Por João Gomes de Lira
Na tarde do
dia 19 de janeiro de 1925, Lampião incendiou a fazenda Olho D’Água em Betânia
PE, pertencente ao Coronel José Pereira Lima, de Princesa Izabel PB. Além do
incêndio, Lampião matou muito gado no pátio da fazenda, o Sr. Izídio de São
Caetano, era o vaqueiro da propriedade. No mesmo dia, Lampião seguiu para
incendiar a fazenda Melancia, também do Coronel Zé Pereira. Virgulino e seu
bando foram pernoitar na Melancia. Residia na casa da fazenda, o Sr. Davi Firmo
de Araújo, conhecido apenas por Firmo. Na manhã seguinte, dia 20 de janeiro de
1925, Lampião levantou cedo, indo sentar-se na cozinha, esperando o café.
Fernandinha, esposa de Firmo, vendo-o ali sentado, começou a chorar. Vendo
aquele choro, Lampião perguntou: Se ela estava com medo, disse ainda que não
chorasse e não tivesse medo, que ele não ofendia a gente de João Araújo
(genitor de Fernandinha), que podia ficar tranquila, pois nada do que
pertencesse a ela, queimaria. Ali só queria queimar o que fosse do Cel. Zé
Pereira, o que fosse dela podia retirar da casa. Destemida, Fernandinha disse
que, seu choro não era com medo, nem com pena de nada, que ele podia queimar
tudo. O choro era porque há dois meses, ele havia matado dois primos seus e
estava ali em sua frente. Se ela pudesse, não o veria. Rapidamente respondeu o
cangaceiro, que ela tinha razão, e que ele não tinha nenhuma culpa na morte de
seus primos, uma vez que, os mesmos morreram na luta, brigando. Assim como seus
primos morreram, ele também poderia ter morrido. Os primos a que se referia
Fernandinha eram Inocêncio de Souza Nogueira e Olímpio Gomes Jurubeba, que
foram mortos no fogo da fazenda Baixas, município de Vila Bela, ocorrido no dia
20 de novembro de 1924.
Lampião
determinou a retirada de todos os troços de dentro da casa, ele mesmo ajudando.
Também pegou uma enxada e arrastou de dentro de casa para o terreiro, uma
grande quantidade de milho debulhado. Mandou Firmo ir a Betânia chamar seu
irmão Antônio Araújo (conhecido por Totonho), por ser o gerente das fazendas do
Cel. Zé Pereira. Chegando Totonho, em um carro de boi, Lampião o fez ciente de
que iria incendiar a fazenda. Tomou o carro de boi e transportou a madeira para
incendiar a casa. Lampião ainda pediu o comparecimento do Sr. Alcides Passos,
residente em Betânia, para retirar do cercado os seus animais.
Retirados os animais, os cangaceiros botaram fogo na casa e em todas as cercas
da fazenda, tudo virou cinza, o prejuízo do Coronel foi total.
Depois do incêndio, Lampião mandou por Alcides Passos, um bilhete para o
Sargento José Leal, Comandante da força volante de Betânia. No escrito, mandava
dizer ao Sargento Leal, que se encontrava na fazenda Melancia, com 35 homens,
todos de sangue no olho, incendiando a fazenda do
Coronel José Pereira de Lima
Coronel Zé Pereira, se o
Sargento achasse ruim, juntasse seus macacos e fosse para brigar, pois o estava
esperando, pois naquele dia estava querendo limpar a ferrugem de seu refle.
Recomendou mais, que o Sargento levasse a farinha que o feijão já estava pronto
para o almoço. Datou e assinou: Virgulino Ferreira da Silva – Vulgo: Lampião –
Governador do Sertão.
Em Betânia,
Alcides Passos procurou Severino Pires, para combinarem se entregava ou não o
bilhete. Severino foi pela entrega imediata do escrito, pois o Sargento bradava
dia e noite que, quem soubesse de Lampião na região e não comunicasse, morria
no pau.
