Por Sálvio
Siqueira
"Um
cangaço pós-lampiônico repontará nos anos 50 e 60, em grupos reduzidos, a
exemplo de Floro Gomes Novaes, o capitão Floro da ribeira do Ipanema, com cinco
homens, entre Alagoas e Pernambuco. Da esquerda, Valderedo Ferreira
(lugar-tenente), o chefe Floro e Faísca c.1962. Cortesia de Valdir Oliveira,
Recife, Pernambuco."
http://valdiroliveirasantos.blogspot.com.br
Uma
das mais conhecidas, e antigas, profissões do mundo é a de marchante. É aquele
profissional que retalha a carne e as vende em porções pelo peso.
Na cidade de
Capelinha, nas Alagoas, morava um cidadão que era marchante. Era o Sr. Ulisses
Gomes Novaes. Foi assassinado por inimigos e com isso, os autores criaram um
grande, sangrento e ferrenho inimigo.
O Sr.
Ulisses tinha um filho que se chamava Floro Gomes Novaes, o qual ficou na
História sangrenta alagoana como Floro Novaes, “O Vingador das Alagoas”.
Segundo várias
literaturas, matérias em blogs e sites, Floro relata: “- Não esqueço o dia em
que encontrei o cadáver de meu pai estendido numa estrada. Vi a lama formada
pelo sangue misturar-se a pedaços de couro cabeludo e à carne branca e espumosa
do seu crânio esfacelada a coronhadas de rifle”. (http://www.anchietagueiros.com).
Após
tão horrorosa cena vista por um filho, o resultado foi catastrófico, no sentido
humano/vingativo, na consciência de um de jovem de 18 anos. A violência,
praticada em seu genitor, gerou outra violência, a partir de então, na mente e
ações daquele moço.
- “Pelo sangue
daquele que era meu sangue, o sangue dos que lhe tiraram sangue”(site ct), ao
dizer essa frase, Floro parte para a matança. Mata sem dó nem piedade.
Apesar de muitos o consideraram “Cangaceiro”, quando vemos suas estripulias,
sabemos que há enorme ‘fosso’ que o separa de tal. Primeiro pela época em que
iniciou seu ‘ciclo’ de matador, muito além do término do fenômeno cangaço, que,
oficialmente, acaba-se em 25/26 de maio de 1940 com a morte de Crhistino Gomes,
outrora o cangaceiro ‘Corisco’. Depois, pela maneira comportamental do
pistoleiro. Os cangaceiros foram nômades, ele, Floro, mesmo depois de estar na
fase de ação, fixa residência na zona rural de Águas Bela, PE.
Na
Fazenda Mamoeiro, no citado município, criava pequeno rebanho de caprinos,
algumas cabeças de gado e era um dos maiores produtores de feijão ‘daquelas
bandas’.
No período
carnavalesco do ano de 1971, Floro, tenta combinar, com amigos da região em que
morava fazerem uma caçada de veado na quarta-feira de cinzas, nas terras da
Fazenda Riacho do Mel, no município de Águas Belas, PE. Tendo o amigo Mané
Miúdo aceito, avisa que, junto a ele, iriam dois irmãos, Wilson e Américo,
filhos do Sr. João Lins, cidadão bastante conhecido nas redondezas e de inteira
confiança.
A fazenda
Riacho do Mel fica perto das terras de Floro, Fazenda Mamoeiro, e do sítio Passagem.
A seguir,
transcrevo do livro "A morte de Floro Gomes Novaes e o aniversário da
Sudene", de Reginaldo Heráclio, como aconteceu a ‘tocaia’, segundo o
conteúdo literário, que pós fim a vida de Floro:
“(...) Na
manhã do dia combinado, Floro mandou selar a burra, enquanto limpava a
espingarda calibre 12. Revisou os cartuchos, colocando 14 no aió(bolsa que o
sertanejo usa para caçar) e dois nos canos.
Calçou
botinas, dirigiu-se para o curral e reclamou da demora do ajudante.
O bonito
animal peidava, soltava coices, numa demonstração de que não estava para ser
montado naquele dia.
- Sai daí fi
da peste, deixa que eu selo.
Com trabalho e
açoites o animal deixou o dono lhe preparar.
Floro passou a
perna, juntou esporas no vazio, deu duas riscadas levantando poeira no
terreiro.
D. Neném na
porta de casa voltou a fazer o pedido do café;
- Fuloro, meu
coração tá pedindo pra tu num ir. Num vá não meu fi!
- Besteira
véia. Pru causa desse agôro a burra já tá cheia de pantim.
Disse, apanhando a
espingarda encostada na parede da casa.
Neste momento
vai chegando Wilson. Vinha saber da demora:
- Seu Fuloro!
O pessoá já tá lá no Riacho do Mé, isperando pelo sinhô. Me pidiro pra vim sabê
se o sinhô ainda vai?
Floro entregou
a 12 ao rapaz:
- Vambora. Vai
levando a ispingarda.
Ajeitou o
chapéu de Sumé, presente de Sebastião Trovão administrador da Fazenda Carié,
tocando montaria.
Viraram à
direita ao atingirem a estrada Boqueirão-Águas Belas. Logo adiante dobraram
novamente no mesmo sentido, pegaram a que segue para o Riacho do Mel.
Manhã bonita.
Um concris saboreava flor vermelha do cardeiro. A bem-te-vi no topo de uma
braúna soltava seus tristes vidas. O orvalho em folhas, absorvido pelos raios do
astro-rei. Andaram um quilômetro.
Por trás de
moitas de sacatinga, Jurandir de espingarda 20 e Alfredo de mosquetão.
Revólveres 38 e respectivas facas à cinta. Moitas praticamente isoladas em
campo aberto.
