*Rangel Alves
da Costa
Quando ao
final de 2008, após treze dias em estado de coma induzido num leito de UTI do
Hospital João Alves Filho, novamente abri os olhos à vida, então com a luz me
veio outro destino.
E um novo
destino concedido por Deus. Não tive apenas a oportunidade de sair da escuridão
para a luz, não tive apenas a sorte de vencer a tão difícil situação. Ora,
aquele que me fez reviver também me fez outro ser.
E Deus, no
silêncio misterioso que em tudo é palavra, certamente disse: Faça-se em ti a
luz! E a luz se fez. E disse ainda: Tua vida ainda é de construção, por isso
siga sua estrada. E no caminho prove a ti mesmo que és capaz de construir muito
mais.
Estive, pois,
no alto da cruz, e Deus não me abandonou. E de lá para cá, sempre caminhando
por estradas recobertas de flores e espinhos, venho trazendo comigo o
compromisso da construção. Difícil como o grão sertanejo, mas dadivoso como a
colheita que chega.
Desde então, o
meu compromisso é voar alto, voar cada vez mais alto. Um voo pelas asas da
procura, da realização, do comprometimento, do compartilhamento, do prazer em
semear. Um voo pelas asas da cultura, do saber, do conhecimento, da escrita, da
preservação de importantes patrimônios.
Não se voa
alto sem sair do chão, alguém poderia dizer. Mas mesmo de pés no chão, com a
sola do chinelo fincada na terra, meu voo se torna possível toda vez que
procuro transformar em realidade aquilo que a muitos é difícil conseguir.
Preciso voar
cada vez mais alto para, lá de cima, onde somente o olho preocupado com o chão
avista, conhecer cada vez mais as carências e as necessidades que se avolumam
sem esperanças de dias melhores.
Quero voar
cada vez mais alto e ainda assim caminhar pelo mesmo chão, e lado a lado, com
meu conterrâneo, com o meu irmão sertanejo. E na caminhada confirmar que
ninguém vai a lugar algum sem ter o mesmo passo e a mesma importância daquele
que segue a seu lado.
Quero voar
cada vez mais alto, com títulos, reconhecimentos, prêmios, escolhas e
conquistas, e ainda assim ter a certeza de que jamais estarei distante daqueles
que são da mesma raiz e do mesmo chão, de um mesmo berço chamado sertão.
Quero voar
cada vez mais alto e no alto onde eu estiver jamais deixar de ter a mão ao
alcance da mão que esteja estendida em minha direção. E ter os olhos diante do
olhar que me olha, e ter a palavra para aquele que deseja ouvi-la, e ter a
amizade necessária aos que me reconhecem como amigo.
Quero voar
cada vez mais alto sem jamais deixar de estar na companhia do meu povo
sertanejo, sem jamais deixar de estar caminhando pelos arredores de mata,
visitando os esquecidos, compartilhando palavras e afetos com os mais humildes.
Quero voar
cada vez mais alto porque Deus me permitiu assim voar. Mas o pássaro que Deus
me fez só pode voar até o céu da realidade. Jamais ir além daquele céu dos
humildes, onde o horizonte não tem outra feição senão a de gente, a de povo, a
de chão.
Muito tenho
conseguido na vida, mas preciso voar ainda mais alto. E quanto mais caminho
pelos caminhos de Poço Redondo mais quero voar. No sertão o meu ninho e minha
baraúna. Dele alço voo por todo o espaço.
Um voo cuja
altura vai muito além de onde minha altura vai. Pois assim disse Fernando Pessoa:
Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura...
Poeta e
cronista
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