Recebendo o bilhete, o Sargento ficou enfurecido, juntou os pés e disse: Vou
agora mesmo brigar com esse bandido.
Então gritou para macacada, se prepararem para brigar com Lampião. O soldado
Luiz Nogueira de Carvalho tentou mostrar ao sargento a desvantagem em atender
aquele chamado, pois o mesmo devia ser uma grande cilada de Lampião contra a
Força. Disse ainda que, Lampião não era de brincadeira, que o Sargento não o
conhecia, por ser do Recife. O Comandante Leal perguntou se o soldado Luiz
Nogueira estava com medo. Respondeu que não, apenas sabia que a volta de
Lampião era amargosa, se o Sargento estava duvidando que fosse, mas o
aconselhava atacar bem as alpercatas, para não ficar enganchadas nas caatingas
do Navio e chegar descalço em Betânia.
O Sargento respondeu: Eu sou é homem e venho do Recife para perseguir, brigar e
prender Lampião. Vários civis também se dirigiram ao sargento, pedindo que não
atendesse ao chamado de Lampião. O Sargento respondeu que era macho e a prova
ia dar naquele dia, pois levava um maço de cordas, para amarrar Lampião. Tinha
que entrar com o bandido amarrado dentro de Betânia para todo mundo ver. Antes
de seguir, o Sargento pôs em liberdade o soldado José Mariano Ferreira
(conhecido por Canela de Aço), que estava detido, o qual pegou o fuzil e saiu rua
acima e rua abaixo, dizendo que naquele dia ia morrer. Os companheiros pediam
que deixasse de ilusão. Respondia que era um pressentimento que estava com ele.
Pronto à tropa, quinze praças, número insuficiente para enfrentar Lampião e seu
bando, o Sargento deu ordem de marcha, partindo na frente o soldado Manoel Luiz
Taveira e alguns companheiros, o Sargento marchou no coice da tropa.
Lampião por
sua vez, preparou uma emboscada em forma de quadrado. Tudo pronto, disse: “Está
bem feito o curral, o boi José Leal chega já, já para se brigar”. Naquele
momento, Lampião apontou e marcou o lugar que a Força devia estar, isto é, do
meio para o fim do quadrado, recomendando aos cabras que, quando a força
estivesse ali, ainda não atirassem, deixasse chegar um pouco à frente, para dar
tempo aos últimos “macacos” entrar no curral, depois podiam fechar a porteira e
fazer a faxina completa. Coincidência com a previsão de Lampião, no lugar que
ele marcou, a força encontrou um vaqueiro e parou mesmo, perguntando se não dava
notícias dos bandidos. Foi quando um cangaceiro que estava deitado na emboscada
levantou a cabeça, sendo visto pelos soldados, que gritaram: “Olha os inimigos
companheiros!” Estas palavras já foram acompanhadas de uma grande descarga de
tiros, caindo morto o soldado José Mariano Ferreira (Canela de Aço) e
gravemente ferido com as pernas quebradas, o soldado Manoel Luiz Taveira. Por
não suportarem a chuva de balas, os soldados desorientados correram deixando os
dois companheiros em poder dos inimigos. Dentro de todo sufoco, o soldado Luiz
Nogueira não se cansava de gritar, chamando o Sargento Leal com as cordas para
amarrar Lampião. Luiz Nogueira olhava para todos os lados, mas não via o
Comandante Leal, pois antes de entrar no quadrado do curral, fugiu tão apavorado,
que tirou da Fazenda Melancia para Betânia, cerca de três quilômetros, de uma
só carreira, sem ter tempo de olhar para trás. O Sargento José Leal chegou a
Betânia demostrando sinais de loucura, entrando nas casas pelas portas da
frente e saído pelas portas dos fundos, estava muito aflito sem encontrar um
lugar para se esconder.
Do livro:
Memórias de um Soldado de Volante
De: João Gomes de Lira