*Rangel Alves da Costa
Depois de um período de chuvas boas, com pingos caindo além da normalidade, o sertanejo já olha para os horizontes com um olhar sem o brilho prazeroso de antes. Sua sabedoria matuta já começa a ler outras linhas traçadas nas cores e nas feições da natureza. E certamente já diz a si mesmo que as chuvaradas já se foram e dali em diante é rezar para que outra estiagem não chegue prenunciando o sofrimento.
Nada nega ao olhar da sabedoria matuta. Cada balançar de folhagem, cada ninho que vai sendo feito, cada altura de voo de passarinho, cada sopro do vento e cada zumbido que vem da caatinga, vai lhe trazendo uma página escrita ao seu grande livro. E é por isso que tanto conhece o seu mundo, que sabe quando a chuva vai chegar e quando tudo vai padecer pela sequidão. Mas é na cor da barra do amanhecer que vem a grande certeza: se vermelhar não chove.
O mesmo olhar se encheu de alegria tempos atrás. Ao invés da barra avermelhada, as nuvens prenhes, escurecidas, cheias, chegando e chegando. O sol escondido, o tempo nublado, a certeza de logo o barrufo se espalhar pelos ares depois dos primeiros pingos caídos. E com os primeiros pingos, o início das chuvaradas e das constantes molhações sertões adentro. O que estava acinzentado, fragilizado, recurvado pela força do sol sobre a terra, logo começou a ganhar fôlego e vida. Os sertões estavam renascidos.
Ao menos no sertão sergipano, as constantes e contínuas chuvas caídas causaram admiração no próprio homem da terra, no sertanejo já sofrido demais. Depois de uma seca devastadora, com mais de quatro anos sem trovoada boa, as chuvas chegaram com vontade de molhação. Tanques, lagoas, açudes, barragens, tudo ficou cheio e transbordado. Os pastos dizimados pela secura, acinzentados e mortos pela inclemência do sol sobre sol, logo foram esverdeando, retomado vida nova, maravilhando as paisagens.
Era um sertão muito diferente daquele de tempos atrás. As preocupações e as angústias com o sofrimento dos bichos e a falta do pão de cada dia para alimentar a família, foram dando lugar às esperanças. Ao invés de juntar cotoco de palma morta, de catar resto de tudo para alimentar o gadinho ainda restante, o sertanejo passou a planejar o futuro na terra molhada, gorda, boa para plantar. Então foi descavando os grãos guardados em garrafas, foi ajeitando a terra, passando o arado ali e acolá, para jogar por cima a semente da vida.
E já não se via olhos entristecidos, bocas silenciosas, feições desalentadas, ânimos esvaídos, mas tão somente o sorriso e o encorajamento perante a nova realidade sertaneja. Era como se dali em diante – e por tempo indefinido – o sertão tivesse se tornado num celeiro de bem-aventuranças. Milho, feijão, abóbora, melancia, pois em se plantado tudo daria. E realmente houve quem tivesse plantado muito e colhido com fartura, pois as chuvas continuando cair e bem ao estilo do que a terra semeada deseja: constância de chuvas um pouco além do sereno.
Mas as estações foram passando, o período friorento também, e agora o sertanejo já começa a reclamar do calor. Com as chuvas tendo ido embora, os horizontes se abriram de vez a um sol cada vez mais abrasador. Daí o calor de fornalha, as plantas novamente começando a murchar, os acinzentados já começando a surgir num e noutra paisagem, o alimento do bicho já escasseando por cima da terra. E o mais temeroso: as águas também sumindo das fontes, a lama tomando as beiradas e os fundos dos tanques. Tudo o que o sertanejo menos deseja ter.
Agora a situação já se mostra preocupante demais ao homem da terra. Quando abre sua porta ainda na madrugada para os trabalhos do dia, a barra avermelhada já retrai suas esperanças. E quando as chuvas caem, são tão poucas que nem para juntar água servem mais. O que foi juntado já está no fundo do tanque. O pasto já não se renova na mesma proporção da necessidade dos animais. A palma verdosa e gorda já começa a definhar. Os brotos rareiam por todo lugar. E a cada novo dia, com um sol mais forte descendo em chama e calor, até os terços e rosários de orações já começam a ser lembrados como proteção contra os sofrimentos futuros.
A verdade é que os dias já estão ensolarados demais para um sertão que estava molhado demais não faz muito tempo. O calor já está aumentando demais para um clima até friorento demais de dois a três meses atrás. E sem chuva que caia nem depois do anoitecer, ainda que nuvens se formem pelas distâncias, em muitos já há a certeza de mais uma seca que vai se formando na própria moldura da terra.
E o medo maior é que ela venha feia, faminta, ossuda, devastadora. Um sofrimento já tão conhecido que ninguém deseja mais batendo à porta. Dai as mãos já prontas à prece e todos os santos chamados como proteção.
Escritor
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