Seguidores

terça-feira, 4 de setembro de 2012

LAMPIÃO EM NOSSA SENHORA DAS DORES

Por: Archimedes Marques

Lampião entrou pela primeira vez na cidade de Nossa Senhora das Dores, em Sergipe, no dia 25 de novembro de 1929 em ação considerada amistosa, ou seja, bem diferente do que ocorrera dias depois quando impiedosamente atacou a cidade de Queimadas na Bahia assassinando fria e covardemente sete indefesos soldados da polícia militar local, então aprisionados e imobilizados, em fatídico dia 22 de dezembro daquele ano, data essa que ficou marcada para sempre como sendo das maiores atrocidades praticadas pelos cangaceiros nas terras nordestinas.

Lampião

Em Nossa Senhora das Dores, como sempre fazia Lampião quando iniciava as suas investidas criminosas chegando à determinada cidade, seqüestrou e manteve como sendo seu prisioneiro o vaqueiro de uma fazenda das cercanias da Serra do Besouro para que o mesmo servisse de guia para o bando composto então de sete cangaceiros sob o seu comando, vez que antes, estrategicamente, ali mesmo, para despistar e confundir as autoridades locais dividiu os grupos colocando-os sob os comandos de


Corisco e 

Zé Sereno

Zé Sereno que então seguiram pela Serra do Boqueirão e adjacências.

A ação inicial do bandido Lampião sempre objetivava extorquir os mais abastados cidadãos mediante ameaça de invasão, saque às casas comerciais, dentre outros tantos crimes que em decorrência da violência usada pelos cangaceiros por certo ocorreriam caso não fosse atendido.

A PRIMEIRA DAMA DE NOSSA SENHORA DAS DORES, ARCHIMEDES E ELANE MARQUES

A cidade vivia um dia de feira como tantos outros dias de feira que antecederam aquela data, entretanto, a chegada de Lampião fez aquele dia de feira diferenciado e tornou um verdadeiro pandemônio entre toda a população dorense, pois só o seu nome fazia tremer o mais valente dos valentões. A exemplo dos outros lugares, muitos correram a se esconder e outros mais corajosos e/ou curiosos aglomeraram-se para ver de perto o famoso bandoleiro sanguinário que tanto aterrorizava os nordestinos.

ARCHIMEDES E ELANE MARQUES ENTRE OS GESTORES DO PROJETO MEMÓRIAS

Não distante do seu modus operandi, Lampião mandou dois cangaceiros até o alojamento da polícia militar onde se encontrava apenas dois praças que logo foram convencidos a não reagirem sob pena de morte, enquanto outro bandido tomou conta do telégrafo para que não fosse passada nenhuma mensagem para as cidades circunvizinhas. Com o restante do grupo, Lampião dirigiu-se até a residência do Padre João de Souza Marinho – pároco que atuou em Nossa Senhora das Dores de 1928 a 1933 e que foi o responsável pela inauguração da bonita e majestosa


Igreja Matriz dessa cidade em 1930 – e depois de pedir a bênção ajoelhado aos pés do vigário e de ser abençoado, o próprio Padre também passou a ser usado pelo cangaceiro chefe na sua trama criminosa. A partir de então o Padre Marinho ficou encarregado juntamente com o Intendente do Município, Coronel Manoel Leônidas Bonfim, de arrecadar junto à sociedade local a vultosa soma de cinqüenta contos de reis para que não houvesse derramamento de sangue, violência excessiva ou crimes diversos entre o povo dorense. Entretanto, essa quantia exigida não foi alcançada pelos involuntários arrecadadores da extorsão. Alguns dizem que fora arrecadado somente a metade do exigido, outros, porém, alegam que a quantia não passou de oito contos de reis. De uma maneira ou de outra, o fato é que de pronto a soma que não era pouca fora aceita pelo chefe dos bandidos, embora conste da história que, além disso, houve pequenos saques a algumas lojas comerciais. Na loja de Pedro Vieira Teles, mais conhecido por Mestre Pedrinho Alfaiate, alguns cangaceiros se apossaram de vários pares de meias, assim como também, tomaram à força algumas peças de tecidos e perfumes na loja de Manoel Leônidas. Houve momentos de algazarra na loja de Manoel Jose de Jesus logo contidos por interferência de Lampião que inegavelmente exercia grande voz de comando perante os seus asseclas.


Segundo consta das pesquisas do escritor Ranulfo Prata realizadas na própria época dos acontecimentos, os cangaceiros encantando-se com a beleza das moças da cidade pediram permissão a Lampião para organizarem um baile no sentido de haver um pouco de diversão, fato esse não concretizado em virtude da intervenção de terceiros. Desse ocorrido, complementa as pesquisas o escritor e


advogado Jose Lima Santana, tendo inclusive entrevistado o Mestre Pedrinho anteriormente citado, asseverando que o cangaceiro que sugeriu o baile teria sido o jovem 

O cangaceiro Volta Seca

Volta Seca que na época contava com pouco mais de onze ou doze anos de idade, ao passo que quem teria contestado o pedido fora o escrivão Cotias e/ou o Coronel Figueiredo, entretanto, de um jeito ou de outro, o fato é que Lampião, além de não concordar com a realização da festa ainda mandou que Volta Seca refreasse o seu ímpeto de gaiatice e se mantivesse sem sair, como espécie de castigo, dentro da “marinete” pertencente a Joel Barreto de Souza, mais conhecido por “seu Jóia”, até que tudo terminasse.

CRIANCAS DO PROJETO MEMORIAS

E assim Lampião realizou a sua primeira visita de forma supostamente complacente a cidade de Nossa Senhora das Dores, tendo daí seguido viagem para Capela no automóvel pertencente a Otacílio Menezes, enquanto que os demais cangaceiros seguiram na citada “marinete” do “seu Jóia”. Em Capela, igualmente de forma “amistosa” e até assistindo um filme no cinema local, Lampião novamente conseguiu êxito na sua extorsão e ali também não houve derramamento de sangue, como de igual modo não houve em Aquidabã, a cidade seguinte dessa trina visita indesejada realizada pelo seu criminoso bando.

JOAO PAULO ARAUJO DE CARVALHO, ARCHIMEDES MARQUES, MANOEL MESSIAS MOURA E ELANE MARQUES

Seguindo o adágio popular de que “brasileiro só fecha a porta depois de roubado”, assim a cidade de Nossa Senhora das Dores fechou a sua. A Intendência Municipal que hoje é equiparada a Prefeitura contratou alguns corajosos homens para servirem de guardiões, de protetores da população. Das pesquisas realizadas nos arquivos municipais pelo escritor Jose Lima Santana ficou constatado através do achado das folhas de pagamento da época que Enock Menezes Campos, Pedro Francisco Dantas, Antonio Pedro dos Santos, Brasilino Vieira Ludugero, João Andrade e Arnaldo Gomes recebiam dinheiro mensalmente para dar segurança a população dorense, ou seja, uma espécie de guarda municipal armada pronta para matar e morrer em combate se preciso fosse.

