Reportagem de Osvaldo Alves
Dizendo
chamar-se legitimamente Antônio Manuel Filho, o tenente Antônio de Amélia,
famoso por haver vingado a morte de um sócio, matando três cabras de Lampião,
recebeu o repórter na sua Fazenda Piau, a cinco quilômetros da cidade de
Ouricuri. Naquela visita fizemo-nos acompanhar do Dr. Edilton Luna, Promotor de
Justiça de Bodocó e do jornalista Francisco Rocha, correspondente de
"Região" no estado de Pernambuco.
A historia do tenente Antônio é longa e cheia de lances perigosos. Nascido em
Alagoas, na cidade de Mata Grande, AL pertenceu a Policia pernambucana, na
época de Lampião. Hoje é tranquilo fazendeiro em Ouricuri, somente molestado
pela insistente curiosidade de algum repórter da revista Região, pois fomos os
únicos, até agora, a localizar, no seu retiro, o valente oficial reformado da
Policia pernambucana, muitos anos depois de sua arriscada aventura.
Trajando calça escura e camisa branca, óculos de grau a ponta do nariz, foi
assim que encontramos Antônio de Amélia no alpendre da Casa Grande da Fazenda
Piau. Inicialmente meio arredio, mas logo se derramou em cordialidade e falou
com toda franqueza contando sua historia, suas proezas, suas aventuras,
finalmente o desfecho com a morte de quatro elementos do grupo de Lampião. Foi
bate-papo longo, aqui e acolá entremeado de risos do nosso entrevistado, quando
recordava um episódio cômico ocorrido em meio a mais terrível expectativa, nas
horas de maior perigo.
Corisco sangra Mizael e desfecha-lhe dois tiros na cabeça.
Primeiro veio
a noticia: mataram Antônio Mizael. Corisco - Conta-nos o Tenente Antônio -
Tocaiou o meu sócio Mizael. Ele tinha uma propriedade - O sitio Catinga. Deu
feira em Inhapi, e depois foi empreitar umas terras para plantação de feijão.
Em lá chegando deparou com Corisco, cabra do grupo de Lampião. Com a ajuda de
outros três bandidos Corisco amarrou o meu sócio, em seguida sangraram-no e
depois deu dois tiros na cabeça. Recebi telegrama em Caruaru comunicando o
fato. Meio tonto com a noticia fui a Inhapi e comuniquei ao Prefeito Antônio
Mota que iria fazer uma tragédia com a morte de Mizael. Só Deus evitaria de
matar um dos cangaceiros. Mizael será vingado, custe o que custar. E preparei o
plano.
Familiares do Tenente eram amigos de Lampião.
Após um
cafezinho servido as visitas, Antônio de Amélia prossegue no seu relato:
"Estando, certo dia, em uma firma comercial, em Inhapi, em companhia do
meu amigo corretor Pedro Paulo, expliquei para ele o meu desgosto por ter
sabido da grande amizade de pessoas de minha família com Lampião e seus
cangaceiros. Sendo eu da família, prefiro ir embora a ver acontecer alguma
coisa desagradável com eles. A uma perguntas de Antônio Paulo, que o maior
relacionamento de Lampião era com o meu parente Sebastião. Soube até que ele
tem um rifle do bandido para consertar, além de um cantil que eles mandaram
fazer de zinco e tem ainda umas cartucheiras enfeitadas de metal, também para
conserto.
O encontro com Sebastião
Sem mencionar o sobrenome de Sebastião, Antônio de Amélia conta as providências
tomadas na articulação de seu plano para vingar a morte do sócio Mizael.
Protestando, de inicio, suas ligações com o grupo de Lampião, Sebastião findou
concordando com Antônio de Amélia. No momento travou-se este dialogo, entre os
dois:
- Sebastião,
vamos liquidar esses cabras?
- Não, porque
ninguém pode. Eles são muito desconfiados e valentes como cobras venenosas.
- Confie no
meu plano. Garanto que dará certo.
- Estou até
esperando por alguns deles, para entregar umas encomendas.
A longa
espera
Atendendo a uma sugestão de Sebastião, Antônio de Amélia conta que, em
companhia de pessoa indicada por Sebastião, se dirigiu para o local não muito
distante do sitio onde o seu parente teria encontro com os cabras de Virgolino.
