodrigues de Carvalho, este combate
pode ser considerado como sendo o mais “renhido e porfiado de todos os cheques
armados desta controvertida campanha contra o banditismo no eixo Sergipe-Bahia.
Foi uma chacina horrível pelas deploráveis consequências que tivera para as
forças legais empenhadas no combate. O número de baixas fatais foi muito
grande, exagerado mesmo, em relação ao número de combatentes empenhados na
refrega”.
Diante da tragédia que significou esta derrota das forças militares diante de Lampião e seu grupo, a historiografia oficial tenta minimizar o fato. O Capitão
João Bezerra, personagem central do nebuloso episódio de Angicos, no seu livro
de memórias, ao referir-se ao episódio de Maranduba, afirma apenas que neste
local foi travado um “encarniçado combate com grandes perdas de parte a parte
entre mortos e feridos". Quase a seguir, duas páginas adiante, ele retifica
a sua informação, dizendo que Lampião tinha sido “destroçado em Maranduba”.
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