PARTE DA PLATEIA

Infelizmente esse exemplo não foi seguido por outros municípios e quase um ano depois o bando de Lampião fez a mesma incursão a essas três cidades, só que em sentido inverso, ou seja, Aquidabã, Capela e Nossa Senhora das Dores. Desta feita a visita de Lampião, além de indesejada não fora nada amistosa, muito pelo contrário, houve atrocidades diversas com rios de sangue e lágrimas em toda a sua trajetória.

DR. ARCHIMEDES MARQUES

Quando o bando de Lampião entrou na cidade de Aquidabã, o ínfimo contingente policial fugiu às pressas deixando as pessoas totalmente desprotegidas e nas garras dos cangaceiros. 

Zé do Papel

Jose Custódio de Oliveira, mais conhecido por Zé do Papel fora arrastado ruas acima e em frente a um armazém próximo da praça principal da cidade teve a sua orelha decepada a golpe de faca pelo próprio Lampião, depois do bando ter praticado saques no comércio local e tantos outros crimes de torturas contra pessoas amedrontadas, dentre os quais o assassinato de um débil mental de nome Souza de Manoel do Norte, mais conhecido por Abestalhado, sem esquecer que o endiabrado cangaceiro 

O cangaceiro Zé Baiano

Zé Baiano pegou o roceiro Eduardo Melo e após espancá-lo com o coice do seu fuzil, também cortou a sua orelha seguindo o exemplo do seu chefe. Zé do Papel ainda viveu por muito tempo e viu o cangaço se acabar e seu carrasco morrer, entretanto, o Eduardo Melo não teve a mesma sorte e faleceu cerca de um mês depois da perversidade sofrida.

JOAO PAULO ARAUJO DE CARVALHO, ARCHIMEDES MARQUES, MANOEL MESSIAS MOURA

De Aquidabã o bando seguiu para Capela, mas aí a população fora avisada com antecedência e se armou para enfrentar os bandidos que não conseguiram transpor as barreiras bem articuladas pelos bravos cidadãos capelenses. As notícias das atrocidades em Aquidabã e da resistência em Capela logo se espalharam via telégrafo tal qual rastilho de pólvora.

MANOEL MESSIAS MOURA

Assim, a cidade de Nossa Senhora das Dores que já estava guarnecida pelos seguranças contratados pela Intendência Municipal também ganhou reforço da própria população que se armou do jeito que pode para aguardar o facínora. O calendário marcava o dia 15 de outubro de 1930 quando o bando agora com 18 componentes pisou pela segunda vez as terras de Nossa Senhora das Dores. Lampião estava de tudo furioso, “soltando fogo pelas ventas” tal qual um imaginário dragão da Idade Média, pois além da derrota sofrida em Capela, também sabia que ali as trincheiras o aguardavam.

MANOEL MESSIAS MOURA

Além de ser um excelente estrategista, um verdadeiro general maléfico das caatingas, Lampião tinha uma eficiente rede de informações. Assim, chegou ao subúrbio Cruzeiro das Moças, por volta das 20:00 horas daquele dia, e temendo reação idêntica à de Capela, dirigiu-se à casa de Jose Elpídio dos Santos, filho de José Raimundo das trincheiras, justamente um dos guardiões contratados para defender a cidade. O seu objetivo era saber onde estavam montadas as trincheiras, a quantidade homens existentes, suas armas e munições dentre outros informes, entretanto, o interpelado cidadão reagiu soberbamente e não traiu os entrincheirados nem tampouco o povo de Nossa Senhora das Dores, fato que valeu a sua própria vida depois de barbaramente torturado em vão para delatar os seus conterrâneos dorenses. Do brutal assassinato de Jose Elpídio dos Santos fora gerado o único Processo Criminal contra o famigerado Lampião no Estado de Sergipe.

 MANOEL MESSIAS MOURA e DR. ARCHIMEDES MARQUES

Consta das informações coletadas e colacionadas no referido Processo Criminal que a vítima Jose Elpídio dos Santos após ser sequestrada fora amarrada em um dos cavalos que serviam de montaria ao bando seguindo junto com os cangaceiros pelas cercanias da cidade. Na bodega pertencente a Manoel Martins Xavier, mais conhecido por Santo Bodegueiro, que por sinal não se encontrava presente no momento, houve saque e até o sequestro da sua mulher, Sergina Maria de Jesus, também conhecida por Constância, deixando os seus filhos pequenos sozinhos, sem os cuidados maternos pelo resto daquela noite.

MANOEL MESSIAS MOURA e DR. ARCHIMEDES MARQUES

Na Fazenda Candeal Lampião e a sequestrada Sergina Maria de Jesus dormiram no mandiocal, um amarrado ao outro, ou seja, os braços dela amarrados a uma das pernas dele, enquanto os outros cangaceiros e o sequestrado Elpídio dormiram na beira da estrada, todos próximos uns dos outros.

MANOEL MESSIAS MOURA, DR. ARCHIMEDES MARQUES E UMA ESTUDANTE DO PROJETO MEMÓRIAS. 

Na madrugada de 16 de outubro, após várias tentativas de obter informações não conseguidas, Lampião matou Elpídio e mandou Sergina voltar para casa. No laudo de corpo cadavérico anexado ao referido Processo Criminal, consta que o corpo da vítima estava perfurado a balas, e havia, ainda, um "rendilhado" de punhal. Os dedos das mãos, sob as unhas, estavam perfurados e a barba estava queimada. Ou seja, tal documento comprova que Lampião e seu bando torturaram Elpídio, antes de matá-lo, com requintes crueldade e covardia. A vítima preferiu morrer a delatar o seu pai e os demais guardiões da cidade. Um homem de coragem e determinação sem dúvida. Um homem que apesar de todo o atroz sofrimento que viveu não ficou no rol dos traidores do seu povo. Um homem que merece ser mais bem reconhecido pelas Autoridades constituídas de Nossa Senhora das Dores da atualidade.

MANOEL MESSIAS MOURA E DR. ARCHIMEDES MARQUES

Das pesquisas também consta que fora assassinado nesse trajeto um pobre rapaz, que era alienado mental, na saída do povoado Taboca. Dito rapaz, não identificado, teria na sua insanidade mental mexido com o cavalo de Lampião, segundo dizem, e por isso fora barbaramente executado a tiros pelos bandoleiros sem dó ou piedade.

Consta das grandes atrocidades que ficou para sempre marcada na história cangaceira, a castração do cidadão 

Batatinha

Pedro José dos Santos, vulgo Pedro Batatinha, que vinha da Malhada dos Negros, a fim de arrancar um dente em Nossa Senhora das Dores. Após ser imobilizado, de um só golpe em amolada faca foi decepado os seus testículos por um covarde cangaceiro aos olhares e risos dos seus colegas comandados por Lampião.


