Por: Cabo Francisco
Mané Moreno era um cangaceiro feio, esquisito, preguiçoso, problemático e
perverso ao extremo, que além de difícil convivência, este trazia consigo uma
grande bagagem de ignorância e teimosia. Muitos diziam que ele vivia com Áurea
quieto e meio isolado do resto do bando.
Sempre discutia e brigava com seus comparsas por
qualquer motivo fútil; emprestava dinheiro ou algum objeto dos outros e não os devolvia,
apesar de tudo, ainda não era um cabra de confiança, pois os cangaceiros mais
antigos do bando, diziam que ele já os havia abandonado, fugindo por várias
vezes em meio a violentos combates com as volantes nas caatingas.
Enfim, que
além de covarde era também um "porcão", pois não era muito chegado a
um banho, transpirava muito e a sua higiene bucal deixava a desejar. Era um ser
obcecado por perfumes e que ao borrifá-los pelo corpo e nas roupas encharcadas
de suor, esta mistura de odores lhe dava uma fragrância enigmática.
Até mesmo o próprio Lampião não gostava dele, e só o
aceitava no bando por consideração aos seus parentes, os valentes cangaceiros
Zé Sereno, Zé Baiano e os irmãos Antônio e Cirilo de Ingrácias.
Mané Moreno a esquerda, seguido de Zé Sereno e Zé Baiano
Um dia de quarta feira, da semana que antecedia o
natal, sua mulher e companheira Áurea pediu para que ele a levasse para ver
seus pais. Atendendo ao pedido de sua amada, ele partiu levando-a na garupa do
seu cavalo. Eram umas 17:00h. Quando chegaram próximo à casa de Áurea, o
cangaceiro notou que havia muita movimentação de gente. Então cismado, ele
parou o cavalo no alto do morro, e mandou que Áurea fosse até lá para ver o que
estava acontecendo. E assim foi feito. Daí então, logo Áurea regressou e lhe
informou que seu pai, o velho Zé Nicárcio estava recebendo em sua casa uma
"folia de reis", e que era para o cangaceiro respeitar a bandeira do
divino, e aguardar um bocadinho, até que todos partissem, e que depois eles
chegassem com cuidado.
O casal Zé Nicárcio e dona Josefa odiavam Mané Moreno,
pelo fato deste ter obrigado sua filha a segui-lo naquela vida de
criminalidade.
Mané Moreno soltou bufões de raiva, babava e rangia os
dentes de ódio, e por fim falou: “Eu vô descê inté lá e dispois di iscurraçá aquelis fios duma égua, vô dar uma coça nu seu pai”.
Áurea tentou detê-lo, mas o cangaceiro irado, a
derrubou com um empurrão. Depois montou no seu cavalo e partiu a galope, mas
ainda escutou quando sua mulher gritou: "-Cuidado qui u santu rei vai lhe
castigá!"
Áurea mal fechou a boca, um enxame de abelhas
africanas que surgiu do nada, atacou Mané Moreno, fazendo seu cavalo mudar de
rumo e se embrenhar no meio das caatingas em disparada por uma outra direção
oposta.
Nisso Áurea foi até a casa de seus pais e tomando um
banho, jantou um pirão feito com caldo de galinha caipira, e gozando dos afagos
de seus entes queridos, adormeceu. Quando a lua alva estava alta no céu, todos acordaram
com o latido dos cães. Áurea acendeu uma lamparina e abriu a janela para ver o
que era, e constatou debaixo do pé de jaca, um homem seminu com as roupas todas
ensanguentadas e rasgadas, além de vários taios pelo corpo, que se encontrava
todo inchado pelas picadas dos insetos.
Áurea foi até ao cangaceiro, que estropiado só podia se
comunicar por gestos, devido ao inchaço nas amídalas provenientes do
"castigo" recebido por sua heresia.
No outro dia, deitado em uma rede, depois de já
recuperado, enquanto Áurea arrancava-lhes os inúmeros espinhos de seus pés, ele
contou que além das picadas das abelhas, caiu do cavalo, enroscou o pé no
estribo e foi arrastado caatinga adentro. E sua sorte foi que seu cavalo topou
mais adiante algumas éguas no cio, e parou para rufiar as fêmeas, foi assim que
ele conseguiu se soltar e safar-se do castigo.
Por incrível que pareça, o facínora jurou para sua
amada que jamais em sua vida iria agir contra uma folia de reis.
No ano
seguinte ele e a sua amada Áurea foram surpreendidos e mortos, enquanto
dançavam em um baile naquela região, por uma das muitas volantes que os
perseguiam.
Enviado pelo Cabo Francisco.
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