Por: Francisco
Frassales Cartaxo
O ataque a
Cajazeiras,(PB) comandado por Sabino Gomes (foto), no dia 28 de setembro de
1926, teve enorme repercussão na imprensa, pela ousadia da investida contra uma
cidade importante para os padrões da época: servida por estrada de ferro, polo
agroindustrial algodoeiro, comercio expressivo, sede de bispado, centro
cultural e de ensino reconhecido no Nordeste e outros fatores. A vida e a
trajetória de Sabino Gomes permanecem nebulosas, muito embora tenha sido ele um
destacado subchefe de grupo ligado a Lampião presente no noticiário da imprensa
na década de 1920, auge o banditismo nordestino.
Talvez tenha partido da imprensa do Ceará, a primeira informação acerca daquela
agressão a Cajazeiras. Digo talvez porque ainda não tive condições de realizar
pesquisa mais ampla nos jornais da época. Mas é certo que o diário “O
Nordeste”, órgão da diocese de Fortaleza, por exemplo, noticiou o fato logo no
dia seguinte, ainda que com dados precários, sujeitos à correção, como se pode
ler na matéria sob o título de “A próspera cidade de Cajazeiras, na Paraíba, é
atacada pelo grupo de Sabino Gomes”, veiculada no dia 29 de setembro, a partir
de informe telegráfico recebido de Lavras da Mangabeira:
O cangaceiro
Sabino Gomes
"A cidade
de Cajazeiras foi surpreendida, ontem, por um ataque de 38 cangaceiros,
chefiados por Sabino Gomes, resistindo até às 22 horas, quando os bandidos,
dando-se por vencidos, retiraram-se, tomando a direção do Cariri. Houve três
mortes e duas casas incendiadas. Na Estrada de Ferro conseguimos colher os
pormenores que se seguem enviados pelo telegrafista da estação da via férrea
Ceará/Paraíba, ali existente”.
Ontem às 14 horas o bando do terrível Sabino Gomes, comparsa de Lampião, passou
em Baixa Grande, a duas léguas daqui, em viagem para esta cidade, tendo ali
assassinado pai e filho, Raimundo Casimiro e Francisco Casimiro, por não terem
os mesmos a importância que os facínoras exigiram.
Às 17 horas
alcançaram a residência dos doutores Coelho Sobrinho e José Almeida, estando
presente o doutor Abdiel, os quais, para garantia e honra das suas famílias
deram joias e dinheiro que somaram a mais de três contos de réis, incluindo o
anel do engenheiro de um deles. Na mesma rua mataram o soldado Domingos
Monteiro, o alfaiate Eliezer Alexandre e Cícero Corneteiro. Os prejuízos dos
roubos e incêndios são superiores a 50 contos de réis. Na entrada do comercio
mataram os bandidos uma criança de dez anos. Assaltaram depois a residência do
coronel Sobreira, o qual, não se sujeitando à quantia exigida foi atacado à
bala, reagindo, havendo forte tiroteio. Os bandidos não conseguiram entrar no
comercio, devido à forte resistência da população”.
No dia seguinte, 30 de setembro, “O Nordeste” comenta que “A população
defendeu galhardamente o comércio, resistindo e repelindo a ação dos
bandoleiros que recuaram, conduzindo três companheiros feridos. Os doutores
Coelho Sobrinho, Abdiel Ferreira e José Almeida foram as primeiras pessoas
atacadas, sendo o segundo roubado em um anel de engenheiro no valor de
oitocentos mil réis”.
No correr do mês de outubro de 1926, vários números daquele jornal continuaram
a repercutir a ação dos bandoleiros, sempre ressaltando a audácia do ataque a
Cajazeiras e a eficácia da resistência civil à investida dos homens de Sabino
Gomes.
Os cangaceiros
e Cajazeiras sitiada
Os cangaceiros
e Cajazeiras sitiada
Por Nadja
Claudino
28 de setembro
de 1926, um menino de oito anos de idade se esconde debaixo da cama dos pais.
Ele e outras crianças estão acuadas a espera do ataque do bando de cangaceiros
liderados por Sabino Gomes (sub-chefe do bando de Lampião, o temível e famoso
Rei do Cangaço). A cidade de Cajazeiras está em suspense à espera dos homens
selvagens que viriam do mato, prometendo todo o tipo de destruição, caso não
fossem obedecidas as suas exigências.
O sol quente,
o calor abafado são alguns dos elementos menos perceptíveis nessa tarde de medo
e ansiedade. Os homens testavam as armas, procuravam pontos estratégicos para a
defesa da cidade. Na igreja, o bispo defendia sua fé, rezando, pedindo aos céus
intervenção para que Nossa Senhora da Piedade protegesse a cidade, os homens, e
mesmo os cangaceiros – que fossem eles embora com a graça de Deus. Os
cangaceiros nas cercanias da cidade esperavam o melhor momento para atacar; o
povo esperava o ataque. A cidade estava sofrendo com a espera angustiada.