O pobre do Batatinha, enfim, fora socorrido  e encaminhado para Aracaju, onde o Dr. Belmiro Leite tratou do seu grave ferimento. Batatinha escapou e, segundo informações colhidas, morreu na década de 1990, em São Paulo, por sinal casado, embora sem notícias de que o mesmo realizava as suas obrigações sexuais. Além de Ranulfo Prata e Jose Lima Santana, outros autores que escreveram sobre o cangaço registraram o fato da covarde e cruel capação de Batatinha.

Com a divisão efetiva do grupo de cangaceiros por Lampião em virtude da prisão de Volta Seca em 18 de fevereiro de 1932, formaram-se subgrupos chefiados por Corisco, Zé Baiano, Zé Sereno, 


Labareda e 

O cangaceiro Pancada

Pancada, sendo que cada um deles tinha o seu campo delimitado de atuação. Assim, o cangaceiro baiano de Chorrochó, Jose Ribeiro Filho, mais conhecido por Zé Sereno, ficou atuando criminosamente nas terras de Nossa Senhora das Dores e adjacências. Dentre as batalhas travadas pelo bando de Zé Sereno com populares, resistentes ou com a polícia volante, há de se destacar o “Fogo do Salobro”, no qual um dos cangaceiros, o Lírio Roxo, foi morto e decapitado, e o “Fogo do Cajueiro”, combate de bravura e resistência ocorrido no final da década de 30, bem próximo a chacina de Angico ocorrida em 28 de julho de 1938, cujo fato é hoje destaque no Projeto Memórias muito bem coordenado pelo historiador João Paulo Araujo de Carvalho na cidade de Nossa Senhora das Dores, sendo inclusive tema de um filme com o mesmo título em longa metragem que está sendo rodado com a participação de abnegados artistas da terra. Consta das pesquisas desse dinâmico jovem professor, escritor, historiador e porque não dizer também cineasta – com a ajuda inequívoca de outros participantes do Projeto Memórias, destarte para o incansável trabalho do artista plástico e historiador Manoel Messias Moura – em entrevistas diversas com os moradores mais antigos das localidades dorenses, em especial, a história contada por dona Isaura Lopes Clementino, testemunha viva do fato que em breve fará 99 anos de idade. Do seu relato observa-se que o seu pai, João Clementino, que anteriormente, no município de Triunfo em Pernambuco tivera um entrevero com Lampião, desta feita, então residente na Fazenda Cajueiro de propriedade do seu compadre o Coronel Vicente de Figueiredo, mais conhecido como Coronel Vicente da Tabúa, homem poderoso dono de cinco fazendas naquele município além de outras em Gararu e Aquidabã resistiu com a ajuda inequívoca dos seus amigos a um ataque de Zé Sereno e seus sequazes comandados, entrincheirados dentro da casa sede dessa fazenda, bravamente lutando e contra-atacando os bandidos à bala, através das famosas “torneiras” então existentes nas largas paredes de tal prédio. Do Fogo do Cajueiro há também de se destacar a coragem e a destreza de Pedro Clementino, filho de João Clementino e irmão de Isaura Clementino que inclusive chegou a salvar a vida do Coronel Figueiredo.


O rude Coronel Figueiredo que tinha verdadeira ojeriza a ladrões a ponto de torturá-los dentro da prensa de fazer os fardos de algodão – produto abundante nas suas terras – desse dia em diante passou a mais ter ódio aos bandidos, em especial ao bando chefiado por Zé Sereno. Apesar do grupo de Zé Sereno ser composto por somente cinco homens, fizeram os mesmos um grande estrago na Fazenda Cajueiro, vez que não conseguindo romper a resistência, mataram como vingança aproximadamente uma dúzia de vacas que estavam nas cercanias da casa.

O tema cangaço que tem sido recorrente nas pesquisas do Projeto Memórias, resgata não somente a história de Nossa Senhora das Dores, mas também alarga a história de Sergipe, pois além de tudo gera resultados na produção de artigos, documentários, filmes e discussões com o povo que por certo abraça essa idéia e que no futuro próximo pode gerar rendas e dividendos para muitos quando colocar de vez o seu município na rota de turismo do cangaço.

Foi dentro desse contexto que Lampião pela terceira vez aportou em Nossa Senhora das Dores, desta feita imaginariamente no último dia 31 de agosto de 2012, com o livro LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE. Aos abnegados pesquisadores e historiadores, resgatadores da história cultural dorense, João Paulo de Araújo de Carvalho e Manoel Messias Moura que comandam o Projeto Memórias, exaro a minha eterna gratidão em poder dispor a minha obra literária e apresentar uma palestra bem movimentada a um público de pessoas interessadas e cultas que superlotou a galeria da Câmara Municipal nesse glorioso e inesquecível dia.

Do Projeto Memórias e das suas conseqüências relacionadas ao cangaço é trazido a tona fatos de relevância histórica até então desconhecidos da maioria, pois o que se sabia desse tempo de luta, sangue, dor e lágrimas em solo dorense, era somente que o seu povo apenas teria se humilhado aos pés de Lampião – o que de fato ocorrera quando da sua primeira visita a cidade sede – entretanto, conforme o dito, disso gerou reação e resistência comprovando assim a força, a pujança, a determinação, a bravura de homens que eram capazes de darem as suas próprias vidas em defesa dos seus propósitos como assim o fez Jose Elpídio dos Santos, sem dúvida um herói, um mártir ainda não reconhecido por Nossa Senhora das Dores.

Archimedes Marques (Escritor e Delegado de Policia Civil no Estado de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br


Enviado pelo autor: Dr. Archimedes Marques

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

A Guerra do Cangaço

Por: Leandro Cardoso Fernandes*

O Cangaço, fenômeno social que se estendeu além das fronteiras nordestinas, encontrou seu apogeu nos anos 20, com seu maior expoente: Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.

Lampião

Na sua essência, reflete a reação do sertanejo ao processo de colonização pelo europeu, uma vez que o clavinote genocida e o peso da bota do português despertaram os “irredentos”, no dizer do pesquisador 


Frederico Pernambucano de Mello, que munidos do rancor e da vontade de continuar vivendo “sem lei nem rei”, pegaram em armas e foram viver “debaixo do cangaço”.

O cangaço sempre viveu de forma endêmica no sertão brasileiro. De quando em vez, explodia em surtos epidêmicos, que rapidamente suscitava retaliações violentas por parte dos poderes constituídos, principalmente na segunda e terceira décadas do século XX. Nestes surtos epidêmicos podemos inserir as guerrilhas indígenas contra os bandeirantes; os quilombolas contra capitães do mato e bandeirantes; as lutas pela independência do Brasil (brasileiros x portugueses); e, finalmente, o Cangaço, com suas variadas roupagens, Brasil afora. A própria formação cultural do sertanejo e seu código de honra permitiam a prática de revides contra agressões sofridas, o que era moralmente aceitável no meio em que viviam, mas reprovável aos olhos da dita civilização litorânea.

