*Rangel Alves
da Costa
Início com uma
indagação instigante: Lampião foi covarde? De antemão não questiono se foi
herói ou bandido, até mesmo porque a resposta está na compreensão dos fatos e
não em conclusões pessoais.
Voltando à
questão: Lampião foi covarde? Faço outro questionamento antes de adentrar neste
mérito: Acaso Lampião, ao invés de persistir na luta durante cerca de vinte
anos, simplesmente tivesse se entregado, traindo aqueles que lhe confiaram e
decepcionando o povo sertanejo que tinha no seu enfrentamento o mesmo anseio de
luta contra a opressão?
Mas ele, como
se sabe, persistiu até o fim na sua luta. Neste sentido, não foi covarde, não
se amedrontou, não temeu pelo que sabia que mais cedo ou mais tarde
aconteceria. Então, o que fez este homem durante todo o tempo de luta, debaixo
do sol e da lua, pisando em carrascais e espinhos, bebendo da lama e suor,
adormecendo em eterna vigília, para mais tarde ser chamado de bandido?
O que fez este
homem correndo de lado a outro, entrecortando caminhos de emboscadas, entregue
à sorte de não ser surpreendido nos tufos de matos, cortando veredas pontudas
de pedras e pontas de pau, fazendo da loca de pedra uma cama e amanhecendo
ainda na escuridão da noite, para ser chamado de bandido? E que foi este homem
tão respeitado pelos governantes - pois temido demais e reconhecido na sua
valentia -, pelos coronéis e poderosos e que tão bem soube mapear o seu mundo
numa rede de influências, para depois de sua morte ser apenas aviltado?
Agora
pergunto: Por que Lampião foi bandido? Não respondo por que não o considero
assim. Cometeu muitos erros sim, e isso parece inquestionável. Mas erros
enquanto líder e comandante, principalmente por permitir que seus comandados
tantas vezes extrapolassem nas ações perante aqueles que nem eram inimigos nem
representavam perigo, apenas por maldade e perversidade. E sobre isso já escrevi
em texto intitulado “A verdadeira cegueira de Lampião”:
“Prefiro
acreditar no homem de pulso, severo diante de erros, no verdadeiro líder.
Prefiro continuar acreditando no homem que jamais se desnorteou das linhas do
destino traçadas em sua mão. Contudo, também não posso deixar de afirmar sobre
o irreconhecível Lampião diante de tantas façanhas macabras recontadas pelos
historiadores e pesquisadores. Somente na mais completa cegueira pessoal o
líder maior aceitou que verdadeiros absurdos acontecessem.
As atrocidades
de Zé Baiano, o Carrasco Ferrador, contra aquelas mocinhas de Canindé, ocasião
em que as três faces sertanejas foram impiedosamente marcadas com ferro em
brasa. A torpeza e a traição praticadas contra a cangaceira Rosinha,
covardemente morta pelos próprios companheiros de bando - e dizem até que a
mando do próprio líder. As mortes de inocentes durante os ataques empreendidos
pelo bando nas povoações interioranas. E sem desprezar os relatos dando conta
das sanhas bestiais da cangaceirama e de suas ações de violências ilimitadas
contra o pobre homem da terra, tudo isso demonstra que talvez os dois olhos de
Lampião estivessem fechados. Ou completamente cegos, mas pela outra cegueira.
E
verdadeiramente cego porque inadmissível que o homem que pregava uma guerra
justa permitisse que seus comandados fizessem qualquer um de inimigo,
principalmente quando se tratava de desvalidos da terra. Absolutamente cego
porque não se admite que um líder, ainda que não esteja presente em todas as
ações dos seus, não os tenha alertado sobre as consequências das violências
extremadas e dos atos impensados. Cegueira total em Lampião ao saber que seria
responsabilizado por toda maldade praticada pelos seus cabras e ainda assim
permitiu que tudo perdesse o controle em muitas situações”.
Não se pode
negar a prática de violências descomunais por parte de integrantes do bando. E
tais violências, na concepção de alguns historiadores, acabaram se
transformando em culpa exclusiva do comandante, que foi Lampião. Daí o mito do
homem sanguinário, cruel, impiedoso, matador de criancinhas e velhos. Mas
somente o desconhecimento dos fatos para se acreditar em tais afirmações como
verdadeiras. Seus erros, como afirmados, foram outros, enquanto líder, mas não
pela contumácia na prática de barbarismos.
Mas então, ele
pode ser visto como herói? Depende da concepção que se tenha sobre heroísmo.
Segundo os livros, herói é aquele que é reconhecido pelas suas virtudes ou
pelos seus feitos. É uma figura que reúne em si os atributos necessários para
superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica. É o
homem que se distingue por coragem extraordinária na guerra ou diante de outro
qualquer perigo, ou que suporta exemplarmente um destino incomum.
Que se aceite
ou não, mas os conceitos se ajustam perfeitamente ao que foi Lampião: homem de
feitos extraordinários, de inigualável coragem e que teve de suportar as
agruras de um destino incomum. Ademais, quem conhece as hostilidades do mundo
catingueiro, quem sabe o quanto é difícil caminhar um dia inteiro sobre uma
trilha no meio do mato, há de reconhecer quanto incomum foi o destino desse
homem que durante vinte anos teve a caatinga como lar e a ponta do fuzil como
visitante. E sem falar nas cruéis motivações para que assim tudo tivesse
acontecido.
Escritor
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