Ali aguardaria as noticias de Sebastião ou a ordem para se apresentar na casa
onde estavam os bandidos. Antônio de Amélia conta que, durante oito horas,
escondido no mato, ficou a espera de Sebastião, que só apareceu as dez da
noite, esclarecendo que teve que realizar algumas compras em Inhapi e, de
volta, demorou numa festinha de casamento.
- Pensei - disse Antônio de Amélia - que você tivesse denunciado o plano e
nós é que iriamos morrer: A seguir Sebastião meio pessimista quanto ao bom
resultado do plano do seu parente:
- Não vai dar jeito para vocês, apesar de Lampião não ter vindo com os cabras
que já estão aqui. Quem veio comandando os cangaceiros foi Luiz Pedro, agora,
tem muita gente. Estão distante daqui, uma légua.
Fingiram haver
morto um soldado para gozar da confiança dos cangaceiros.
Distante uma légua do sitio onde se encontravam Antônio de Amélia, seu primo
Sebastião e Antônio Tiago, compadre do primeiro e amigo para enfrentar as mais
difíceis situações, estava acampado um dos grupos do famoso bandoleiro do
Pajeú. Foi neste local, conta Antônio de Amélia, que Sebastião, conhecido do
grupo, pois para eles trabalhava em serviço de consertos de armas, costura de
embornais e outras atividades de sua profissão, apresentou-me a mim e ao
compadre Antônio Tiago: - Aqui é gente minha - esclareceu na hora da
apresentação, adiantando: - Eles mataram um soldado e estão refugiados na
Casa de João Aires. A policia os anda perseguindo, embora não saiba onde eles
se encontram.
A historia da "morte" do soldado, ardilosamente criada por Antônio de
Amélia, foi o bastante para que os estranhos passassem a gozar da simpatia e
confiança do grupo. Para eles, cabras de Lampião era herói quem assassinasse um
soldado e duas vezes herói quem matasse um oficial.
Integrados ao grupo, Antônio e seus companheiros passaram a dar os últimos
retoques no plano. Pelo menos já haviam conseguido penetrar no bando, o que
muito facilitaria a execução de tudo quanto imaginaram perpetrar para vingar a
morte do sócio Mizael. Naquele mesmo dia, a sombra das árvores, comeram,
beberam e dançaram, homem com homem.
Antônio
de Amélia é o quarto à direita.
Interessante
observação nos fez o Tenente Antônio de Amélia, a nos explicasse que mesmo
sendo em pequeno grupo, os cabras de Lampião jamais dormiram todos agrupados
num mesmo local. Na hora de dormir se espalhavam a fim de garantir uma reação
no caso de serem surpreendidos por uma visita desagradável dos volantes
policiais.
Encontro com Lampião.
Reunidos ao grupo chefiado por Luiz Pedro, prossegue Antônio de Amélia na sua
narração - Fomos a Fazenda de Pedro Ferreira, um amigo de Lampião.
Ali recebidos com muito queijo e carne seca de bode. Neste local os cabras
demoraram pouco tempo. Daí seguiram ao encontro do chefe. A apresentação da
mais nova aquisição do bando foi feita por Luiz Pedro.
- É gente de Sebastião - explicou o apresentador sob o olhar meio
desconfiado de Lampião. Dada a grande confiança que gozava Sebastião junto a
Lampião e seus cabras, os visitantes logo puderam ficar a vontade.
Grupo se divide para confundir as volantes
Contou-nos Antônio de Amélia: Todos os elementos do grupo estavam reunidos.
Lampião, tendo ao seu lado a companheira inseparável Maria Bonita, começou a
distribuir ordens. Precisava demorar, por muito tempo, naquele acampamento,
para repouso, depois de longas caminhadas e reiterados encontros com as
volantes policiais e de ataques a indefesas cidades nordestinas. Chamando
Suspeita, um dos seus fiéis comandados, ordenou que fosse a cidade de Mata
Grande. E prosseguiu o Rei do cangaço:
- Receba umas
encomendas de Sebastião e depois, da Mata Grande mate Alfredo Curim, Zé Horácio
da Ipueira e faça 6 ou 7 mortes na família dos Bentos que é para ficarmos aqui
despreocupados. De lá viaje para onde quiser, que passe fora uns 15 dias a um
mês.