Empurrado pela repressão, o cangaço encontra na caatinga o ambiente ideal para prosperar. A vegetação seca e espinhenta minava o vigor dos perseguidores, e foi importante aliado dos vários bandos de cangaceiros. 

As regiões de caatinga braba da Floresta do Navio, em Pernambuco e o famoso Raso da Catarina, no sertão baiano eram refúgio certo para Lampião, quando necessitava esquivar-se dos perseguidores e também impor as agruras do terreno às Forças Volantes.

O modus operandi de cangaceiros e volantes era basicamente o mesmo: a imposição do terror. A tática de guerrilha era largamente usada pelos contendentes, sendo que os cangaceiros abusavam do recuo e, na maioria das vezes, escolhiam o terreno das refregas. Muitas vezes, as vítimas (de cangaceiros e volantes) eram os pequenos proprietários de terras que, sem ter a proteção dos latifundiários, se viam entre “a cruz e a espada”, ou seja, forçados a “acoitar” Lampião e, como consequência, sofrer retaliações pelas mãos furiosas das tropas volantes.

A indumentária do cangaceiro encontra poucos rivais em beleza e acabamento. A riqueza do traje é evidente, o que joga por terra a tese de alguns autores que afirmavam que os cangaceiros se vestiam de maneira a se camuflar ou ocultar na caatinga. Ora, basta olhar para os enormes chapéus de couro, enfeitados com signos de Salomão, palmas e estrelas, com os barbicachos cheios de moedas de ouro; os bornais, cruzados ao peito, com estrelas estilizadas coloridas; a jabiraca (lenço de seda) em cores berrantes ao redor do pescoço; além do cheiro de suor misturado ao perfume, para disfarçar os vários dias sem banho. Tudo isso no leva a concluir que ao vestir-se desta forma, o cangaceiro intencionava impor superioridade aos interlocutores. Inclusive, este é um dos argumentos levantados contra o rótulo gratuito de bandido comum, pois este tenderia a ocultar-se, enquanto que o cangaceiro, protegido por seu escudo ético, quer mostrar-se com toda a sobranceria.

Tanto cangaceiro como volantes nos deram exemplos de grandes guerreiros. Dentre os capitães de cangaço, destacamos Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião, Corisco, Luís Pedro, Moreno, Zé Baiano, Zé Sereno. Entre os citados, é indiscutível a superioridade de Lampião, cuja astúcia ludibriou as volantes de 7 estados nordestinos, durante mais de 20 anos. É um dos raros brasileiros a ter duas biografias publicadas em vida: a primeira em 1926, por Érico de Almeida e a segunda por Ranulpho Prata, em 1933. E hoje é uma das personagens mais biografadas da nossa História.

Do lado das volantes, temos o exemplo de coragem de grandes oficiais, dentre os quais se destacam Teóphanes Ferraz Torres, Manoel Neto, Zé Rufino, João Bezerra, Odilon Flor, Euclides Flor, Arlindo Rocha, Higino Belarmino (Nego Higino), Cabo Besouro, dentre outros. É importante destacar a participação do Coronel Teóphanes Ferraz Torres, que prendeu, em 1914, o cangaceiro Antonio Silvino, e foi responsável pela expulsão de Lampião do Estado de Pernambuco para a Bahia, em 1928.

As batalhas do cangaço foram impressionantes. Episódios heroicos como o Combate da Serra da Forquilha, em 1922, onde Sinhô Pereira (com Lampião no bando) e mais 10 cangaceiros conseguiram furar o cerco feito por 120 soldados, sem mortos ou feridos; ou mesmo o combate da Serra Grande, em 1926, onde Lampião e 70 cangaceiros, entrincheirados no alto da serra, enfrentaram 300 soldados da união de 3 volantes. Deste renhido combate saíram 10 soldados mortos e 14 feridos. Nenhum morto ou ferido por parte dos cangaceiros.

Abro aqui um parêntesis para falar do Nazarenos. A pequena Vila de Nazaré, hoje Carqueja, próxima a Serra Talhada, forneceu os mais ferozes perseguidores de Lampião.  Dentre eles, o Tenente Manoel de Souza Neto, que protagonizou vários episódios de bravura contra Lampião e outros chefes de grupo. Tal era sua tenacidade no encalço do Rei do Cangaço, que este lhe deu um apelido: Mané Fumaça; e Maria Bonita, por sua vez, o apelidou de Cachorro Azedo. Manoel Neto saiu, em mais de uma ocasião, baleado, à frente da tropa para perseguir e atacar Lampião.
Outro comandante de volante que merece ser citado é José Osório de Faria, o Zé de Rufina (ou Zé Rufino), pernambucano que soma para si as mortes de mais de uma dezena de cangaceiros, dentre eles os famosos Mariano e Corisco, o Diabo Louro, em 1940.

Entretanto, o combate mais famoso da epopeia do Cangaço foi o Combate de Angico, em julho de 1938, onde o Tenente João Bezerra e o Aspirante Francisco Ferreira de Melo deram cabo de Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros, que foram pegos de surpresa naquela madrugada, que seria eternizada com o tiro de misericórdia do Cangaço, que ainda estrebucharia até maio de 1940, com a morte de Corisco, o vingador de Lampião.

*Leandro Cardoso Fernandes é médico, escritor e consultor da Sertão Games para o Cangaço Wargame. Apaixonado pelo tema desde os 12 anos de idade, coleciona peças e fotos originais. Também realizou várias entrevistas e conversas informais com cangaceiros.
Referências
Mello, Frederico P. Guerreiros do Sol. São Paulo: A Girafa. 2.ed., 2004.
FERNANDES, L. C. “Caatinga, Cangaço e o Raso da Catarina”. In Almeida-Cortez et al. “Caatinga”. Ed. Harbra. São Paulo, 2007.

http://cangaco.com/2012/05/24/a-guerra-do-cangaco/

O ÚLTIMO COMBATE DE LAMPIÃO

Por: Leandro Cardoso Fernandes

Na madrugada do dia 28 de julho de 1938, na margem sergipana do Rio São Francisco, em Angico, irrompeu o tiroteio em que morreram Lampião, Maria Bonita, Enedina, Luiz Pedro, Mergulhão, outros 6 cangaceiros e o soldado Adrião Pedro de Souza.

O ataque foi fruto da ação conjunta entre as volantes do Tenente João Bezerra da Silva, do Aspirante Francisco Ferreira de Melo e do sargento Aniceto Rodrigues, todos da polícia alagoana. Apesar dos contratempos, Bezerra e Ferreira de Melo conseguiram superar a inteligência bélica de Lampião, impondo ao experiente cangaceiro o fator surpresa, com grande êxito.

