Por Rostand Medeiros
O amigo Urano
Andrade, de Salvador, Bahia, publicou uma interessante história ocorrida em
junho de 1761, na bela cidade baiana de Ilhéus, onde dois homens negros foram
presos como “feiticeiros”, resistiram a prisão e na sequência do processo do
processo houve algo bem diferenciado.
Além das
informações contidas no texto, é interessante ver a forma como estes documentos
oficiais eram elaborados há 255 anos, os termos utilizados na época, mas
preocupações dos membros da justiça. Vale frisar que os documentos produzidos
em terras potiguares no período setecentista não diferem em nada da forma aqui
apresentado.
Dou parte a
Vossa Majestade em como a esta Villa vieram conduzidos por Ignácio Fernandes de
Souza, morador nesta Villa, dois pretos feiticeiros, os quais entraram a curar
publicamente de feitiços a várias pessoas, usando de arte diabólica com
alguidares de água em que faziam aparecer figuras, e para isso se punham a
falar com galos pretos, sapos e outras visagens semelhantes, em que diziam
adivinhar, pondo preços exorbitantes dinheiro para a paga das ditas curas, que
mais parecia furtos que curas, levando vinte mil réis, e dali para cima a cada
pessoa sem que tivessem estas vigor, antes alguns pioraram, e morreram e era
tudo uma confusão nesta Villa com estas artes diabólicas, e vendo o Reverendo
Vigário da Vara estas feitiçarias de que usavam os ditos pretos, os mandou
prender valendo-se para isso do socorro da justiça secular pedindo-me ajuda, e
foi o que logo fiz mandando pelos oficiais [diante de] mim prendessem os ditos
pretos, e indo se executar a dita prisão em o dia 25 do mês de março,
achando-me eu também presente, se puseram estes em resistência puxando por
facas de pontas, armas proibidas pela Lei por andarem estes para esse efeito
preparados, e com elas feriram perigosamente a um dos oficiais, e a outro que
ia em socorro a mesma justiça, sendo seu maior empenho o maltratarem-me que se
não fora o defender-me o fariam; e sendo com efeito presos prossegui a devassa
pela resistência feita a Justiça a armas por editais fazendo-lhe prontamente
sequestro em uma caixinha pequena com duas fechaduras em que se lhe achou
sessenta e tantos mil réis em dinheiro, roupas e algumas peças de ouro que se
lhe havia dado em penhor de algumas curas, e muito por praticas de feitiçarias
em que entravam algumas coisas sagradas das quais tomou entrega o mesmo
Reverendo Vigário da Vara, que presente se achava, e também procedeu a devassa
e sequestro, cujos pretos os fiz remeter com a devassa, seguros com ferros a
cadeia dessa cidade ao Doutor Ouvidor Geral do Crime, por José Luiz Pinto,
mestre e dono de uma lancha, morador este na Villa do Camamu por levar também
em sua companhia os escravos que foram dos Padres da Companhia cujos ia a
entregar ao Desembargador Chanceler, e Juiz Comissário da Inconfidência, e por
ser público e notório nesta Villa que o dito José Luiz Pinto não entregara os
ditos presos nem a devassa pelos haver postos em liberdade por dadivas de
dinheiro que lhe haviam dado, mandou prender o Doutor Corregedor da Comarca na
Villa do Camamu, onde se acha por causa do dito José Luiz lhe não apresentar
recibo de uns e outros presos por correr naquela Villa a mesma fama de que os
havia soltados, nem menos mandou entregar em esta Villa os ferros em que foram
seguros os ditos presos uns e outros, e como o Juiz Ordinário desta Villa dou
conta a Majestade para a nenhum tempo me prejudicar. Villa dos Ilhéus, e de
Junho 10 de 1761. Vossa Majestade.
Vassalo o mais obediente;
Antonio José Martins.
Correções: J.J.R.
Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, maço: 201.
Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, maço: 201.
Urano Andrade
é Graduado em História, Pós Graduado em História Social e Econômica do Brasil
Colônia, mas para mim é um caçador de histórias interessantes da Bahia
colonial. Histórias que ele disponibiliza, em um interessante trabalho de
democratização da informação histórica e do seu trabalho como pesquisador no
blog “Pesquisando a História” ( https://uranohistoria.blogspot.com.br/ ),
onde vale a pena a visita.
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://blogdomendesemendes.blogspot.com