Alegando Suspeita, que os cangaceiros do seu grupo precisavam arrumar certas
coisas, Lampião autorizou que retirasse elementos de outros grupos. Foi aí que
Fortaleza, que era do grupo de Luiz Pedro, Medalha, que sempre acompanhava o
chefe, e Limoeiro, que pertencia a outro, passaram a compor o pessoal de
Suspeita para o cumprimento daquelas ordens. Ao mesmo grupo nos incorporamos.
Isto é, eu, Sebastião e Antônio Tiago. Mais tarde, quando estávamos de passagem
pelo município de Santana, Zeca, irmão de Sebastião e Alfredo, seu primo, se
reuniram a nós, após as necessárias apresentações.
Em diferentes direções outros grupos saíram.
Seguindo as ordens do capitão Virgolino, diversos grupos seguiram em diferentes
direções, com o mesmo objetivo de desviar a atenção das volantes e facilitar a
permanência de Lampião, naquele local: Um deles, disse-nos Antônio de Amélia,
se dirigiu a Matinha de Agua Branca, terra da famosa baronesa, cujas jóias
foram roubadas por Lampião, no inicio de sua carreira.
Cangaceiros deram para desconfiar.
Acampados no meio da mata, Suspeita e sua gente aproveitaram a presença de
Zeca, primo de Sebastião, que era bom rabequista, para, ao lado de uma
fogueira, dançarem e beberem durante toda a noite.
Antônio de Amélia prossegue na sua narração: Aproveitando os cabras entretidos
na dança, chamei Sebastião e disse para ele: vamos ter um pouquinho de cuidado
com os cabras. Parece que eles estão um pouquinho desconfiados. Chamei depois o
meu compadre Antônio Tiago e combinamos:
- O primeiro
tiro será dado por mim em "Fortaleza". Compadre Antônio cuida de
"Limoeiro" e Sebastião de "Suspeita".
Aguardaremos,
com cuidado a melhor oportunidade. Neste momento pude observar que Suspeita e
Fortaleza se isolaram do grupo e, todos equipados, se dirigiam a um riacho nas
proximidades do lugar de nosso acampamento.
Foi aí que Sebastião se dirigiu até o local onde os dois se achavam e
perguntou:
- O que está
havendo com você, Suspeita, que está triste e capiongo?
Ao que
Suspeita exclamou:
- Nada não,
companheiro. Quem anda nessa vida precisa ter todo cuidado. Precisa confiar
desconfiando.
Sebastião
retrucou:
- Então está
desconfiando de mim que tudo tenho feito por vocês e gosto de você e do
Capitão? Neste caso não mande mais me chamar para coisa nenhuma. E saiu
para perto da fogueira.
Diante da
reação de Sebastião tudo voltou ao normal no acampamento, mesmo porque
advertir, - disse Antônio de Amélia - para cessar a dança e o barulho da
rabeca, pois dada a pequena distancia daquele local para a estrada, poderiam
ser surpreendidos por alguma volante.
Tentativa
frustrada.
Prosseguindo na entrevista, comenta Antônio de Amélia: todos reunidos ao pé da
fogueira contavam anedotas ou relembravam fatos pitorescos ocorridos em outras
ocasiões. Medalha levanta-se e se encontra a um pé de catingueira, enquanto
Fortaleza se ampara em um toco escorou o embornal e ficou voltado para o fogo.
Limoeiro, ao lado de Antônio Tiago, ouvia as historias que outros contavam. Foi
neste momento que, ao me aproximar cautelosamente de Fortaleza, baixei o
mosquetão em cima dele mas pinou a bala. Foi quando procurei
despistar colocando rápido o rifle as costas e fui passando debaixo dos galhos
das árvores.
Nisto gritou Limoeiro:
- O que
foi?
- Foi o galho que pegou aqui na mira do rifle.
Passando o
episódio, frustrada a primeira tentativa de liquidar os bandidos, pude
distanciar-me um pouco e sacudi a bala fora, colocando outra na agulha. Antes,
justifiquei o caso afirmando inexperiência no uso de armas daquele tipo.
A hora da vingança.