Fonte: http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/

Neste pequeno artigo, tentaremos reconstituir, de maneira sucinta, o desenrolar da trama que culminou com a morte do Rei e da Rainha do Cangaço.

Desde meados de 1936, após a invasão de Piranhas (AL) por Gato, Moreno e Corisco, que a perseguição aos cangaceiros acirrou-se sobremaneira. Lampião vinha driblando as volantes na região limítrofe entre Alagoas, Sergipe e Bahia, sempre margeando o Rio São Francisco e as caatingas destes três estados, onde estabelecera grande e sólida rede de coiteiros.

Antes do combate do Angico, o último grande confronto de Lampião com forças volantes foi o combate da Lagoa do Domingos João, arredores de Canindé do São Francisco (SE), em meados de 1937, onde fora surpreendido pela volante de Zé Rufino. Desde então, Lampião estava retraído, escondendo-se ora na margem sergipana, ora na margem alagoana do Velho Chico.

Tenente Zé Rufino - Fonte: Acervo pessoal Leandro Cardoso

Neste período, Maria Bonita começou a “escarrar” sangue. Especula-se que tenha sido sequela do tiro que levara na Serrinha do Catimbau (Garanhuns, Pernambuco) dois anos antes ou, quem sabe, tuberculose. Lampião, com a ajuda e proteção do todo-poderoso Coronel sergipano Hercílio Brito, enviara Maria, incógnita, para Propriá, cidade próspera do interior sergipano, para ser tratada adequadamente por médico, o que foi feito a contento.

No período de ausência de Maria, Lampião ficou gravitando entre os municípios de Canindé do São Francisco, Poço Redondo (SE) e Piranhas. Numa das vezes que visitou a fazenda Pedra D’Água, município de Canindé do São Francisco, de propriedade de Dona Delfina Fernandes. Lampião prometeu, nesta ocasião, que em fins de julho, após o retorno de Maria, retornaria à fazenda para apadrinhar uma criança da fazenda, conforme havia lhe pedido a proprietária.

Quando da travessia do São Francisco, de Alagoas para Sergipe, dias antes do combate do Angico, teria dito ao grupo que estava cansado da perseguição que lhe moviam as volantes da Bahia, Pernambuco (os Nazarenos), Alagoas e Sergipe; que talvez fizesse uma grande viagem para Minas Gerais, e que quem quisesse acompanha-lo estava livre para fazê-lo (palavras do ex-cangaceiro Candeeiro). Disse também que chamara, para uma reunião, os subgrupos de Corisco, Ângelo Roque (o Labareda) e Zé Sereno.

Corisco recebera um bilhete de Lampião, cujo conteúdo (relatado por Dadá) convocava-o para dar uma lição em Zé Rufino, que “queria passar de pato a ganso”. No entanto, o real motivo da reunião, até hoje é motivo de especulação. Corisco ainda chegou até o Angico, dois dias antes do combate, mas disse a Lampião que não gostava daquele lugar que parecia “cova de defunto: com uma entrada e uma saída”. Após conversar com Lampião, atravessou novamente o São Francisco, ficando na margem alagoana, esperando o grupo de Ângelo Roque, que ainda não havia chegado, para novamente se encontrarem.

O coiteiro de Lampião no Angico era Pedro de Cândido, que morava em Entre-Montes, localidade próxima a Piranhas, na margem alagoana do rio. Um vizinho, Joca Bernardes, desconfiou de Pedro, pois este havia comprado muitos queijos, além de ter trazido coisas da feira de Piranhas. Joca, que tinha, talvez, inveja do vizinho (provavelmente pela proximidade deste com Lampião) foi até a delegacia de Piranhas e avisou ao Sargento Aniceto Rodrigues: - Aperte Pedro, que ele tem Lampião!

Aniceto, então, telegrafou para João Bezerra, que estava na cidade de Pedra de Delmiro (AL), com sua volante e com Ferreira de Melo, enviando a seguinte mensagem: “Venha imediatamente. Boi no pasto!”.

Bezerra, que entendeu a mensagem codificada, tomou duas metralhadoras emprestadas da volante do nazareno Odilon Flor, sem nada informa-lo, e apressou-se para retornar a Piranhas.

Na tarde do dia 27, as três volantes (Bezerra, Ferreira de Melo e Aniceto) partiram com a informação dada por Joca Bernardo de que Pedro de Cândido tinha o paradeiro de Lampião. Bezerra, então, manda dois soldados buscarem Pedro em casa.

Pedro é trazido e questionado por Bezerra e Ferreira de Melo. Nega saber do paradeiro de Lampião. O Tenente, então, subjuga-o e arranca uma das unhas de Pedro com a ponta do punhal e “força” sua costela “mindinha” com o cabo do mesmo punhal. Pedro, então, confessa tudo: Lampião está ali perto e ele os levará até ele. Pede, entretanto, para irem buscar seu irmão, Durval Rodrigues Rosa, pois ele sozinho teria dificuldade de guiar as três volantes. Durval, pego de surpresa, é, então, incorporado à tropa.
Procuram o canoeiro Pedro Bengo, que ajouja duas canoas, e, assim, consegue transportar todos os homens para a margem sergipana do rio.
Os soldados seguiram silentes, tomando cachaça com pólvora para vencer o frio e o medo de, naquela madrugada, enfrentarem o Rei do Cangaço.

Voltemos aos cangaceiros.

Após sua recuperação, Maria retorna ao seio do bando, dias antes do combate do Angico. Chega, porém, com uma novidade: cortara o cabelo ‘a la garçon’, então na moda, o que despertou a fúria de Lampião, que não aprovou a “modernidade”. Segundo testemunhas (depoimentos de Dulce e Cila), tiveram um briga feia na véspera do combate.

Na noite daquele 27 de julho de 1938, Maria, Cila e Dulce sentaram-se no alto de uma pedra para fumarem. Maria botou para fora a raiva que estava de Lampião e as três conversaram bastante, inclusive sobre o que aconteceria se fossem presas. Maria dizendo que se fosse presa por uma volante baiana não teria muitos problemas, pois tinha primos que sentaram praça. Cila, por sua vez, disse que preferia as volantes de Sergipe. Em determinado momento, Cila chama a atenção das amigas para uma luz que acendia e apagava ao longe. “- Não será luz de pilha (lanterna)”, perguntou?. Maria, que era a mais experiente, não deu bola e disse que era vagalume. Ledo engano. Era a tropa que avançava.

Enfim, jogaram conversa fora e depois voltaram para dormir. Segundo Balão, todos se recolheram por volta das 22h. Enquanto isso os soldados se aproximavam silenciosamente, tentando fechar o cerco.

