*Rangel Alves
da Costa
Cheguei ao
portão, olhei esgueirando-me pelas frestas, e avistei alguém descer de um pé de
pé de goiabeira com uma fruta já sendo avidamente devorada e outra bem
madurinha à mão. Mas quem será? Indaguei admirado.
E mais
surpreso ainda quando não duvidei ser o Padre Mário fazendo estripulias pelos
arredores da casa paroquial. Mas não pode ser, pois o homem só vai de canto a
outro em cima de uma cadeira de rodas. E de repente ouvi uma bola sendo chutada
e a bolada forte bem do lado de dentro da madeira do portão.
Danou-se. Mas
não pode ser. O homem não dá um passo sequer sem ser levado, e como agora o
encontro descendo de goiabeira e jogando bola às escondidas, numa hora que nem
o sol tomou ainda o lugar do alvorecer? Então gritei. E novamente gritei
chamando pelo nome: Padre Mário, Padre Mário!
Mas tudo
silenciou ao redor. Aquele Padre Mário menino, andante, brincalhão, subindo em
goiabeira e correndo atrás de bola, havia sumido. Num segundo depois ouvi uma
voz forte, aguda, vinda lá de dentro da casa. “Que pecador incomoda os céus
nesta hora do dia? Um momentinho. Já vou!”.
E em seguida,
guiando a própria cadeira de rodas, na varanda apareceu aquela imensidão
iluminada. Era aquele Padre Mário que eu conhecia. Porém eu não estava maluco
de duvidar que, há bem pouco tempo, tinha avistado o mesmo homem descendo da
goiabeira e correndo atrás de bola, com a normalidade dos atletas.
“Pode entrar.
O portão está aberto.”, ouvi. E entrei. Antes mesmo de pedir sua bênção, fui
logo dizendo: “Possa ser que eu esteja malucando, mas juro por Deus que tinha
avistado o senhor em danação e correria aí pela frente. Mas como pode ser?”.
Então ele espalhou aquele sorriso largo e respondeu:
“Pode ser sim.
E era eu mesmo. Quase todos os dias eu faço isso logo cedinho, quase na
madrugada. Mas até somente um pouco antes de eu acordar e o meu sonho menino
partir. O meu sonho de menino que anda, que sobe em goiabeira, que brinca de
bola, que corre e vai andando para onde quiser. O sonho que se realiza até eu
acordar. E você me avistou quando eu ainda estava em sonho. Você me avistou no
menino que sou em sonho. Mas aqui estou eu, esse pássaro sem asas e com tanto
céu!”.
Imaginei que
tudo isso eu só poderia ouvir de um semblante entristecido. Engano meu. A
força, o brilho e a alegria, eram como aleluias em Padre Mário. Eram maiores
que toda manhã, que todo o sol, que toda a vastidão sertaneja.
Para quem
ainda não o conhece, informo que o Padre Mário César Souza é um jovem
sacerdote, pároco da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, no município de
Poço Redondo, no sertão sergipano. Expressão humana amada por todos, está
enraizado no coração sertanejo como o bom fruto da terra.
Cadeirante,
cumpre sua missão com a ajuda de pessoas que o conduzem pelas igrejas,
povoações, onde o seu rebanho estiver. É encontrado sempre na sua cadeira de
rodas. Mas é como se o avistasse levantando para caminhar e receber e abraçar
os amigos e fiéis.
E há quem diga
que voa. Há quem diga que Padre Mário consegue voar!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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