O
correspondente do “DIÁRIO DO ESTADO”, do Ceará, em Pernambuco, ouviu há
poucos dias o célebre facínora Antônio Silvino.
Para aqui
trasladamos a entrevista.
O fato de
haver Manuel Batista de Morais, mais comumente conhecido por Antônio Silvino,
por intermédio de seu advogado Dr. Aciole Simões, requerido em seu favor uma
ordem de habeas corpus ao egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, despertou
em nosso espírito o desejo de ouvi-lo a respeito das esperanças, que
naturalmente nutria sobre a concessão do remédio invocado.
A curiosidade guiava os nossos passos, queríamos ouvir o bandido falar sobre o
seu direito, porque duvidávamos muito de sua inteireza.
A opinião pública não se agitara, mostrando-se como que indiferente ao
resultado da ordem impetrada.
Psicologicamente é digno da maior consideração esse fato, porque a multidão
alçando-se por completo demonstra de modo evidente a mais plena confiança nos
julgadores do habeas corpus.
Não se pode crer que a massa social seja indiferente à sorte de Antônio
Silvino, o terror dos sertões pernambucanos, o catecismo dos crimes como a
alguém já aprouve chamá-lo, de modo que o desinteresse votado à decisão da
elevada corte de justiça não pode ser traduzido se não como prova de confiança
nos venerandos desembargadores pernambucanos, pois que a reclusão do bandoleiro
é exigida em nome da própria ordem social e da segurança pública.
Registramos, pois, com o máximo desvanecimento esse descaso pela sorte de
Antônio Silvino, porque verificamos com ele a realidade do império da lei e do
direito.
Uma sociedade em que a justiça não inspira confiança é uma sociedade em
desorganização.
A magistratura é o máximo esteio da sociedade.
Silvino na ocasião em que chegamos à grade da célula em que está recluso,
trajava calças de casimira cinzenta e camisa branca, calçando meias pretas e
sapatos de tapete. Tinha o ar prazenteiro, não demonstrando em sua fisionomia
nenhuma contrariedade.
É um tipo comum, de estatura regular e cheio de corpo, alvo, rosto arredondado,
denunciando, porem, proto-saliência maxilar, cabelos pretos, bigodes compridos
e bem cofiados, não impressionando mal a quem se aproxima.
É um representativo legítimo do homem rústico, com a educação peculiar do
sertanejo nortista, franco e desenvolvido, entremeando a palestra de risadas.
Boçal e dogmático, procura convencer de sua inocência a quem o ouve. Suas palavras são confirmadas e auxiliadas por gesticulação constante.
Perquirimo-lo acerca da probabilidade da concessão da ordem de habeas corpus e
Silvino disse-nos sem subterfúgios – “não acalento nenhuma esperança em ser
solto agora; não porque não tenha direito, mas porque nesta terra não há justiça.
Todos os desembargadores afirmaram ao meu advogado que eu tinha direito ao
habeas corpus, porém, que não podia ser solto, pois era um bandido. Bandidos
têm na polícia”.
“Eu nunca fiz o que a polícia costumava praticar”.
“As forças que saíam em mina perseguição cometiam atrocidades sem igual,
desonravam e saqueavam até, sem nenhuma punição por parte do governo, ou porque
não soubesse ou porque não quisesse”.
“O meu grupo – e cheguei a andar com cinquenta homens – era respeitador. De uma
feita um dos meus homens tentou violentar uma mulher, mas dois outros
descarregaram-lhe os rifles em cima e remataram com duas pauladas. O cabra
ficou como morto, porém escapou, saiu arrastando-se e o exemplo ficou”.
“Quando um homem ia ‘trabalhar’ comigo eu dizia o meu proceder, de modo que
depois daquele fato nenhum outro tive”.
Quantos processos existem preparados contra você?
- Um cento, respondeu-nos num misto de ironia e cinismo.
- Muitos, se não a maior parte dos processos feitos contra mim, foram por
crimes praticados por outras pessoas, que tomavam o meu nome.