Acordaram por volta das quatro e meia/cinco horas da manhã. Lampião convidou para rezarem o Ofício de Nossa Senhora. Os que quiseram, levantaram-se e rezaram. Outros continuaram sob as cobertas, por causa do frio (caso de Candeeiro). Já outros, rezaram e voltaram a deitar-se (caso de Cila). Lampião, Zé Sereno e Luís Pedro já estavam de pé e tomaram um cafezinho feito pelo cangaceiro Vila Nova (o único que estava devidamente equipado naquela hora). Zé Sereno ponderava com Lampião que já haviam se demorado muito ali e que deveriam sair, sob pena de serem emboscados. Lampião disse que sairiam após o café.

Então, Lampião ordenou que Amoroso fosse até um dos caldeirões de água (pequena poça d’água acumulada a uns 70-80 metros de onde estavam). Amoroso, ao chegar no referido caldeirão, se preparou para urinar, e iria fazê-lo em cima dos soldados, que estavam escondidos ali próximos. Estes haviam recebido ordens de João Bezerra para não atirar antes dele, até que o cerco estivesse fechado. Os soldados, porém, não tiveram escolha, pois o cangaceiro estava muito próximo, quase “topando” neles.

Atiraram, então. Mas, por medo ou embriaguez, erraram e Amoroso volta correndo. Nesse ínterim, Maria Bonita vinha na mesma direção, com uma bacia de queijo do reino, para pegar também água. Os soldados, então, não perdem tempo e atiram na cangaceira, que grita: “- Valhei-me, Nossa Senhora!”. Maria foi, então, alvejada na barriga e, quando virou-se para correr, recebeu um balaço nas costas, caindo, logo adiante.

O tiroteio, neste meio tempo, já irrompeu para os lados onde Lampião estava. Zé Sereno, quando ouviu os tiros sobre Amoroso, disse a Lampião: “Não falei que a gente brigava hoje?”.

Logo aos primeiros tiros, o fuzil de Lampião foi atingido no engenho, o que limitou a reação do Rei do Cangaço (palavras de Candeeiro), e o fez ser atingido no tórax e no baixo ventre, caindo ao solo.

Zé Sereno conseguiu escapar ao furar o cerco parcialmente fechado (Aniceto perdera-se e não havia conseguido chegar neste momento) fingindo-se passar por um volante: “- Não atire, que é companheiro!”. Conseguiu, portanto, fugir.

Candeeiro correu, mas topou com os soldados de Aniceto Rodrigues no meio da mata, e foi atingido no braço, perdendo a capacidade de revidar os tiros. Mesmo assim, conseguiu fugir, ajudado por Amoroso e outros cangaceiros.

Cila, que praticamente foi arrastada pelos companheiros, estava em estado de choque. Correu pela caatinga descalça, pois não teve tempo de calçar as alpercatas. Na hora da fuga, a cangaceira Enedina vinha atrás dela. Em determinado momento, Cila sentiu um impacto nas costas e virou-se pra ver o que era. Deparou-se com Enedina caída no chão: levara um tiro na nuca e os pedaços de massa encefálica, meninges e sangue foram às costas de Cila. Segundo relatou em entrevista ao autor destas linhas, demorou muito tempo para tirar as manchas de sangue e cérebro que ficaram no seu vestido.

O tiroteio foi intenso e durou uns 20 a 25 minutos. Um dos soldados, Honorato, deu um tiro na cabeça de Lampião, quando este estava caído no chão, o que suscitou grande reprimenda de João Bezerra, que disse: “-Não atirem na cabeça! Não é pra esbagaçar! É pra cortar e levar!”.

Segundo depoimentos de cangaceiros e volantes, Maria Bonita teria implorado para não morrer. No entanto, foi degolada pelo soldado Santo (na verdade, Sandes), ao que parece ainda com vida.

O tenente João Bezerra foi baleado na perna durante o combate, provavelmente por Zé Sereno. Um soldado, Adrião Pedro de Souza foi morto durante o combate, provavelmente por Balão.

Corisco ouviu o tiroteio, mas como estava no outro lado do rio, não teve como dar uma retaguarda a Lampião. Só depois ficou sabendo o resultado do confronto.

João Bezerra ordenou que os onze cangaceiros mortos fossem decapitados e as cabeças levadas para Piranhas, onde foram fotografadas na escadaria da prefeitura. Depois de condicionadas em latas de querosene, foram levadas para Maceió, não sem antes serem exibidas em várias cidades do interior de Alagoas aos circunstantes, o que muito prejudicou a conservação das mesmas.

Em Maceió, as de Lampião e Maria foram examinadas pelo médico legista da Polícia Militar de Alagoas, Dr. José Lages Filho, que emitiu laudo de necropsia das peças. Posteriormente, foram mandadas para o Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, onde ficaram expostas até 1969. Neste ano, foram sepultadas em urnas, após pedido da família.

Aí está, em algumas pinceladas, o combate do Angico, o tiro de misericórdia no Cangaço, que ainda estrebucharia até 1940, com a morte de Corisco. Os grandes vitoriosos deste episódio foram João Bezerra e Francisco Ferreira de Melo, que conseguiram seu intento, apesar dos muitos empecilhos que se apresentaram (a recusa inicial de Pedro em ajudar, o cerco que não estava fechado, a travessia do rio…). As luzes de Bezerra e Ferreira de Melo ofuscaram o brilho de Lampião, que não conseguiu cumprir a promessa que fizera a Dona Delfina. A dona da fazenda Pedra D’Água teve de arrumar outros padrinhos para festa em que aguardava Lampião e seu bando, com muito arroz doce e canjica.

* Leandro Cardoso Fernandes é médico, escritor e consultor da Sertão Games para o Cangaço Wargame. Apaixonado pelo tema desde os 12 anos de idade, coleciona peças e fotos originais. Também realizou várias entrevistas e conversas informais com cangaceiros

Referências:

Araújo. A.A.C. “Assim Morreu Lampião”. Traco Editora. São Paulo. 1971.
Depoimentos de Zé Sereno e Balão a Antonio Amaury C. de Araújo. São Paulo. 1970.
Depoimento de Cila a Leandro Cardoso Fernandes. São Paulo. 2003.
Depoinento de Leônidas Fernandes (filho de Dona Delfina) a Leandro Cardoso Fernandes. São Paulo. 2003.
Candeeiro. Vídeo de Aderbal Nogueira. 2008.

http://cangaco.com/category/uncategorized/ 




História do Cangaço em AURORA

Por: José Cícero

...Massilon chega a Aurora para o grande encontro. Aguardaria Lampião, Sabino e o coronel Isaías.

De repente no esquisito daquela caatinga enbrabecida, rompeu um grito seco e abafado cheio de terror e medo como um rosnado de bicho quebrando o silêncio sagrado daquele ambiente. Chão de brasa. Sol a pino cozinhando os miolos e o juízo dos valentes sertanejos em seu eito diário.