Floro nunca
imaginou naquele descampado, lado esquerdo da estrada, dois homens escondidos e
um objetivo.
Continuou a
conversa com Wilson Lins. Versava sobre outras caçadas. Passagens pitorescas.
No passar em
frente do piquete, o primeiro tiro. Jurandir endereçou-o ao ouvido esquerdo de
Floro. Passou de raspão na testa, perfurando a aba do chapéu.
No estampido,
Floro gritou:
- Solta a
ispingarda e corre, senão tu morre, fi da peste!!!
Wilson o fez.
Disparou na montaria. A burra empinou.
A parada
propiciou Alfredo acionar o mosquetão. O balaço entrou à altura da costela mindinha.
Saiu abaixo do peito direito, queimando o músculo do braço.
Floro caiu de
tórax perfurado. Arrastou-se rapidamente apanhando a espingarda. Mirou as
moitas e fez fogo. O esconderijo foi podado pelos caroços de chumbo da
possante. No interior só os gravetos.
A dupla correu
caatinga à dentro pelo mesmo lado esquerdo, após o segundo disparo. Atravessou
a estrada na frente, pegando o lado direito.
8:30
horas. A dor asfixiando-lhe o peito. O ódio lhe mantendo de pé.
Disparou outro
cartucho por cima de um repuxo de cerca em direção à capoeira. Outra tentativa
vã.
Correr, não
podia. Começou a insultar:
- Vem pra cá
amarelo safado, pra gente morrê trocando tiro. E tome tiro.
Ficou brigando
e falando, sozinho.
A burra havia
fugido. Começou a caminhada de volta. Sacrificado, atravessou a cerca para
atalhar caminho. Agarrando em tudo que servisse de apoio. Encurtava distâncias.
Dor e raiva
aumentando, parava. Recarregava a arma e insultos:
- Corre fi da
peste. Tu num é home mesmo. Corno safado!!!
Mais um tiro a
esmo.
Os agressores
já haviam chegado à umburana, onde deixaram seus aiós e o supérfluo. Lastimava
Jurandir, apreensivo:
- O sirviço
foi má feito. Perdemo a caçada.
- Pió é qui
ele tá vivo e viu a gente. Completou Alfredo.
Na realidade,
a umburana estava na rota do ferido. Todos convergiram num só ponto, após o
atentado. Um devagar, os velocistas com tempo suficiente para alguns goles.
Serenar nervos na fuga.
A cachaça
passou queimando gargantas. O esforço contribuiu.
Na partida, o
barulho. Garranchos quebrados, resmungos de ira.
- Óia quem vem
ali. Disse em voz baixa Jurandir.
- É o home de
novo. Completou.
Abaixaram-se,
apontando armas.
A dor retira
reflexos. Disparos quase simultâneos. O tiro de mosquetão atingiu o
encontro da perna direita, partindo-a. O de espingarda, peito esquerdo. Cravou
cinco rolimãs abaixo da clavícula, junto ao coração. Floro deu um pulo.
Urrou igual fera atingida de surpresa. No cair, acionou o gatilho a copa
da umburana.
Correram. Jurandir
parou adiante:
- Vou pegá-lo
de revólver.
- Num vá não,
qui você num sabe cum quem mexeu. Advertiu Alfredo.
Nesse instante
ouviram o berro:
- Tu me paga,
fi da peste!
Pique
final. Ferido mortalmente, não recarregou a arma, nem disparou mais.
Restava cheio um cartucho. Talvez por precaução encostou no tronco de uma
catingueira, arriando. Espingarda em punho. Descartar-se da bota da perna
ferida cutucando-lhe o calcanhar com o bico da outra, o último esforço.
Tu me paga!!!
Última fala.
D. Neném
estava com a razão. Vários avisos aconteceram: a montaria; a coincidência de
rotas; os resmungos. Todos negativos. Fatais.
Muita gente
ouviu tiros. Na caatinga não desperta curiosidades muita coisa. Ninguém se
atreveu investigar.
Wilson chegou
a galope. Américo e Mané Miúdo uníssonos, perguntaram:
- Cadê Fuloro?
- Eu vinha cum
ele e deram uns tiros na gente. Perto de Casa. Ele mandô soltá a ispingarda e
corrê! É o que sei dizê!
Em direção ao
local do tiroteio, acorreram. Distava uma légua. Resfolegantes, não encontraram
nada.
Mané Miudo
tomou iniciativa:
- Amériqui,
vai na casa de Fuloro avisá a D. Neném:
- Num mi diga
uma coisa dessa não meu fi. Pru Nossa Sinhora!!!
Iniciou a busca. À
tarde choveu forte. A busca parou. A noite cobriu de manto escuro todo sertão
em notícia. Comentários.
Uns achavam
que Floro havia saído na trilha dos agressores; outros que estava morto de
corpo escondido. Não havia sinais de sangue. Dúvida nas duas versões. Encontro
com a polícia alagoana e prisão, outra hipótese levantada.
A chuva cessou
pela madrugada. Estiou.
Ao amanhecer
da quinta-feira, o mais sensato: todo mundo espalhado no mato, procurando uma
pista, um vestígio, o homem.
O orvalho
retido no verde molhava vestimentas.
Às onze horas,
José Lins, primo de Wilson, avistou Floro sentado, espingarda no colo, olhos
arregalados, rindo por ser cangulo:
- O home tá
vivo!!! Gritou para o companheiro de procura.
- Adonde?
- Ali. Tá
ferido, mai tá vivo.
Num tôvendo
sangue. Vamo cum cuidado, que ele pode pensá qui nós e o pessuá qui imboscou
ele e passa fogo na gente. Advertiu José Lins.
Chegaram perto
e notaram a inércia, era cadáver(...)”.
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