Pensei por muito tempo que houvesse outro Antônio Silvino que não eu. Às vezes
estava num lugar e chegava ao meu conhecimento que Antônio Silvino e seu grupo
tinham matado, esfolado, saqueado, praticado, enfim, o diabo.
Ora, não podia ter sido eu que lá não estava e por isso entendia que havia
outro Antônio Silvino.
“Muita gente fez bandeira do meu nome”.
- Porque e desde quando pegou em armas?
- Desde 1906, quando assassinaram meu pobre pai. Foi morto por causa de
política e quando os bandidos o mataram as armas que ele conduza eram: - um
livro e uma carteira de homeopatia, porque ele gostava de curar gente.
Vivíamos do nosso trabalho, meu pai, eu e meus irmãos, e estávamos no serviço,
quando recebemos a notícia dessa fatalidade. Corremos, porém, não pudemos
chegar junto do cadáver, porque os bandidos estavam à nossa espera, voltamos
parar buscar o corpo.
Meu pai foi morto porque votou com um amigo. Dois homens do mesmo partido
queriam ser chefe; meu pai tinha de ficar com um e por isso o outro mandou
assassiná-lo.
Era governador do Estado o senhor Barbosa Lima, que não puniu os assassinos,
parecendo ao contrário que os animou, porque começou para nós a perseguição,
não escapando ninguém de minha família.
Não pudemos continuar a trabalhar em nossas lavouras; fomos para a companhia de
um tio e os bandidos foram lá – incendiando o cercado, que ficou arrasado.
Nessa ocasião trocamos uns tiros, porque já era demais. Tinham antes destruído
as propriedades de uma minha irmã viúva, que, coitada, ainda hoje vive
destroçada por causa disto.
Jurei vingar-me e vingar a morte de meu pai, porque tinha toda razão, mas a
justiça não entendeu assim e começou a perseguir-me.
Nesta terra não há justiça.
Quem maiores perseguições nos fez foram os governadores Barbosa Lima,
Segismundo Gonçalves e Herculano Bandeira.
Eu não sou bandido, como dizem. Bandido são todos que assim me chamam.
Aqui, eu queria que muita gente que conheço viesse para contar-lhe na cara
todos os crimes que cometeram em meu nome.
Há gente rica com esse expediente.
Nesse ponto da conversa interferiu o companheiro de prisão de Antônio Silvino
dizendo-se um inocente, uma vítima de perseguições, mas que era desmentido em
suas palavras pela sua própria fisionomia.
Homem mal encarado, retratando em si todos os traços de criminoso nato descrito
pelo professor Lombroso, no “Homem delinquente”, o companheiro de Silvino, que
na pia batismal recebeu o nome de Olegário de Gusmão, cumpre uma sentença de
nove anos e quatro meses , a que foi condenado pelo júri da comarca de Caruaru.
Olegário com muita propriedade pode ser chamado um tipo escovado e pernóstico.
Estuda a palavra que tem de proferir e escolhe termos.
É um “ilustrado”, tendo adquirido os seus conhecimentos no cárcere, durante os
vinte e um meses de que ali está.
Discorreu sobre a prova testemunhal do processo e asseverou ir intentar o
recurso de revista para reabilitar sua reputação enxovalhada pela acusação de
um furto que não cometeu.
Sua preocupação máxima foi convencer-nos de sua inocência e como pretendesse
desviar do nosso espirito qualquer dúvida traída, talvez, por um gesto, por uma
expressão fisionômica nossa suplicou-nos: doutor, ouça aquele rapaz que está
“residindo” ali defronte, que ele melhor dirá que não tenho culpa nenhuma.
Achamos graça no emprego da expressão “residindo” empregada pelo “inocente”
Olegário e procuramos sair, no que fomos obstado por Silvino que ainda tinha
para declarar:
- Do meu habeas corpus vou recorrer para o Supremo Tribunal, no Rio, pode ser
que os juízes de lá sejam melhores que os daqui.
O Superior Tribunal satisfaz as previsões de Antônio Silvino negando por
unanimidade de votos o habeas corpus impetrado.
Fonte: facebook
Fonte principal: O Estado de São Paulo
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