Por Beto Rueda
A decisão de atacar Mossoró, cidade próspera e populosa, centro salineiro importante no Brasil, no início de junho de 1927, foi uma ação ousada.
A idéia de assaltar uma nova região parecia inovadora. A notória fama e riqueza do lugar atraía a cobiça dos bandidos pois as ações em Pernambuco, Alagoas e Paraíba estavam limitadas devido à ação da polícia, e no Ceará, pelo acordo informal com as autoridades locais.
O plano foi arquitetado pelo coronel Isaías Arruda, chefe político do Cariri e coiteiro de cangaceiros, residente em Missão Velha mas com fazendas imensas no município de Aurora(CE).
Isaías convidou Lampião para a empreitada. No início ele recusou. Achou a idéia um absurdo, alegando ser uma grande cidade e muito distante, cerca de 100 léguas.
Encorajado e com ajuda financeira, armas e munição fornecidas pelo grande latifundiário, aceitou e preparou o bando. Sabino trouxe quinze cabras, Jararaca dezoito. Massilon Leite, nascido na fazenda Timbaúba(PB), ambicioso, falador, destemido, arrojado, corajoso e pronto para tudo e que gabava-se de conhecer o Estado do Rio Grande do Norte palmo a palmo, onde trabalhou como almocreve e mais tarde como pistoleiro de aluguel, foi integrado ao grupo como figura de destaque.
A viagem para Mossoró foi combinada inicialmente na primeira semana de maio de 1927. O bando saiu em dois grupos: um conduzido por Massilon que subiu pelo interior do Ceará à altura de Pereiro, seguiu à direita penetrando no Rio Grande do Norte ao anoitecer, em Apodi. Saquearam a cidade no dia 10 de maio. No dia 11, entraram no povoado de Gavião. Massilon seguiu para a Serra do Martins, local marcado para o encontro com o grupo de Lampião.
O grupo chefiado pelo rei vesgo, subiu pela Paraíba por Catingueira, foi por Bom Jesus e passou a noite no sítio Formigueiro. No dia seguinte chegou no sítio Caiçara. Ao anoitecer em Belém do Rio do Peixe, divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte.
Houve um tiroteio nessa localidade; o delegado Nelson Furtado leite que contava com apenas um soldado convocou civis a fim de proteger o lugar. No tiroteio o chefe cangaceiro descobriu que as balas fornecidas pelo coronel Isaías eram velhas(1912) e a cada dez, apenas uma detonava. Diante disso, resolveu cancelar a viagem.
Lampião reuniu-se com Massilon e seu grupo no Serrote Cantinho afim de encontrar-se com o coronel e refazer os planos de ataque a Mossoró. Voltou ao seu coito na Serra do Diamante.
O problema com as balas foi rapidamente solucionado e, no início de junho, deslocou-se ao Ceará para os ajustes finais da jornada.
A nova incursão iniciou-se no dia 9 de junho, deixando a fazenda Ipueiras(CE) em direção ao norte, a cavalo. Chegaram rapidamente ao Rio Grande do Norte, no dia seguinte, de tarde.
Durante a longa jornada rumo ao alvo principal, atacaram e roubaram povoados(Vitória, Pau Ferros, Boa Esperança, Mumbaça, Segunda tentativa de ataque a Apodi, São Sebastião) e diversas fazendas(Baixio, Nova, Bom Jardim, Diamantina, Aroeira, Caiçara, Lajes, Caricé, Morada Nova, Morcego, Cacimba de Vaca, Jurema, Campos, Santana e sítios(Carnaubinha, Panati, Juazeiro, Corredor, Buracos, Cajueiro, Cachoeirinha de Vítor, Castelo, Serrota, Traíras, Arção, Gangorrinha, São Vicente, Camorim, Ipueiras, Canudos, Lagoa de Paus, Camurupim, Picada). Saquearam, queimaram uma estação da estrada de ferro e cortaram fios telegráficos. Fizeram reféns como Francisco Germano da Silveira, Joaquim Germano, Manoel Barreto Leite, Egídio Dias, Amadeu Lopez, D. Maria José Lopez, Pedro José, Azarias Januário, Júlio Soares, Guilherme de Melo, Belarmino de Morais, Sancho Amaro, Geraldo Oliveira e o coronel Antônio Gurgel, um comerciante importante, preso na fazenda Canto do Saco, no dia 12 de junho, já próximo a Mossoró.
A notícia da proximidade de Lampião chegou rápido. Iniciou-se uma fuga em massa. Famílias inteiras deixaram as suas casas, a pé, a cavalo, de automóvel, de caminhão. Uns embrenharam-se no mato. As famílias mais abastadas sabendo da notícia começaram enviar as mulheres e crianças às fazendas do litoral. Foi um alvoroço geral. Os homens da cidade reuniram -se com o prefeito e trabalharam a noite inteira preparando a defesa.
No dia seguinte, às cinco horas da manhã, os cangaceiros partiam para o ataque. Chegaram ao meio dia nos arredores da cidade. Lampião escreveu ao prefeito exigindo grande quantia para não invadir. O chefe político em resposta, mandou uma mensagem: "Recebi o seu bilhete e respondendo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa, confiando na mesma. Rodolfo Fernandes - prefeito. 13 - 06 - 1927".
Dentro da cidade, foram feitas trincheiras com fardos de algodão, feijão, pedras e troncos de árvores. Um grande destacamento, entre 150 e 300 homens esperando em pontos estratégicos como a prefeitura, estação ferroviária, telégrafo, uma escola, um hotel, diversas residências e casas comerciais. Além dos campanários da igrejas que dominavam o lugar, todos muito bem equipados. Por ordem do padre Luis Mota, os sinos das três igrejas da cidade começaram a tocar. Foram acionados também os apitos das caldeiras a vapor das fábricas.