Ivan Bichara
O menino
embaixo da cama se chamava Ivan Bichara Sobreira, que muitos anos depois
escreveu um livro intitulado "Carcará", romance que conta essa
história acontecida em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, em uma distante
tarde do mês de setembro de 1926. O romance mostra uma Cajazeiras orgulhosa da
sua história, por ser uma das maiores cidades do sertão, rota de ligação da
Paraíba com o Ceará, cidade símbolo da educação. Terra de famílias tradicionais
como os Rolim, Albuquerque, Sobreira, Bichara. É essa cidade e são essas
famílias que estão sendo ameaçadas por um grupo de cangaceiros, personagens que
tanto atemorizavam a região sertaneja da década de 20 até meados de 1940,
quando a morte de Corisco baniu o último dos cangaceiros.
Podemos pensar no pavor que acometia todas essas famílias, preocupadas com o
destino dos seus homens e suas mulheres, caso caíssem no poder dos cangaceiros.
A perversidade dos cangaceiros era altamente propagada. Os estupros de mulheres
casadas e até de moças virgens, a castração dos homens, a mutilação da língua
dos traidores que falavam demais, os bailes que os cangaceiros promoviam depois
da vitória, fazendo as mulheres mais respeitadas da sociedade dançarem nuas na
frente dos filhos e dos maridos. Verdade ou invenção eram essas as histórias que
corriam de cidade em cidade.
E por conta disso os homens que protegiam Cajazeiras estavam em uma guerra de
vida ou morte, de glória ou de humilhação. Ivan Bichara, traduziu esses
acontecimentos que marcaram tão profundamente sua infância por meio da
literatura. O moço Ivan como muitos rapazes do seu tempo sai de Cajazeiras para
terminar seus estudos e se forma na Faculdade de Direito do Recife.
Volta à Paraíba e começa uma carreira política promissora, sendo eleito em 1946
para a Assembléia Legislativa, em 1955 se elege deputado federal e, em 1975, é
escolhido pela Assembléia Legislativa governador. Ivan Bichara integrou um time
seleto de políticos escritores da Paraíba, a exemplo de Ernani Satyro, José
Américo de Almeida, Ronaldo Cunha Lima, dentre outros, que assumiram o governo
do estado e deram importante contribuição às letras paraibanas.
O romance Carcará toma Cajazeiras como representativa de muitas cidades do
interior do nordeste que foram atacadas por bando de cangaceiros. A verdade é
que as cidades do interior eram desguarnecidas, os meios de comunicação eram
incipientes e não conseguiam tirar do isolamento os lugarejos mais distantes.
Esse era um dos fatores por que a maioria das cidades capitulava frente às
investidas dos cangaceiros.
Mossoró, no Rio Grande do Norte, no ano de 1927, expulsou os cangaceiros da
cidade, sendo também uma das primeiras cidades a desafiar o Rei do Cangaço.
Esse passado de lutas até hoje é preservado pela população mossoroense, usada
como discurso histórico, político e cultural. São museus, memoriais, livros,
discursos que formulam a identidade de um povo valente, que não aceitou os
invasores. Em Cajazeiras, a expulsão dos cangaceiros não foi explorada dessa
maneira, foi silenciada, esquecida e tem no livro de Ivan Bichara uma
significativa fonte de pesquisa.
O livro traz personagens representativos do universo sertanejo. São rapazes que
na época desejam migrar para os grandes centros e assim poderem dar
continuidade aos seus estudos, moças casadoiras, poderosos locais como
coronéis, políticos, delegados e também a gente do povo, feirantes, cantadores
de viola, que se movimentam e nos prendem nas teias do enredo. O livro de Ivan
Bichara é inspirado em um fato real, que ele soube narrar com enorme expressão
literária, ligando seus personagens à vida de um Nordeste arcaico, recôndito,
lugar de acontecimentos inusitados. O ataque dos cangaceiros, a ansiedade, o
medo das perversidades, tudo isso envolve o leitor do Carcará, fazendo com que
ele também se angustie, tome amizade pelos personagens, se importe com sua vida
e com o seu destino nas mãos dos cangaceiros.
Ivan Bichara integra a vida com a literatura, fazendo a vida pulsar em cada
parágrafo. A ansiedade do menino deu subsídios para, juntamente com a técnica
literária do homem escritor, gerarem um livro que mesmo empoeirado e esquecido
nas estantes das bibliotecas públicas nos remete a um passado que merece ser
lembrado.
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