Pouco depois som de besouros apenas... E um cancão ligeiro em ziguezague cruzara o caminho como que também desorientado estivesse. Logo em seguida, um gemido extremo de moribundo, atravessou os ares escaldantes daquele fim de mundo. Grotões imensos de pedras, costurados por um gracioso emaranhado natural de espinhos. Touceiras enormes de cactáceas. Como se fossem elas, sentinelas da terra que os homens sertanejos insistem tanto em dominá-la há séculos pela vida adentro.Um pequeno lapso de tempo. Um quarto de hora mais ou menos. Seguido de um novo grito. Possivelmente o derradeiro.

Um som ribombeou por todos os lados como um tiro de espigarda a se precipitar entre os rochedos repletos de macambiras, coroa-de-frade, rabo de raposa, mandacarus e xiquexiques. Tudo aquilo estava carregado de estranhamento. Podia-se a partir daquele crucial instante, ouvir nitidamente as pisadas fortes, como a galope de muitos cavalos, entre os arvoredos quebrando os garranchos secos daquele ambiente semi-árido. Os cascos dos animais tiniam como ferro sobre as pedras soltas e os lajedos imensos. Supersticiosos decerto diriam se tratar de caipora em seus desmandos dentro da mata caririense.

Mas, logo ficariam sabendo que estavam errados. Caipora mesmo naquela Aurora dos anos 20 era a vida que se levava naquele sertão adusto perdido e desprezado a se derramar numa sequidão sofrível. Bem ao contrário do rio Salgado, léguas distantes escorrendo tranquilamente na vastidão do vale como uma jararaca gigante e preguiçosa quase cochilando. Aquele sertão era isso: um literal inferno de tanta precisão, perigos e outras contrariedades. Aqui acolá, também o bizarro insistia em compor aquele panorama cheio de segredo, mandinga, misticismo e outros mistérios. Lugar onde o gênero humano, tinha por certa condição atávica, a ligeira necessidade de também ser bicho na busca incessante de também sobreviver a desdita, o sofrimento e as injustiças.

Eis o sertão. Uma extensão do mundo tetricamente abandonado pelos poderosos aliados do poder central. O sertão era uma ficção posta no mapa simplesmente para fechar uma laguna espacial e geográfica. Do outro lado, o fértil vale que descambava para o pé da serra tinha lá seus donos e seus negócios enigmáticos. Coronéis indolentes do latifúndio. Velhacoutos de diversos grupos de jagunços e bandoleiros sanguinolentos. Bandidos de toda espécie. Criminosos da pior índole. Péssimas criaturas, cuja definição de gente e de cristão era no mínimo uma afirmação temerária.

Naquele dia quase sonolento de uma sexta-feira a caatinga seca quebrara seu silêncio característico. Momento em que o imponderável da vida parecia se aninhar nas mãos calejadas dos homens sertanejos. Tanto que ali mesmo naquele exato instante, se tornou possível ouvir muitas vozes onde até pouco, a solidão reinava pelos quatro cantos. Os cangaceiros mais uma vez se perderam nas traiçoeiras bibocas do mar do sertão que eles pouco ou quase nada conheciam pelas redondezas.

Eram jagunços perigosos... Rasgando o oco do mundo. Demônios terrenos em carne e osso. Talvez por isso os bichos da mata também estivessem em pavorosa correria. Mas por sorte, os bandoleiros atingiram o caminho certo. Mas sem antes, friamente assassinarem mais um cristão inocente. Um pobre guia: Seria Zé Alves, o jovem leiteiro do Jatobá, sangrado barbaramente nos rincões inóspitos da Catingueira? Não. Este crime ficaria para quase um mês depois. 


Quando Massilon se separaria de Lampião, não no riacho do sangue na fazenda Letrado como disseram. Mas de fato, no entroncamento dos sítios Brandão e Gerimum da Aurora. Covardia a qual os seus parentes da família Arara, jamais esqueceria...

Seria o proprietário do sítio Caboclo, vitimado por ter se negado a doar um boi para o banquete dos criminosos? Não. Este havia sido muito antes pela jagunçada dali mesmo, da Ipueiras e Missão Velha. Para aquela alma em seu martírio ainda agora existe um grande cruzeiro de Penitentes no local exato onde a vítima foi assassinada.

Seria o velho Catita que quando novo havia experimentado igualmente a vida de jagunço, mas se arrependera? Talvez, demasiado tarde. Lá pras bandas da Malhada Vermelha... Mata fechada onde nenhum caminho por lá passava. Mais uma cruz seria fincada na rês do chão. A pilhagem e o crime rondavam assim, a boa gente dos sertões, como um cão danado, enraivecido, mordendo tudo. Viver e sobreviver nos sertões naqueles tempos era uma aventura de valentes. Por isso a frase Euclidiana que virou máxima: “O sertanejo é antes de tudo um forte”.

De tal sorte que, a justiça também era ali, por uma questão de definição prática, apenas mais uma das tantas vítimas daquele sistema desumano. E de certa forma, até hoje a velha história ainda continua...

- Mas que diacho será aquilo. Que zuada dos seiscentos diabos, meu Deus!

Resmungou o vaqueiro de Zé Cardoso e Izaías Arruda – respeitado coronel prefeito, filho de Aurora. Pensativo o velho tangedor de gado seguia montado em seu burrico. Caminhava a passos lentos, buscando uma bezerra desgarrada. Andara naquele dia léguas tiranas e nada... Até se deparar finalmente com aquela cena. Sentira medo. Porém de certo modo, a curiosidade o dominara. Por fim se acalmou quando viu que era Massilon Leite – o cangaceiro – esperto e sanguinolento. Aventureiro potiguar-paraibano que sonhara enriquecer num passo de mágica. Trilhando os rumos do cangaço pelo aquele mundo adentro. Pra ele Mossoró era uma mina fácil. Uma questão de tempo, tão somente. Estava ali de volta as terras da Aurora com o seu pequeno bando de celerados. Não estava ali à toa. Tinha lá o seu propósito sob a alcunha de Mossoró.

Naquele dia cinzento pisava de novo com certa pressa o solo aurorense. Riscava ele com seu bando de facínoras intrépidos agora o descampado da mata solitária d’Aurora de Cândido do Pavão. Trazia, além de um sorriso largo no rosto, alforjes e embornais cheios de dinheiro e ouro. Produto da rapina que realizou dias antes pras bandas da Paraíba e do Rio Grande.

Sol a pino. Início do mês de maio – ano cangaceiro de 1927. Como que combinado, todo o bando em ato contínuo passava o lenço encardido sobre a testa como em continência. Não tinham sede. Tinham o calor dos trópicos. Há pouco passaram por um farto açude. Água boa, terra boa...

Depois do sobressalto e do medo do desconhecido, o vaqueiro agora estava um tanto aliviado. Pois viu que era Massilon - velho conhecido de outros tempos. Mesmo de relance, deu até para lobrigar alguns outros bandoleiros de casa, filhos da terra das bandas do riacho das Antas.