À tarde, os cangaceiros deixaram as montarias no lugar "Saco", dois quilômetros de distância da urbe e a pé atravessaram a ponte metálica do rio Apodi e avançaram pelo Alto da Conceição, prontos para atacar.
Debaixo de chuva fina e trovões ao fundo, com os reféns na frente como escudo humano, os cangaceiros foram divididos: Sabino comandava duas colunas de vanguarda com Jararaca pela ala central e Massilon com os seus cabras. Lampião com os seus homens de confiança na retaguarda, mantinha uma certa distância dos demais.
Os grupos de Sabino e Jararaca foram acompanhando a linha do trem, perto da estação ferroviária, em direção ao fundo da Igreja São Vicente de Paula, para atacar a casa do prefeito pelo lado direito. Massilon seguiu adiante tentando invadir a parte posterior.
Vila Nova foi pela Lagoa dos Canudos, beirando o rio, no bairro dos Pereiros, perto da barragem à esquerda, completando o cerco pelo outro lado da casa.
Lampião seguiu com Moreno e seu pequeno grupo pelos trilhos da estrada de ferro, depois foi em busca do cemitério público municipal.
O alvo principal era portanto a casa do prefeito - O bandoleiro justificou: "A cobra se mata pela cabeça". A fim de impressionar mandou o corneteiro Mormaço seguir na frente soprando o instrumento, dando assim ao evento um tom de batalha. Rodolfo Fernandes percebendo o perigo gritou "atirem". Começou a fuzilaria.
No centro, muitas trincheiras dificultavam o avanço do grupo em direção à casa do prefeito. Sabino valente, vestido de soldado, roupa caqui, consegue entrar na casa do genro do prefeito Joaquim Perdigão Nogueira e recebe dois tiros de raspão. Um no quepe, outro na perneira. Ficou em uma posição privilegiada, bem em frente da igreja e de vinte a trinta metros do objetivo.
Sem poder seguir, Massilon ficou disperso, não conseguiu sincronizar sua ação com os companheiros. Isolado do resto do grupo, recuou.
Estava difícil quebrar a defesa, o grupo de Sabino ainda tentou atacar a Prefeitura mas recebeu uma saraivada de balas da torre de uma das igrejas e de outros lugares vizinhos. Não conseguiu mais avançar.
Colchete em ação individual, com o punhal entre os dentes e fuzil na mão em delírio, correu para alcançar os fardos das trincheiras. Foi atingido por um balaço no rosto, caiu, estrebuchou. Um outro tiro também o atingiu na região dorsal, estava acabado. Jararaca embriagado, tentou rever as armas e munição do companheiro e também foi ferido mas conseguiu escapar.
Um outro grupo tentou tomar a estação ferroviária mas encontrou uma forte resistência e também teve que fugir. Outros cangaceiros foram feridos. Não restou outra alternativa senão abandonar a cidade.
Sabino ordenou a retirada com tiros de pistola para o alto. Abandonam o campo de batalha, o ataque chegou ao fim. A malta deixou para trás Mossoró e foi embora a cavalo com os reféns. Assim terminou a tentativa frustrada e insana de conquistar a cidade.
Saindo depressa, Lampião e seus comandados, voltaram para o acampamento. Dos sobreviventes, Virgínio tinha uma bala encravada na coxa esquerda, Às de Ouro um arranhão no nariz, Alagoano com o lábio inferior partido. Dois de Ouro com um ferimento na nuca, não tinha nem forças para gemer. Chumbinho, atingido nas costelas, com uma toalha atada na barriga, gritava: "Vale-me Nossa Senhora!!.
Jararaca, depois de fugir, foi encontrado inoportunamente e preso. Mais tarde concedeu entrevista ao jornal local. Sua morte é um mistério, muitos dizem que ele foi assassinado.
Com receio da volta dos sicários, os defensores de Mossoró ficaram entrincheirados, de plantão, a noite toda. Sossegaram quando tiveram certeza de que não havia mais perigo.
No dia seguinte, com a vitória confirmada, muitos mossoroenses saíram efusivos, orgulhosos, comemorando a grande resistência ao ataque dos cangaceiros de Lampião. Outros por curiosidade foram ver o corpo fétido de Colchete, ainda estendido na escadaria da igreja Santa Luzia, como um troféu macabro.
A próxima parada foi a Chapada do Apodi e depois Limoeiro do Norte, situada às margens do rio Jaguaribe, no Ceará. Saindo de Limoeiro, rumaram para o sul em direção à Aurora(CE). O grupo agora estava menor, um contigente tinha ficado para trás.
A jornada em terras potiguares foi inesquecível. Uma mistura de ganância, aventura e terror representaram a maior derrota do Rei dos Cangaceiros.
REFERÊNCIAS:
OLIVEIRA, Aglae Lima de. Lampião, cangaço e nordeste. Rio de Janeiro: O Cruzeiro S.A, 1970.
CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião, o rei dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
FERNANDES, Raul. A marcha de Lampião - assalto a Mossoró. Natal: Universitária, 1985.
IRMÃO, José Bezerra Lima. Lampião a raposa das caatingas. Salvador: JM Gráfica e Editora, 2014.
DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. Lampião e o Rio Grande do Norte: a história da grande jornada. 2. ed. Cajazeiras: Real, 2014.
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