O momento da vingança chegou: disse o tenente Antônio, de volta após mudada a
bala que falhou e colocada outra na agulha, desci o mosquetão e o primeiro tiro
pegou na cara do bandido Fortaleza, que enterrou os pés e caiu em seguida por
sobre os paus. Dei o segundo tiro que o atingiu no ombro. Nisto ouvi disparo:
Era compadre Antônio Tiago havia atirado em Limoeiro, enquanto numa sequência
rápida, Sebastião pegou Suspeita pelo meio.
Alfredo ataca Medalha e saíram aos trancos e barrancos numa luta corporal danada.
Corri para lá e encontrei suspeita com Sebastião imprensado na ribanceira do
riacho tentando puxar o punhal que, por ser grande demais, não dava para
arrancar da cintura. Sebastião então grita para mim: chegue se não este cabra
me mata. Bati com a boca do mosquetão no pé do ouvido do cabra que o sangue
acompanhou. Nisso Sebastião pode dominar Suspeita e joga-lo no chão. Quis usar
novamente o mosquetão, mas Sebastião gritou:
- Não
atire que você pode errar e me atingir, e mesmo o bandido já está morrendo.
Em seguida
corremos para o lugar onde António Tiago e Limoeiro se engalfinhavam numa luta
de gigantes. Eram dois negros enrolados numa luta feroz.
Nisso Sebastião pegou nos cabelos de Limoeiro e exclamou:
- Foi este bandido que
sangrou o finado Mizael.
- Fui mandado, disse Limoeiro. Pelo
amor de Deus não me sangrem. Atirem na minha cabeça, mas não me sangrem.
Um tiro reboou
na mata. Caia morto o terceiro bandido. Estava vingada a morte do amigo de
Antônio de Amélia. Partimos para o lugar onde Alfredo, pegado com medalha,
tentava matá-lo. Alfredo é desses cabras vermelhos de cabelo ruim que quando
pegam um não soltam. Ao nos ver disse:
- Decá uma
faca. Deixem eu matar este peste.
Não permiti
que matasse, explicando que deveria levá-lo para ser entregue as autoridades.
O diálogo entre Sebastião e Medalha
Outro episodio que nunca foi citado nos livros e reportagens sobre o rei do
cangaço foi o que passamos a enfocar: já amarrado, pés e mãos, Medalha exclamou
para Sebastião a que passou a tratar de Tião:
- Como é que
você faz dessas... chamar seus parceiros para vir matar a gente?
Ao que Tião
responde:
- Vocês
estão acostumados a matar com facilidade, nós também podemos matar vocês na
facilidade.
- Eu não
sou homem para ser preso, me atirem na cabeça... me sangrem que eu fico
satisfeito.
- Você está
preso e garantido, explicou Tião.
No meio da
luta uma segunda vingança
Praticamente encerrado o impasse entre matar ou prender, entra em cena
novamente Alfredo, de arma em punho. Com revólver colocado por cima dos ombros
de Tião, desfechou um tiro certeiro na cabeça de medalha. Tombou o quarto
bandido. É o próprio Tenente Antônio de Amélia, explica a interferência de
Alfredo no caso Medalha:
No meio da luta o velho Felix, pai de Alfredo, ao se aproximar do local do
acampamento foi atingido por uma bala no peito esquerdo e foi fulminado na
hora. O filho, como um louco, viu o pai cair morto e não teve outra
alternativa a não ser a de matar, com a pistola de Limoeiro, mais um
bandido do grupo sinistro de Lampião.
Exposição
macabra dos bandoleiros e no caixão Félix Alves, pai de Alfredo.
O enterro
coletivo dos quatro cangaceiros no cemitério de Mata Grande.
Noite
Illustrada, Edição 319 de 12 de outubro de 1935. Página 10
Cortesia
do scanner: Robério Santos
Créditos: Roberto de Carvalho
Transcrição Antonio Moraes para o Blog
do Sanharol
Correções e adição de imagens: Lampião Aceso
Adendo Lampião Aceso
A literatura nos diz que este grupo foi orientado pelo tenente Joaquim
"Grande", mas em nenhum momento este ou outro oficial é citado por
Antônio de Amélia. De acordo com a legenda das duas primeiras fotografias o
fato ocorreu entre 18 e 19 de setembro de 1935 em Mata Grande Alagoas.
http://lampiaoaceso.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com