Vivendo hoje
em Campinas, Dulce revelou como foi viver obrigada a interagir com cangaceiros
que a sequestraram.
Dulce Menezes dos Santos foi uma das muitas mulheres que tiveram suas vidas
interferidas pelo bando de Virgulino Ferreira, mais conhecido como Lampião.
Hoje, vivendo na periferia de Campinas aos 96 anos, ela passou a integrar ao
cangaço após ter sido retirada de sua família e violentada por um dos
integrantes do grupo.
Essa fase da vida de Dulce sempre foi escondida pela família, o que fez com que
a idosa passasse a evitar visitas. "Infelizmente isso aconteceu contra minha
vontade. Não fui porque quis ir”, deixou claro em entrevista ao Estado de
Minas.
O trágico encontro entre Dulce e os mais famosos bandidos do Brasil ocorreu
quando ela vivia com a irmã em Alagoas. Antes, morava na fazenda de algodão da
família em Porto da Folha, Sergipe, mas ambos os pais morreram quando ela era
criança.
Acontece que o rancho alagoano em que passou a morar era recinto de descanso
dos cangaceiros que adentravam ao sertão. Lá, Dulce se deparou com aqueles
estranhos homens adornados em couro, quando um dos cangaceiros, João Alves da
Silva, vulgo Criança, notou a presença menina e pediu para comprá-la de seu tio
João Félix, que a trocou por joias.
Em negociação, Criança falou a João que levaria Dulce a uma festa organizada
por Zé Sereno numa fazenda vizinha. Ao cangaceiro foi permitido acompanhar a
criança, enquanto João e a esposa Julia assistiam de longe. Dulce afirmou que
desde cedo já se sentiu assustada com a situação.
Criança então pegou a menina pelo braço e a obrigou a sair do salão onde
estavam. Gritando de medo, ela ouvia o cangaceiro berrar: "Cala a boca, se
não te sangro agorinha mesmo." Foi jogada no chão, em meio às pedras e
cactos, e lá foi estuprada, com o assustador silêncio dos outros convidados.
No resto da noite, Dulce foi observada pelo cangaceiro, que a tratava como
mercadoria. João Felix se sentia arrependido, mas também acuado pelo bandido
armado.
"Fui a pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele era Criança. Deus
queria que eu estivesse aqui agora, conversando com vocês", afirmou
Menezes. "[ele estava] com parabélum na mão. E [eu] com medo de morrer,
acompanhei." Na época com 13 anos, ela era apaixonada por Pedro Vaqueiro,
um rapaz de Piranhas que, ao descobrir a violência, saiu com um desespero
aterrador e desapareceu no sertão.
Acontece que Criança pertencia a um dos subgrupos comandados pelo capitão
Lampião que, em 1938, convocou seus homens para uma reunião na Gruta do Angico,
Sergipe. Lá, Dulce conheceu Maria Bonita a quem ela descreveu como “boa
pessoa”.
Presenciou a cena por pouco tempo, afinal, aqueles grupos articulados por
Virgulino agiam separadamente: “Se vivesse tudo junto, a polícia descobria pelo
rastro. Agora, nesse dia estava todo mundo junto. Tinha de acontecer, graças a
Deus”.
Naquela noite, conseguiu descontrair as tensões do sequestro ao encontrar Maria
bonita e Sila numa conversa em que caminhavam pela escuridão da caatinga
reconhecendo vagalumes. Pela primeira vez em muito tempo, conseguiu dormir
tranquila.
Porém, a hora de acordar foi completamente conturbada. Não porque os
cangaceiros voltariam a violentá-la, mas ao contrário: dessa vez era Criança
que levava os tiros e corria desesperado, pois um grupo volante do Estado havia
invadido a Gruta numa emboscada contra o bando de Lampião. Esse foi o famoso momento
em que finalmente o Rei do cangaço fora capturado e executado.
Adquiri esta foto no blog do escritor João de Sousa Lima.
Criança conseguiu escapar, mas Maria Bonita e Lampião morreram no local.
Enedina também, e o tiro que abateu sua cabeça fez respingar miolos em cima de
Dulce. "Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas pernas, passando em
cima de cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque nunca vi tanto tiro na
vida, meu filho."
Quando a noticia chegou a Piranhas, a família foi checar se a cabeça da moça
estava entre os troféus da volante. O grupo então se embrenhou no mato e fugiu,
mas decidiram se entregar à polícia em troca de uma anistia concedida pelo
ditador Getúlio Vargas. Com dois filhos, Criança e Dulce passaram a trabalhar
numa fazenda do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Para ajudar Dulce, o dono
da fazenda tornou o ex-cangaceiro o novo tropeiro do lugar, obrigando-o a se
afastar da garota.
Dulce se casou com Jacó, o dono da fazenda, e com ele teve 18 filhos. Ela
relata que esse momento de sua vida foi muito melhor do que a época em que
estava sequestrada pelo bando de Lampião: "Foi o tempo que fui feliz.
[...] Agora essa turma do Lampião, meu Deus do céu, quando queria pegar mulher,
se não fosse, eles matavam”.
Quando Jacó morreu Dulce decidiu mudar-se para o Estado de São Paulo com a
filha Martha, passando a residir em Campinas, onde não encontrou a maior
felicidade: teve filhos e netos assassinados em meio à violência da cidade.
ADENDO:
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Adquiri esta foto no blog do escritor João de Sousa Lima. - http://joaodesousalima.blogspot.com/2015/12/nos-rastros-do-cangaco-perseguindo.html
"Mais ou menos 6 anos passados eu fui fortemente criticado por uma sobrinha do Jacó, quando escrevi sobre a Dulce Menezes dos Santos e afirmei que a Dulce era sua esposa. A sobrinha me bateu dizendo que Dulce Menezes nunca foi casada com ele, e sim não passou da outra do Jacó. Fui até probido de marcar o seu nome no facebook. Mas ela tem as suas razões, não sei de que forma, mas tem".
Pescado em Aventuras
na História
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