- Bom dia Massilon! Como você voltou cedo... o combinado num era pro mês que entra? - Disse o vaqueiro com certa intimidade.

- De fato Seu Vicente, nós havia acertado com Zé Cardoso e o coroné pro começo do mês de julho. Mas sê sabe como é, a gente num domina os acontecimentos. – Continuou:

- Por isso tô aqui. E também já sei que o capitão Virgulino já tá chegando aí por perto. Tá pras bandas das porteiras ou nas terras de Antoin da Piçarra dando uma descansada -

Explicou Massilon sentado de lado sobre a lua da sela, como que descansando as nádegas da longa viagem.

- É bom prevenir o capitão. Vi dizer que os macacos de Arlindo Rocha e Mané Neto estão fechando o cerco por aquelas bandas. É bom num facilitar. Aqui na Aurora estamos mais protegidos sob os cuidados do coroné Arruda.

Depois emendou: - Mas seu Vicente, me diga, onde está seu Zé Cardoso? –Perguntou:

- Trago a encomenda do coroné Izaías Arruda e tenho um bilhete de Décio Holanda sobre aquele assunto de Mossoró. Neste instante o vaqueiro do Diamante pareceu que tinha fogos nos olhos.

- Ora Massilon, você devia ter mandado dizer antes pelo pessoal das Antas. Zé Cardoso foi pra Missão Véia inda hoje no trem da feira pra tratar de assunto particular com o coroné Izaías. Depois a gente precisa de pagamento né. Disse ele que tinha pressa e tinha urgência. O vaqueiro continuou na sua longa explicação:

- Mas pelo jeito a amanhã cedo já deverá está de volta pelas Ipueiras. – explicou.

- Mas me diga onde vosmicê quer se arranchar? Aqui no Diamante na minha morada ou lá na casa das Ipueiras? Quis saber o vaqueiro. Pensativo Massilon demorou um pouco com o olhar enigmático voltado para o norte. Depois respondeu de chofre:

- Seu Vicente agradeço a sua hospitalidade. Mas quero ficar com meus homens até Zé Cardoso me trazer o coroné, lá na gruta da serra dos Cantins se o amigo não fizer caso pela escolha. – disse ele.

- O amigo acaso podendo me dispor do necessário é lá que eu queria me acoitar pelo tempo devido que for. Tenho coisas importantes para o coroné e naquele esconderijo de Lampião me sinto mais seguro. Sê sabe como é né? Munição e arma nós tem pra qualquer precisão.

- Bom, se o amigo deseja assim. Assim será feito. O resto pode deixar por minha conta.

Após este diálogo o vaqueiro que vinha do Coxá acenou para o resto do bando. Dizendo alto:

- Cambada vamo então lá pra casa para gente cumer qualquer coisa, pois as caras de vocês num nega. Vocês tão é lascado de fome e de sede num é?

Em seguida trocou algumas palavras com os jagunços do bando de Izaías Arruda que vez por outra serviam a Massilon nas suas incursões regionais. Eram eles: Zé Lúcio, José Roque, Zé Coco. Depois de comerem na casa do vaqueiro, Massilon com seu bando seguiu para o esconderijo da serra dos Cantins a cerca de apenas meia légua da Ipueiras onde aguardaria o coronel e Lampião com relativa segurança.

Era inegável. Ele temia alguma perseguição pela pilhagem que praticara dias antes. Com toda aquela dinheirama obtida nos últimos saques, Massilon repartiria com o coronel Izaías Arruda. Este era o trato – a partilha seria na base do meio a meio. E de quebra, por conta desse lucro aparentemente fácil tentaria convencer, o arguto Lampião para a sonhada empreitada da invasão de Mossoró. Seria o xeque mate para subir de vez na vida.

Dias depois, num final de tarde na casa grande da Fazenda Ipueiras – propriedade do coronel Izaías Arruda - arrendada ao seu cunhado Zé Cardoso, ocorreria o célebre encontro com vistas a traçar as estratégias para o ataque de Mossoró no Rio Grande do Norte. Da qual participaram, além de Massilon, o cangaceiro aurorense Júlio Porto que servia à Décio Holanda do Pereiro, Zé Cardoso, Lampião, Sabino e o coronel Izaías Arruda, este último como o grande patrocinador da empreitada. Igualmente, o principal responsável pelo convencimento de Virgulino que a princípio não concordou em participar do acerto, por conta do seu total desconhecimento da geografia do lugar e a ausência de coiteiros que o auxiliasse. Não costumava fugir do seu modus operandi de agir. Nestas coisas certas mudanças nunca são bem-vindas porque não surtem efeito positivo.

Não diretamente na sala de jantar onde a trama acontecia, estavam na sala da frente o vaqueiro Miguel Saraiva e o jovem Asa Branca, que mais tarde ingressaria no bando de Lampião com destino à Mossoró. Por conta da sua pouca idade, 15 anos, Asa Branca inicialmente foi recusado por Lampião, pois segundo ele, ‘não trabalhava com menino’. Não pela a insistência do jovem e do próprio Zé Cardoso, Lampião terminou aquiescendo após assistir na frente da Casa Grande uma sessão de tiro ao alvo realizada por Asa Branca. Ficou maravilhado e até confidencio para o coronel que o menino era mais um bom de vera...

“Este é igual uma Asa Branca, a gente só se ver a marca quando ela voa e estica as assas”, disse o capitão baixinho ao coiteiro-amigo Izaías Arruda.

Era ele, o tal menino, um atirador dos mais exímios. Um caçador renomado no sítio.. Tanto que conseguia a proeza de não errar um só tiro, mesmo os de olhos vedados(mirava antes e em seguida pedia para vedar seus olhos) como também os que foram executados de costas. Naquele final de tarde começava a ser planejada nos seus mínimos detalhes a empreitada para a invasão de Mossoró. Um projeto ousado, cujos riscos sequer foram devidamente avaliados. Aquilo de certa maneira intrigou o rei do cangaço.

Um investimento de curto prazo que ajudara a cegar os seus protagonistas. Toda trama foi arquitetada na fazenda Ipueiras no município de Aurora no Cariri cearense. Mas a história não terminaria ali. Depois do malogro, Aurora seria novamente palco de uma nova saga cangaceira, além de ponto culminante da fantástica e polêmica perseguição e marcha de Lampião e seu bando na direção da fazenda Ipueiras de Zé Cardoso e o coronel Izaías Arruda.

Sem ela, qualquer narrativa sobre o reio do Cangaço estará fatalmente comprometida, posto que não estará completa.

José Cícero

Professor e Pesquisador do Cangaço.
Secretário de Cultura de Aurora-CE.

http://www.aurora.ce.gov.br/noticias/texto.asp?id=1602