*Rangel Alves da Costa
Pessoas existem que agem de modos estranhamente controversos. São antíteses, paradoxos, inversos. Num mesmo instante podem apresentar as duas faces. São pessoas de pedra e de vidro, de punhal e de flor, de lâmina e de pétala. Dóceis e amargas demais, brandas e de impossíveis convivências. Perfumes que também são venenos.
São pessoas dóceis e cativantes e ao mesmo tempo bárbaras e arrogantes. Brisas cheirosas a fragrância de amanhecer, mas também terríveis e destrutíveis vendavais. Pessoas que num instantes sorriem toda a beleza do mundo e no outro instante toda a ira da vida, todo o ódio que possa existir num ser humano. Sempre a frente e o verso.
Pessoas de pedra exatamente por serem insensíveis, brutas demais, irracionais. Suas asperezas são tão contundentes que ferem até com a proximidade da mais pura inocência. E de pedra pelo fato de não aceitarem outras realidades que não a suas, de se manterem irredutíveis ante todas as situações, de sempre dizerem não pelo prazer da negativa.
Petrificadas nos próprios erros e cimentadas em teimosias as mais esdrúxulas. Enraizadas de tal forma em incoerências que a lógica de tudo é transformada ao bel-prazer. Forjadas, contudo, em um ferro que se arroga de ser o mais rígido mesmo quando já enferrujado pelas verdades do tempo e as maresias das lições surgidas.
Quanto mais a ferrugem avança e vai mostrando as fragilidades de tudo que há em si mais a pessoa vive sua ilusão de força e indestrutibilidade. E assim até tudo desapartar de vez. Quanto mais vai sendo carcomido pelo tempo mais o ferro dessas pessoas falseia suas aparências. E ainda pensa ser ferro quando já não há mais sequer aparência da velha ferrugem.
Não é difícil encontrar pessoas assim. Perante elas não adianta dizer que estão certas ou erradas, que isso ou aquilo pode ser diferente. Jamais aceitam verdades que não sejam as suas. Mesmo ao chão, tais pessoas dizem que estão em pé. O branco nunca é branco, o preto nunca é preto. Negam até a si mesmas para contradizerem a verdade no outro.
Não aceitam conselhos por se acharem as mais experientes do mundo. Não querem receber orientações por se sentirem sempre as mais inteligentes. Não adianta dizer a elas que de outro modo poderia ser bem melhor. Não adianta dizer nada, pois tudo será combatido pelas razões mais estapafúrdias. Prega uma coisa num lugar e mais adiante já diz totalmente o contrário, num jogo contínuo de conveniências.
“Mas impossível que você não esteja vendo que isso está errado. Quem já viu dizer que uma pessoa, sem razão alguma, viva permanentemente acabrunhada, zangada, parecendo que tudo é seu inimigo?”. Como que para zombar, eis que a pessoa dá um sorriso como resposta.
“Será que não está vendo que sua maldade perante o mundo, que sua sisudez perante a vida, que sua inimizade perante tudo e todos, tudo isso vai acabar lhe isolando numa ilha de solidão?”. E talvez a resposta seja apenas: “Para mim tanto faz como tanto fez”.
Pessoas assim existem aos montes e por todo lugar. Passam esbarrando nos outros, olham os demais como se quisessem ferir com os olhos, vivem nas ruas como se estivessem em campos de guerra. E quando abrem a boca é para puxar o punhal ferino e mortal da palavra suja, desqualificada, sempre arrogante.
Contudo, nas mesmas pessoas geralmente aflora um paradoxo ainda maior, pois quando contrariadas sem poder reagir de outro modo, sem meios suficientes com a contestação estapafúrdia que possa ser encontrada no momento, logo se mostram as mais frágeis do mundo.
Então tais pessoas, antes de pedra, de ferro, de aço, na dureza do diamante, passam a simplesmente serem de vidro, do mais frágil barro, de asas de borboleta, de papel manteiga, da seda mais fina do mundo. Basta um sopro que as dissolve. Basta a firmeza da verdade e logo tomarão os espaços.
Perante a verdade, quando a palavra dita não pode se silenciar e ouvem sem poder fugir do que foi dito, tais pessoas parecem taças lançadas ao chão, afeiçoam-se a cortinados ao sopro das ventanias, assemelham-se ao pó lançado de qualquer janela. Da até pena vê-las tão perdidas em meio às janelas abertas.
Uma feição totalmente diferente de antes. A arrogância se sente ferida, reclama de estar sendo injustamente atacada. A brutalidade se sente ameaçada, invoca sua inocência diante de toda injusta agressão. Sempre esquece que do mesmo modo age perante os demais.
Assim as pessoas de pedra e de vidro. Ásperas, duras demais, impenetráveis demais, mas ao mesmo tempo, quando em situação de vidraça, sempre se mostrando sensíveis e demasiadamente humanizadas. Contudo, basta saírem do recuo e já começam a atacar novamente.
Não há mesmo jeito para pessoas assim. Não há satisfação maior do que ferir. E basta qualquer ameaça para que se desfaçam em lágrimas de covardia.
Escritor
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